Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Na tarde chuvosa da quinta-feira, 6 de novembro, teve início oficial em Belo Horizonte o I Fórum Social Brasileiro, com uma marcha que reuniu aproximadamente duas mil pessoas, finalizada na praça diante da Assembléia Legislativa da capital mineira. Envolvido em um contexto de expectativa sobre sua consolidação e sobre o nível de adesão das organizações, o evento pretende ser uma oportunidade para as instituições brasileiras continuarem mantendo o calor dos debates que estiveram presentes nas três edições do Fórum Social Mundial (FSM), ocorridas em Porto Alegre (RS).
Como em 2004 o FSM acontecerá em Mumbai, na Índia, muitas organizações daqui não poderão comparecer e o Fórum Social Brasileiro – com o lema "Um outro mundo é possível, um outro Brasil é necessário" – seria uma forma de dar continuidade ao processo de articulação e debate e promover um novo espaço de discussão, genuinamente brasileiro, que dialogasse com o processo mundial do Fórum Social. Segundo Salete Valesan, coordenadora de Relações Institucionais do Instituto Paulo Freire – uma das organizações que integram o Conselho Brasileiro do FSM –, “a proposta do Fórum é, em primeiro lugar, discutir as conseqüências para o Brasil da guerra e da atitude beligerante dos EUA e da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Enfim, debater a soberania nacional”.
Ela afirma também que o “FSB é, ao mesmo tempo, resultado e preparação do FSM, embora não tenha havido preocupação de fazer os eixos temáticos coincidirem". No entanto, Gerardo Fontes, membro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e do Comitê Organizador do evento mundial, alerta: “o FSB faz parte do processo do FSM, que procura mobilizar a sociedade e criar um espaço de idéias e alternativas à atual ordem mundial. O Fórum Brasileiro é importante para fazer o mesmo em escala nacional. Nenhum Fórum Social é preparatório para outro. São eventos individuais, cada um com seu critério, que seguem as cartas de princípio. Não tínhamos realizado um Fórum Brasileiro antes por causa do nosso envolvimento com a preparação do Mundial". Fontes acredita que é preciso discutir também o destino das lutas já travadas internamente, fazer uma grande discussão sobre os movimentos sociais e, assim, provocar o surgimento de propostas e de uma agenda comum entre os participantes.
Segundo Fátima Melo, da Fase, também participante da Secretaria Executiva do FSM, o órgão “apoiou o Conselho brasileiro, passando informações e ajudando na logística das inscrições, além de passar a experiência adquirida nos três anos de Porto Alegre. O Comitê entendeu que seu papel era em nível mundial, por isso não haveria por que organizar o Fórum Brasileiro. Achamos melhor deixar a organização nas mãos do Conselho brasileiro, até para mais pessoas se tornarem referência e terem a experiência de construir um evento".
De acordo com os organizadores do evento, 20 mil pessoas se inscreveram. Além disso, há a expectativa de que um total de 40 mil indivíduos circulem pelas atividades. "A participação dos movimentos pode ser muito grande, pois o espaço permite o encontro de vários movimentos e a construção de agendas comuns. No Brasil, há tempos se procura articular os movimentos por meio de campanhas e manifestações e, agora, há um Fórum para essa reunião", afirma Gerardo Fontes. Segundo Salete, a capital mineira foi escolhida como sede porque “o Fórum é um processo itnerante. Como Porto Alegre já hospedou três edições do Fórum Social Mundial, o comitê brasileiro achou melhor fazer a edição brasileira em outro estado. Dos comitês estaduais, o mineiro foi o que melhor se organizou e se articulou."
Identidade e eixos dos debates
Porém, como este Fórum é novo e, portanto, ainda em estágio de elaboração, podem ocorrer questionamentos quanto à construção de uma identidade própria do FSB. Para Luis Antônio Carvalho, consultor de organizações do terceiro setor, “participantes e organizadores desse Fórum devem se fazer algumas perguntas, como: para que, quais são as questões transversais, o que pretendemos, qual a direção etc. Não se pode cair na armadilha de pegar um rótulo de algo que deu certo – que foi o FSM – e tentar reproduzir, simplesmente. O FSM foi um processo que não se reproduzirá nem em Belo Horizonte, tampouco na Índia. Há que se criar uma coisa nova”.
As discussões – que ocorrem no ginásio do Mineirinho e na Universidade Federal de Minas Gerais – giram em torno de três eixos temáticos: "Imperialismo", "O Brasil que Temos e o Brasil que Queremos" e "Movimentos Sociais", escolhidos em seminários preparatórios de articulação e de organização do Fórum. No entanto, muitas são as desconfianças de que os debates se restrinjam a críticas ao governo Lula – dado o atual momento de descontentamento da sociedade civil organizada, em que se cobra mais comprometimento da gestão federal com os compromissos assumidos nas eleições.
“O governo federal, em algumas de suas instâncias, tem sido um pouco defensivo com relação a alguns pleitos e ao diálogo com a sociedade civil. Assim, o FSB pode tentar, legitimamente, inserir um diálogo com o governo”. Sobre a preocupação de que o Fórum se paute pelo governo Lula, Gerardo Fontes comenta: "Discutir o governo é bom, contribui para o Fórum e para o governo. Porém os temas são muito amplos, não há intenção de transformar Belo Horizonte em um tribunal inquisitório sobre o governo. O caráter não é esse". Segundo ele, isso acabará acontecendo em função do eixo "O Brasil que queremos e o que nós temos", com temas específicos para e sobre o país. “Temos expectativa de surgimento de várias idéias para o país. Mas vale lembrar que o Fórum não é um lugar para julgar o governo, mas sim para formar idéias e articular organizações e movimentos".
Salete, por sua vez, afirma que centralizar as discussões sobre o governo Lula “não é a proposta do Fórum, mas as entidades têm autonomia para pautar suas atividades. Não acho que esse será o principal tema do evento, mas, com certeza, é muito importante e será discutido. O papel do FSB, aliás, é fazer as idéias rolarem, promover debates e privilegiar as trocas – de idéias, de discussões, de experiências, de críticas e de esperança", resume.
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