Autor original: Mariana Abreu
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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Imagine viver em um lugar onde praticamente todo mundo se comunica em uma língua desconhecida. É mais ou menos assim que vivem as pessoas com deficiência auditiva – de certa forma, em um universo à parte. Para ajudá-los a se integrarem à sociedade existe a Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação (Derdic). A preocupação da instituição é que, ao mesmo tempo, construam uma identidade, respeitando e valorizando a surdez como uma diferença e não uma deficiência.
“Muitas vezes as famílias querem que seus filhos ouçam e falem normalmente, que se 'curem', mas a linguagem natural para os surdos é a gestual. Sem ela, acabam tendo pouquíssima comunicação com o mundo, o que traz grandes riscos cognitivos e emocionais”, diz Cecília Santos, diretora administrativa da Derdic.
A instituição, ligada à PUC-SP, é o campo de aplicação prática do curso de fonoaudiologia da universidade. “É uma instituição-escola que forma, pesquisa e atende”, como explica Cecília. Sua definição está de acordo com os principais objetivos da instituição: prestação de serviços à comunidade, formação e aprimoramento de profissionais e pesquisa. Para isso, a Derdic conta com uma escola de educação especial para pessoas com deficiência auditiva – o Instituto Educacional São Paulo (IESP) – e uma clínica que atende também pessoas com problemas de audição, voz e linguagem, em geral.
A porta de entrada para quem procura a Derdic é a clínica, onde os pacientes passam por uma análise multidisciplinar, com médicos, fonoaudiólogos, psicólogos e assistentes sociais. Isto permite um diagnóstico global da dificuldade e facilita o encaminhamento para o tratamento adequado. As famílias de menor renda têm prioridade e pagam o atendimento e a mensalidade escolar de acordo com o que permite o orçamento de cada uma, após entrevista com profissionais de serviço social.
Os pais – que em geral não têm a mesma deficiência dos filhos – também recebem apoio, principalmente psicológico, para orientá-los e ajudá-los a lidarem com o problema da melhor forma possível. Outros programas importantes são os de prevenção de surdez e conservação da audição, atendendo bebês, idosos e empresas em que as atividades ponham em risco a audição dos profissionais.
A instituição também realiza cursos de aprimoramento em pedagogia, fonoaudiologia e psicologia, todos voltados para distúrbios da linguagem. Os cursos, de certa forma, fazem parte do trabalho de pesquisa realizado pela Derdic, o que a transformou em referência em distúrbios da comunicação, no campo clínico e educacional. Os estudos são feitos a partir da prática no dia-a-dia, de onde surgem reflexões que levam à reformulação de conceitos e métodos. Foi assim que a metodologia do Instituto Educacional foi evoluindo ao longo dos anos.
Cristina Cruz, coordenadora do IESP, conta que este ano a entidade passou a priorizar a Libras (língua brasileira de sinais), que tem estrutura totalmente diferente do português. “Até o ano passado, usávamos o português sinalizado e observamos que alguns problemas de aprendizado se deviam à linguagem utilizada e não aos alunos. Percebemos que teríamos resultados muito melhores com a Libras”, diz Cristina. Ela acrescenta que o português é importante, usado principalmente na forma escrita, mas que deve ser aprendido como uma segunda língua.
No IESP, há três níveis de ensino. Na educação infantil, crianças de até seis anos aprendem, junto com a família, a se comunicar pela língua de sinais. “Aqui usamos linguagem oral e gestual ao mesmo tempo, porque os pais escutam e o objetivo maior é aumentar o contato entre eles e seus filhos”, explica a coordenadora. A partir dos sete anos, os alunos entram no ensino fundamental, que oferece também um programa alternativo para jovens ou adultos com defasagem escolar. Segundo Cristina, é comum chegarem ao IESP adolescentes que, mesmo tendo passado por uma escola tradicional, não aprenderam o alfabeto ou noções de par e ímpar, por exemplo.
O terceiro nível de ensino é o profissionalizante, que oferece cursos abertos a alunos de outras escolas. “Nós sondamos no mercado quais são as áreas mais receptivas aos surdos e montamos os cursos”, diz Cristina. Por isso a Derdic decidiu investir em gastronomia e hotelaria. No ano que vem, abre as primeiras turmas, em instalações semelhantes às de hotéis de luxo.
Ainda no campo profissional, com o Programa de Orientação Ocupacional e Escolar (POOE), a Derdic orienta empresas sobre as habilidades das pessoas com deficiência auditiva, cadastra candidatos e capta vagas no mercado de trabalho. Com mais de dois mil inscritos, o programa assessora os processos de seleção e treinamento e o período de experiência do candidato, além de avaliar periodicamente o desempenho dos profissionais contratados.
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