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"Amazônias", conhecimento e sustentabilidade

Autor original: Marcelo Medeiros

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O maior problema da Amazônia não é o desmatamento, mas a falta de informações sobre o potencial da floresta e os benefícios que podem trazer seus recursos naturais. A opinião é de Peter Mann Toledo, diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi. Para ele, o governo deveria concentrar esforços no desenvolvimento de pesquisas sobre as “amazônias”. No plural, pois existem pelo menos 23 sub-divisões da floresta, segundo Toledo. Com mais ciência e tecnologia, o país poderia planejar melhor seus investimentos na floresta e avaliar o impacto da introdução de novas culturas, como a soja, na Amazônia. Por isso o Museu Goeldi, como é mais conhecido, já organiza com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) debates para discutir o impacto da soja na região, que devem acontecer em meados de dezembro. A geração de conhecimento resultaria em um desenvolvimento mais sustentável e integrado com outros países amazônicos, contribuindo para a posição geopolítica do Brasil.


Toledo critica a divisão dos recursos para pesquisa no Brasil, pois pouca verba é destinada aos pesquisadores do norte, mas, ainda assim, se mostra confiante no potencial econômico e de sustentabilidade da maior floresta tropical do mundo. “Sou otimista em relação à produção de informações confiáveis”, diz.



Rets - Quais são os principais inimigos da Amazônia hoje?

Peter Mann Toledo - O principal inimigo é a falta de informação e conhecimento sobre a floresta como um todo – biomas, papel no clima, relações físico-químicas, entre outros pontos. A Amazônia é uma área de alta biodiversidade, a ponto de a chamarmos de região de megabiodiversidade, e possui grande potencial na produção de fármacos, por exemplo. Vou dar um exemplo da falta de informações: se pegarmos grupos de estudo e observadores de aves, que são bastante ativos, e traçarmos seu conhecimento, faríamos um círculo de 50 quilômetros de raio na floresta. É um enorme vazio. Teríamos o reconhecimento de 60% das espécies aproximadamente. É muito pouco. Quantas espécies, princípios ativos, insetos, fungos estão de fora?

Se pensarmos historicamente, vemos que o homem sempre usou recursos naturais e manteve um padrão de agressão em termos de priorização de alguma atividade econômica. Mas qual a diferença em relação a hoje? Atualmente, a ciência tem instrumentos e conhecimentos que permitem utilizar os recursos naturais com sustentabilidade. Devemos focar em ciência e tecnologia. Esse é o desafio da Amazônia e do Brasil.

Rets - A soja foi introduzida no Centro-oeste com ajuda das pesquisas da Embrapa, que adaptou solo e semente para o plantio. Ou seja, ciência e tecnologia. Hoje a soja avança em direção à floresta. Ela pode prejudicar o meio ambiente mesmo estando cercada de tecnologia?

Peter Mann Toledo - Dentro desse processo de produção de conhecimento, a soja pode ser encarada como um estudo de caso sobre a resposta da floresta. Quando você fala dessa tecnologia que envolve a soja, falta um estudo de impacto ambiental e de sustentabilidade da atividade em relação à Amazônia. É essencial organizar um debate sobre isso. O Museu Emílio Goeldi e a Embrapa, citada na pergunta, vão realizar um evento para discutir a geopolítica da soja e tentar responder a essas questões em 18 e 19 de dezembro em Belém. Queremos saber se o desenvolvimento técnico se aplica à Amazônia. Isso deve ser o pano de fundo da política de governo.

Como instituição de pesquisa, resta-nos discutir e pesquisar a sustentabilidade dessa cultura no curto, médio e longo prazo. Só agora temos resultados de pesquisas iniciadas há 13 anos sobre as trocas gasosas na região de floresta, do ciclo da água, entre outros assuntos. Quanto à intervenção no solo, precisamos de mais informações. Esse é o desafio para a soja: informação e conhecimento. Mas quanto tempo isso vai levar? Pelo que tenho visto, a resposta da ciência é rápida. Sou otimista em relação à produção de informações confiáveis.

