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"Cura gay": público LGBT reage à decisão de juiz e ironiza consequências da medida

A decisão da Justiça Federal de conceder liminar que autoriza psicólogos a atenderem pacientes com terapia para "reversão sexual" causou polêmica nas redes sociais nesta terça-feira (19). Diversos especialistas, militantes LGBT, entidades e artistas usaram suas contas para protestar contra a medida, que é proibida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) desde 1999.As hastags #curagay e #TrateSeuPreconceito lideraram Trending Topics do Twitter ao longo do dia. Entre os protestos, diversas publicações fizeram piada com uma possível licença médica para “tratar da doença” sugerida pela liminar em decisão proferida na última sexta-feira (15) pelo juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho. “Eu quero aposentadoria, porque é doença crônica, não tem cura”, riu a ativista trans e assessora do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), Alessandra Makkeda, acrescentando: “Se todas as pessoas LGBTs do país, que são calculadas entre 10% a 17% da população brasileira, fossem doentes, o Rio de Janeiro e o Brasil iriam à falência, o impacto seria absurdo”, exclamou. “Se a Previdência não está em falência, dessa forma ela estaria”, concluiu. O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) definiu como "aberração jurídica" a decisão que já foi alvo de embate entre os parlamentares ligados à defesa dos Direitos Humanos e a bancada evangélica no Congresso Nacional. Wyllys avisou que vai promover uma mobilização no Parlamento e se aliar ao Conselho Federal de Psicologia (CFP) para recorrer da decisão do juiz. "É uma aberração jurídica, como outras que acontecem no País. Como é que o Judiciário se presta a isso? O Judiciário não está agindo de acordo com a Constituição", comentou.A decisão do juizA decisão atendeu a uma ação de três psicólogos que pediam a suspensão de uma Resolução do CFP que estabelece como os profissionais da área devem atuar nos casos que envolvam a orientação sexual de pacientes. A liminar mantém a integralidade do texto, mas determina que o Conselho a interprete de modo a não proibir que profissionais da psicologia façam atendimento buscando reorientação sexual, sem qualquer possibilidade de censura ou necessidade de licença prévia. O conselho irá recorrer da decisão.“Não tem como a gente colocar como patologia algo que não é patologia. Não existe especialidade que fale da homossexualidade a partir do viés patológico. A proposta que veio desse pequeno grupo é algo sem viés científico”, explicou a sexóloga Flávia Ferreira Silva.O Brasil tem cerca de 300 mil psicólogos e até hoje apenas três profissionais foram julgados pela prática de “reversão sexual”. Nenhum foi cassado. Desde 1990 a homossexualidade deixou de ser considerada doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – entendimento reconhecido internacionalmente.“Hoje uma fragilização da resolução representaria, não só para a psicologia, mas para a sociedade de forma geral, um retrocesso muito grande, principalmente quando falamos de um país que mais mata pessoas LGBTs. Quando fragilizamos essa resolução, endossamos a violência. É importante que toda a classe se mobilize para que se mantenha a força do Conselho e dessa resolução”, completou Flávia.A Resolução do ConselhoPublicada em março de 1999, a Resolução nº 1 do CFP proíbe os psicólogos de exercerem qualquer ação que favoreça o entendimento da homossexualidade como doença, bem como de colaborarem com eventos ou serviços que proponham o tratamento e a cura da homossexualidade.O Conselho defende que a determinação baseia-se no entendimento da OMS de que a homossexualidade não é uma doença, um distúrbio, nem uma perversão. Por esse entendimento, o CFP entende que a forma como cada um vive sua sexualidade faz parte da identidade do sujeito, cabendo aos profissionais de psicologia única e exclusivamente contribuir para a superação dos preconceitos e das discriminações.“Não há cura para o que não é doença. A posição do conselho é essa porque precisamos pontuar normas, mas é comum vermos relatos da população LGBT, de profissionais que tentaram essa reversão”, explicou a psicóloga clínica e doutoranda em matemáticas das práticas psicológicas no campo judiciário e as relações de gênero e sexualidade, Maria Luíza.Ela explica que existem duas frentes de trabalho importantes na área da psicologia: o papel do profissional e a profissão. “O conselho vai fiscalizar a profissão e não o profissional. Mas nós temos que defender uma profissão laica, e precisamos agir a partir dos princípios jurídicos que estão vinculados a garantia de direitos humanos e o combate a qualquer forma de discriminação. O preconceito existe em diversos espaços, e se a psicologia for um desses espaços de violência, a gente vai sair perdendo. Se a sociedade produz esse tipo de preconceito, a psicologia não pode reproduzí-lo”. Para a trans Alessandra, a decisão do juiz foi o que mais causou comoção na população LGBT, que se organiza para um ato na próxima sexta-feira (22), nas duas grandes capitais do Brasil, Rio e São Paulo. “O que mais incomoda é a decisão do juiz. Que esses grupos vão continuar tentando fazer isso, eles podem continuar até 2020, já houve tentativas mais absurdas que essa. A nossa justiça abrir essa brecha é que causa essa comoção e gera insegurança”, explicou.Em julho de 2013, a Câmara dos Deputados arquivou um projeto que derrubava a determinação do conselho e permitia o tratamento por psicólogos de pacientes que quisessem "reverter" a homossexualidade. No entanto, o projeto foi retirado de tramitação após pressão.Na ocasião, o projeto já tinha sido aprovado na Comissão de Direitos Humanos da Casa durante a gestão do polêmico Pastor Marco Feliciano, mas como foi retirado da tramitação, só poderia ser reapresentado na legislatura seguinte, ou seja, hoje pode ser proposto novamente por qualquer parlamentar.“Esses grupos nunca pararam de disputar esse absurdo. Como em 2013, a resolução não foi suspensa, porque não há argumento jurídico e técnico para a suspensão, agora outro caminho foi usado”, afirmou Maria.O ato marcado para a próxima sexta reúne diversos coletivos LGBTs, e para Alessandra, essa união “incomum” vem fazer frente a decisão do juiz de forma simbólica para mostrar que o movimento é suprapartidário “e não aceita retrocessos”. “Tem muito tempo que não surgia um tema que mexesse com tantos setores ao mesmo tempo. Grupos que não conversavam entre si e que hoje estão se mobilizando para estarem juntos nesse ato”, disse a ativista, completando: “Do ponto de vista simbólico, quando uma liminar dessa abre um precedente tão perigoso de que pode haver uma interpretação de uma resolução tão clara, é o mesmo que dar o aval para continuar fazendo esse trabalho canalha, que já acontece, ainda que de maneira tímida. Não se pode abrir esse precedente”.Fonte: Jornal do Brasil

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