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Nota Pública: Exército monitorando a Internet nas eleições é um risco à liberdade de expressão

Diversos veículos de mídia recentemente noticiaram uma parceria entre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Exército para o monitoramento de conteúdos online durante as eleições de 2018 tendo como foco o combate às chamadas “notícias falsas” (fake news). O assunto foi objeto de uma reunião entre o presidente do TSE, Gilmar Mendes, e os ministros da Defesa, Raul Jungmann, do Gabinete de Segurança Institucional, Sergio Etchegoyen, e da Justiça, Torquato Jardim, realizada no dia 25 de outubro.A Coalizão Direitos na Rede – articulação que reúne dezenas de entidades da sociedade civil, organizações de defesa do consumidor, pesquisadores e ativistas – vem por meio desta nota manifestar sua preocupação com essa movimentação e apontar a necessidade de recolocar a discussão sobre o tema em outro patamar.Em que pese as notícias falsas serem um fenômeno nocivo para a democracia e para o direito de acesso à informação, e que precisa ser combatido, inclusive no contexto de possíveis influências em processos eleitorais, atribuir ao Exército e às forças de segurança a tarefa de monitorar conteúdos na Internet é uma medida inadequada e que traz sérios riscos à liberdade da expressão dos usuários.As Forças Armadas não podem monopolizar o controle da veracidade dos fatos porque 1) não possuem essa competência constitucional; 2) não têm as condições técnicas para isso; 3) não detêm o conhecimento para distinguir fake news; e 4) não são neutras na política. Para piorar, essas instituições deixaram violentas e profundas marcas na história recente do país ao promoverem o cerceamento da liberdade de expressão e de manifestação dos brasileiros/as durante a ditadura civil-militar.O monitoramento sem uma base legal neste sentido já é uma violação da privacidade, direito garantido constitucionalmente e em leis específicas, e da proteção dos dados pessoais, princípio assegurado no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). Mais grave, a análise da ação de milhões de brasileiros, com a possibilidade de acessos a dados eleitorais, coloca a população brasileira como objeto de vigilância pelas FFAA e pelo sistema nacional de inteligência, algo incompatível com o regime democrático.A preocupação com “notícias falsas” – termo que, aliás, carece de melhor definição e cuja indefinição pode, em eventuais fiscalizações, abrir espaço para toda sorte de abusos – no contexto eleitoral deve se transformar em objeto de discussão junto à sociedade e as estratégias e recomendações produzidas a partir desta reflexão devem ser adotadas pelo ecossistema institucional e regulatório próprio da Internet no país, que tem no Comitê Gestor da Internet no Brasil seu principal órgão. Ademais, o Comitê Gestor da Internet é composto por múltiplos setores, que poderão contribuir com diferentes perspectivas para a construção de tais estratégias e recomendações.Mesmo uma eventual preocupação com riscos à soberania nacional por possíveis influências estrangeiras no processo eleitoral não pode ser tratada com a designação de um papel de monitoramento às Forças Armadas nessa esfera. A ideologia da “ameaça do inimigo externo” não justifica a violação de liberdades e garantias dos cidadãos. A prevenção e o tratamento desse problema devem se dar no âmbito do ecossistema institucional e regulatório próprio do setor, conforme mencionado anteriormente.Neste sentido, a Coalizão Direitos na Rede alerta a sociedade e as instituições envolvidas na discussão para esse problema, coloca a inadequação da solução noticiada e propõe aos órgãos relacionados ao processo eleitoral e ao campo da Internet a abertura do debate com a população brasileira e com todos os segmentos, dos usuários à classe política. A mitigação dos problemas decorrentes da circulação de notícias falsas deve ser buscada pelo conjunto da sociedade, e não relegada às forças armadas por um pequeno grupo de senhores com significativo poder na república. Problemas e disfunções fazem parte do regime democrático, mas não podem justificar medidas que violem liberdades e garantias dos cidadãos ou descaracterizem a Internet livre.Coalizão Direitos na Rede17 de novembro de 2017

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