Mas qual o pano de fundo dessas questões? A presença do Estado e o uso do território nacional. É importante a sociedade ter a ciência e a tecnologia como peças fundamentais para implementar atividades agrícolas em larga escala. Não estou falando de aumento do PIB (Produto Interno Bruto), mas de conhecimento. Até porque não existe uma Amazônia. Um recente estudo do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) com o WWF aponta pelo menos 23 amazônias, ou eco-regiões, como prefiro chamar. Quem vive aqui sabe disso, mas quem vê de fora pensa que a floresta é uma só e por isso pode intervir de qualquer maneira nela. A sociedade precisa conhecer os pormenores da região. Em quilômetros quadrados, é uma área muito extensa [a Amazônia brasileira ocupa aproximademente 5 milhões de km2], mas há necessidade de expandir as áreas protegidas, justamente para preservar essa diversidade.

Rets - A preservação da Amazônia é uma questão geopolítica para o Brasil?

Peter Mann Toledo - Com certeza. Aliás, gostaria de realçar esse ponto. O manuseio dessa biodiversidade quem faz é o homem. Então há uma questão de diversidade social também. São vários indígenas com suas peculiaridades, além das cidades, onde vive mais gente do que nas áreas de floresta. Tudo isso deve ser colocado em debate. Na minha análise, há diversas questões envolvidas nesse processo, como a balança comercial e a posição de líder do Brasil na América do Sul. Junto a isso vem a necessidade de ser coerente, antecipando os erros com os quais aprendemos.

Rets - A Amazônia não está restrita só ao Brasil e, como o senhor falou, a produção de informação é fundamental. Como está a troca de conhecimento com instituições de outros países amazônicos?

Peter Mann Toledo - Vemos uma troca muito pontual e tênue. Há organizações como a Unamaz (Associação de Universidades Amazônicas), que reúne diversas instituições. Mas há preocupação em aumentar a troca. Há discussões de gestão integrada da floresta, o que é muito importante, assim como a ciência e tecnologia. Nos dias 26 e 27 de novembro, o Ministério da Ciência e Tecnologia organiza um seminário aqui em Belém para discutir a integração de pesquisas e definir uma agenda. O desafio é grande, mas qual sua vantagem?

Se pensarmos na produção científica nacional, veremos que está muito concentrada em cinco estados do Sul e Sudeste. Por aqui, temos pouca verba de pesquisa. Se conseguirmos igualar percentualmente nossa representação no PIB, que é de 7%, com verbas de pesquisa, triplicaríamos nossa verba, pois hoje temos pouco mais de 2%. Desde a ECO-92, o meio ambiente faz parte da agenda nacional e o meio acadêmico responde a isso. Exemplos são as atividades do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), do Museu Emílio Goeldi, das universidades da região Norte e também de instituições de saúde como a Fundação Carlos Chagas.

Rets - O outro lado da busca internacional por mais informações é a biopirataria. Como o senhor vê essa questão?

Peter Mann Toledo - É, em parte, uma decorrência da falta de investimento do governo em ciência e tecnologia. O parque técnico é incipiente. Os pesquisadores entram na academia e, se não obtiverem respaldo, recursos, incentivos, em 10 ou 20 anos vamos perder um mercado importante. O potencial é muito grande e temos experiências exitosas.

O que não pode ser feito é desmatar sem pesquisas e avaliações a longo prazo de solo, balanço hídrico e potencial agrícola. Há muito o que ser feito. É uma atividade ditada pelo mercado, por relações de comércio exterior. Precisamos de instituições tão fortes quanto as do exterior, formar redes regionais ou nacionais. Assim poderemos dialogar de igual para igual com os estrangeiros.

Rets - O senhor já falou de alternativas para a Amazônia a médio e longo prazo. Há soluções mais imediatas?

Peter Mann Toledo - Temos exemplos de manejo da floresta, mas precisamos redistribuir renda em relação às atividades que aqui são praticadas. Temos várias técnicas sustentáveis, viáveis ecologicamente. Entendo que há dois modelos de desenvolvimento. Um é endógeno: desenvolve a floresta e explora os recursos se voltando para os 20 milhões que habitam a região. Outro é exógeno, voltado para a economia nacional. Quem defende esse modelo vê a floresta como um empecilho para o desenvolvimento, que deve apresentar resultados positivos na balança comercial. Daí a importância dada à pecuária e à soja, geradores de produtos com mercado lá fora. Esse discurso levou o Paraná, por exemplo, a ter menos de 2% da mata original.

A curto prazo podemos desenvolver produtos que beneficiem os que estão abaixo da linha da pobreza. É preciso explorar essa nova fatia de mercado, focar em marketing e produtos especializados. Na Europa ela já existe. São produtos com custo maior, mas se pegarmos um país como a Espanha, vemos que eles são viáveis. Lá há um tipo de presunto feito de porcos criados por comunidades tradicionais, que custam quatro vezes mais caro do que o similar industrial, mas vende bem.

Rets - A ocupação e exploração econômica da Amazônia então deve ser estimulada, desde que com cuidado?

Peter Mann Toledo - Não. Recentemente lançamos um manifesto com a [ONG ambientalista] Conservation International contra o desmatamento, que é um processo muito forte e sem controle. Antes de explorar, há necessidade de entender o processo e dar informações ao governo, que anunciou o programa Amazônia Sustentável. Nesse documento, espero ver boas decisões. Temos um número significativo de áreas alteradas. É possível desenvolvimento sem ocupação. Quando falamos nisso, é preciso ordenamento territorial, um programa interministerial que se preocupe com a questão ambiental. Se cada instituição fizer o que deve ser feito, é possível reorientar a ocupação. O país é grande, demanda energia e desenvolvimento, mas há descompasso entre as ações.

Rets - São muitas as áreas alteradas. Mas quem as ocupa? Pequenos ou grandes proprietários?

Peter Mann Toledo - É difícil dizer. São vários processos de ocupação, assim como existem diversas eco-regiões. Se colocarmos em questão as diversas nações indígenas, veremos que cada uma possui peculiaridades e isso deve ser respeitado. O mesmo acontece com os quilombolas [remanescentes de quilombos, antigas áreas de escravos fugidos]. Há também grandes migrações, mas cada uma com sua característica. Não se pode pôr tudo em um saco só. São necessárias soluções pontuais dentro de uma visão geral de preservação. Não há vilão, não posso dizer se o culpado é o grande ou pequeno migrante. Temos que entender como cada grupo enxerga a mata, sua visão de vida, o desejo de ter terra etc., e aí pensar em políticas públicas.

Rets - O plano plurianual (PPA) do governo gerou muitas reações de organizações ambientalistas. Como o senhor o vê?

Peter Mann Toledo - O plano é uma exigência constitucional e cada ministro tem suas agências para ajudá-lo. Ainda acho muito cedo para analisar o governo, principalmente por estarmos no primeiro ano de mandato. Prefiro fazer uma análise de décadas e um plano de quatro anos deve ser visto depois de implementado. Tivemos avanços após a ECO-92, que teve alguns pontos incorporados à agenda nacional.

Rets - É possível a convivência sustentável da soja, pecuária e mineração com a floresta amazônica?

Peter Mann Toledo - Esta pergunta será central no debate que organizaremos em dezembro. Seria leviano eu afirmar algo antes das discussões, de ler relatórios e orientações. Mas temos que ver o que entendemos por sustentável. Para mim, é repartir benefícios e preservar o meio ambiente, mas também uma questão de gerações. É sustentável para quem, que e quanto tempo? As discussões devem ser guiadas por essas perguntas. A minha visão é de alerta, de ponderação. A mata já vem sendo explorada e mantida em pé por seus habitantes. Por que retirá-los de lá? Por que não têm título de propriedade? Aí voltamos à necessidade de presença do Estado na região.


Marcelo Medeiros

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