Você está aqui

Os caminhos para nossas florestas

Autor original: Paulo Henrique Lima

Seção original: Artigos de opinião

A sociedade se acostumou a ver passivamente, na imprensa e ao vivo, uma infinidade de casos de desmatamento, queimadas, extração predatória de madeira e de palmito etc. Felizmente essa história vive hoje uma fase distinta.

Diante de uma proposta retrógrada e míope de alteração do Código Florestal, aprovada por uma Comissão Mista do Congresso, houve uma mobilização nacional sem precedentes. Nunca o futuro de nossas florestas foi tão debatido na imprensa, no Congresso, em instâncias de governo, universidades, fóruns na Internet, reuniões e eventos públicos. O país ganhou a oportunidade para fazer uma verdadeira reflexão sobre parte importante dos 500 anos de história. O lado mais evidente do debate é sobre a área de florestas a ser desmatada. De um lado, a proposta dos ruralistas defendia o direito de desmatar 50% das florestas da Amazônia. De outro, a proposta do Conama defende a manutenção de pelo menos 80% dessas florestas. A solução desse duelo de números não está na aritmética, mas sim nos conceitos e valores subjacentes a esse debate.


O desafio é aproveitar o momento para nos posicionarmos sobre o futuro das florestas brasileiras. Precisamos desmatar para gerar desenvolvimento? As florestas representam o atraso do país ou oportunidades para o seu desenvolvimento sustentável? A conservação das florestas brasileiras interessa aos países industrializados ou ao próprio Brasil?


A obtenção de madeira e outros produtos de florestas nativas tem sido feita de forma predatória. O Sul e o Sudeste brasileiros, que já foram exportadores de madeira, hoje importam cerca de 10 milhões de metros cúbicos de madeira da Amazônia por ano. A expansão da pecuária extensiva -principal uso das terras desmatadas- fixa poucos trabalhadores no campo e contribui para o inchaço das cidades e o crescimento da pobreza urbana. O desmatamento produz enormes prejuízos para a geração de energia hidrelétrica e abastecimento de água para cidades e agricultura, pelo aumento da erosão. Além disso, empobrece a biodiversidade e contribui para mudanças do clima.


No contexto internacional, o Brasil ocupa uma posição estratégica: possui a maior reserva de florestas tropicais, é o maior consumidor de madeiras tropicais e, futuramente (2010), será o maior exportador de madeiras tropicais do mundo. O setor florestal gera cerca de 1,5 milhão de empregos diretos.


O potencial do setor para a geração de empregos é muito maior. O custo de um emprego florestal é cerca de 700 vezes menor do que outro na indústria automobilística. A contribuição do setor florestal para a balança de pagamentos do Brasil tem sido positiva desde 1980, mesmo no período de 1995 a 1998, quando o saldo da balança comercial brasileira passou a ser negativo.


Apesar disso, as florestas, tratadas simplesmente como "a mata", são vistas pelos formuladores de políticas públicas como um recurso a ser garimpado e, ainda, como um estorvo, a ser removido para a expansão da agropecuária.


A principal vocação da Amazônia é o manejo florestal e a industrialização de produtos florestais -não a agropecuária e a indústria eletrônica. Hoje, a produção de madeira representa cerca de US$ 2,5 bilhões/ano, equivalendo a mais de 15% do PIB de diversos Estados.


O problema é que essa produção vem sendo feita em bases não-sustentáveis. Além disso, predominam condições de trabalho irregulares. Isso tem gerado problemas de acesso aos mercados externos, cada dia mais exigentes em termos de qualidade socioambiental.


Se bem manejadas, cerca de 10% das florestas da Amazônia poderiam atender, de forma sustentável, a demanda interna de madeira. Se outros 10% fossem bem manejados e vendidos ao mercado externo com selo verde, poderiam gerar cerca de dezenas de milhares de empregos e mais pelo menos US$ 5 bilhões em produtos de madeira.


Além disso, o manejo florestal pode gerar produtos não-madeireiros (castanha, borracha, fármacos etc.) e serviços ambientais. Por outro lado, o manejo florestal -e não a agropecuária- representa o caminho mais promissor para a construção da cidadania para as populações que vivem na floresta: índios, seringueiros, caiçaras, quilombolas etc.


As florestas devem ser tratadas como espaço privilegiado para o desenvolvimento sustentável. A proteção e o uso sustentável de nossas florestas é, em primeiro lugar, interesse do próprio Brasil, e não dos países industrializados. É hora de aproveitarmos o momento e fazermos uma inflexão na nossa história florestal. O debate sobre o Código Florestal é um importante começo de uma nova e longa caminhada.



*Virgílio M. Viana, 39, engenheiro florestal e doutor pela Universidade Harvard (EUA), é professor do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP, e presidente da Sociedade Brasileira de Etnoecologia.







A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados.





Temas anteriores
  • A Utopia Concreta
  • Movimento Ambientalista e Desenvolvimento Sustentável: um breve histórico
  • O impacto da Internet nas bibliotecas brasileiras
  • Estatuto proclamado e não cumprido
  • Ciência e tecnologia para a sociedade civil organizada
  • Internacionalismo contra a Globalização
  • Bourdieu desafia a mídia internacional
  • Internet: conectar, transformar, não bestializar...
  • O Ibase e o projeto Balanço Social das empresas no Brasil
  • O terceiro setor é legítimo?
  • As transformações do mundo do trabalho
  • Há cinco séculos no Brasil

  • Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer