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Aliados indispensáveis

Autor original: Mariana Loiola

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O fenômeno da violência contra a mulher não é um problema só das pessoas do sexo feminino. Além de ser um sintoma da desigualdade de gênero em nossa sociedade, é uma violação dos direitos humanos. Na Campanha do Laço Branco, os homens são incluídos como foco das ações: o objetivo é sensibilizar o público masculino para a questão e tê-los como aliados na luta pela eliminação da violência contra a mulher. "Muitos homens são contra, mas não se pronunciam diante de um ato de violência contra a mulher. Queremos chamar a atenção dos homens para que assumam o compromisso de não usar violência, mas para que também não fechem os olhos e denunciem quando virem um ato de violência ou souberem de um", diz Ricardo Castro, psicólogo do Núcleo de Saúde e Comunicação do Instituto Papai, organização que assume a secretaria geral da campanha no Brasil este ano.

A Campanha Brasileira do Laço Branco 2003/04 – Homens pelo fim da violência contra a mulher foi lançada, em Brasília, no último dia 11 de novembro. A iniciativa – que surgiu em 1989, no Canadá, e hoje ocorre em mais de 20 países – tem como proposta a implementação de ações em saúde, educação, trabalho, justiça e segurança pública, em parceria com movimentos organizados de mulheres e de outros movimentos organizados que lutam por eqüidade e promoção dos direitos humanos. A versão brasileira da campanha teve início em 1999 e, atualmente, é coordenada por sete organizações não-governamentais, nas regiões norte, nordeste e sudeste. Este ano, a campanha tem o apoio da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (do Governo Federal), da Unesco, da Organização Pan-Americana da Saúde(Opas/OMS) e do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), além de diversas prefeituras e governos estaduais.

Esta maior proximidade do poder público, por sinal, é um dos principais avanços obtidos pela campanha no Brasil. Em Pernambuco, o Instituto Papai tem conseguido o apoio de políticos e comunidades do interior do estado. A instituição levará a campanha para 15 municípios do sertão este ano, com audiências e atos públicos em câmaras de vereadores, juntamente com lideranças comunitárias e de trabalhadores rurais. Segundo Ricardo, é preciso que as pessoas se conscientizam de que o ato de violência contra a mulher é crime. "Nessas cidades do interior vemos que a violência é muito popular", diz.

Outra conquista é o aumento do número de estados envolvidos em ações da campanha: de cinco pulou para dez. As organizações coordenadoras pretendem ampliar ainda mais a quantidade de entidades comprometidas com a campanha e ter, até o final do próximo ano, um comitê em cada um dos 27 estados brasileiros. Para Ricardo, o aumento da adesão à campanha se deve à sensibilização da sociedade, que busca alternativas de lidar com o fenômeno da violência, cujas manifestações são cada vez mais divulgadas pela mídia. Ele enfatiza que, nesse contexto, a violência de gênero precisa ser diferenciada.

Números que assustam

No Brasil, a cada 15 segundos uma mulher é espancada – são trezentas mil mulheres vítimas de violência, por ano. E o quadro tem contornos ainda mais preocupantes: mais da metade das mulheres assassinadas no país foram mortas por seus companheiros ou ex-companheiros (70% dos crimes contra mulheres acontecem dentro de suas próprias casas). Apesar desses números alarmantes, apenas 7% das cidades brasileiras têm delegacias de mulheres.

Além de ampliar os meios de proteção, uma das formas de diminuir esses índices – apontadas pelas ONGs envolvidas no assunto – é estimular a formulação de políticas públicas para sensibilização de homens (crianças, jovens e adultos) e capacitação de profissionais da saúde, educação, justiça e diversas outras áreas. "Só a denúncia não é suficiente. Geralmente, quando homens que praticaram violência saem da prisão acabam voltando a cometer o crime", diz Ricardo, que cita ainda um exemplo de trabalho preventivo: a formação de grupos de conscientização de homens autores de violência, que sofrem processo penal. Este trabalho é feito pelo Instituto Noos, no Rio de Janeiro, que atende homens encaminhados pela Justiça. "A violência doméstica é tão naturalizada culturalmente, que os homens chegam aqui sem reconhecer que a praticam", diz Fernando Costa, coordenador do Núcleo Gênero, Saúde e Cidadania do Instituto Noos.

Das ONGs para o público

Segundo Fernando, nos primeiros anos, as atividades da campanha ficaram muito circunscritas aos trabalhos de sensibilização e educação realizados pelas ONGs. Foi em 2001 que as organizações começaram a ir para as ruas, promover caminhadas e distribuir materiais da campanha.

Neste ano, as ONGs seguem com essas mesmas ações, com o desafio de expandir a campanha, torná-la de maior conhecimento público e ampliar o seu leque de adesões. "Queremos ampliar a participação das outras organizações e conquistar o apoio dos formadores de opinião e de toda a mídia", diz Fernando. Para atingir a opinião pública, a campanha investe em estratégias mais arrojadas, como, por exemplo, a adesão de homens que sejam referências positivas para o grande público. Na campanha deste ano, quatro atores do programa de televisão "Sexo Frágil" (exibido pela Rede Globo) participaram voluntariamente da produção das peças informativas (vídeos e cartazes), nas quais levam à frente o lema da campanha brasileira este ano: "Violência contra a mulher não tem graça nenhuma".

A utilização de figuras masculinas visa a ajudar, inclusive, na diminuição da naturalização da violência, que, como lembra Ricardo, gera uma cumplicidade entre os homens. "Muitos homens que praticam violência contam os seus atos – até com orgulho – para os seus amigos, que não têm nenhuma reação. É preciso que esses homens, que não praticam violência contra a mulher, também se conscientizem e comecem a se manifestar", ressalta.

Para saber as atividades nos estados e outras informações acerca da Campanha Brasileira do Laço Branco, entre em contato com as organizações do comitê gestor, que estão listadas na página www.lacobranco.org.

Mariana Loiola

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