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Redução das desigualdades na berlinda

Autor original: Maria Eduarda Mattar

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Na próxima semana, será lançada a versão brasileira do relatório Social Watch 2003, encabeçado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), que faz a coordenação do Observatório da Cidadania (nome da rede que produz o Social Watch no Brasil). O relatório, realizado por uma rede internacional de organizações não-governamentais, mede o progresso dos países na erradicação da pobreza, das desigualdades de gênero, de raça etc. Para isso, são feitas não apenas análises e estudos por militantes da sociedade civil e especialistas em todos os países participantes, mas também medições do cumprimento dos compromissos assumidos em acordos internacionais, como aqueles acordados nas conferências das Nações Unidas, por exemplo. Fernanda Carvalho, pesquisadora do Ibase envolvida com o lançamento do relatório, conta à Rets como foram definidos os capítulos elaborados para a publicação, relata como o tema geral "Populações pobres x Mercado" foi abordado pelas diferentes coalizões de ONGs nos países e lembra as diferenças da versão brasileira para a versão internacional do documento.

Rets - Quais são os destaques do relatório brasileiro Social Watch deste ano?

Fernanda Carvalho - No panorama brasileiro - há um capítulo do relatório em que estão as análises sobre o Brasil - existem coisas interessantes e novidades. De interessante tem a análise, elaborada pelo [economista] Fernando Cardim, da política macroeconômica brasileira, que comumente tem sido vista como uma continuidade da política do governo anterior. Além de analisar o que tem sido feito, este artigo tem o mérito de apontar alternativas à política que tem sido praticada.

De novidade, temos um texto que analisa a agricultura familiar e, especialmente, o impacto da atividade na vida mulheres. Este artigo relata uma pesquisa que revelou a grande taxa de saída das mulheres do campo, pela falta de perspectivas. Existe um motivo interessante para isso: as mulheres jovens do campo freqüentam mais a escola do que os homens jovens. Assim, são elas que, por terem mais instrução e por vislumbrarem a possibilidade de uma vida diferente, mais saem do campo.

Há também um artigo do [economista e professor universitário] Marcelo Paixão sobre desigualdade racial, que traz muitos dados, especialmente do Rio de Janeiro e de São Paulo, mostrando como é grande a participação da população negra na pobreza. Ele aborda este debate controverso das políticas públicas focalizadas ou universais. Uma coisa interessante que ele demonstra é que, quando se implementam políticas públicas que não levam em consideração a cor, os não negros são mais beneficiados. Um exemplo disso são os programas para a erradicação do trabalho infantil: a queda no número de crianças trabalhando é menor entre os negros e pardos.

Tem também um artigo sobre a política de combate à Aids, falando dos acertos e da participação da sociedade civil neste trabalho. Existe também um texto falando da desigualdade como uma questão política. A partir das teorias de justiça, a autora, Célia Lessa Kerstenetzky, comenta sobre como separa as desigualdades "justas" das "não justas". Por fim, há ainda um artigo da Maria Regina Soares de Lima, do Instituto de Pesquisas Universitárias do Rio de Janeiro (Iuperj), que fala da política externa brasileira, afirmando ser ela a grande revelação do governo Lula. Existem muitos outros artigos que merecem destaque, mas esses já dão uma boa mostra do que está englobado no relatório.

Rets - Um dos parâmetros levados em conta para a elaboração do relatório é o nível de cumprimento dos países em relação aos compromissos internacionais acordados, por exemplo, nas conferências das Nações Unidas, como a da Mulher, em Pequim, em 1995. Assim, qual é a situação do Brasil com relação ao cumprimento destes compromissos?

Fernanda Carvalho - No CD que acompanha o relatório há o Índice de Cumprimento de Compromissos (ICC) medido em 181 países. Esta taxa mede justamente a situação dos países com relação ao cumprimento ou não das metas acordadas. Considerando o total de países, o Brasil não está em uma situação muito ruim - porém, é preciso considerar que há países paupérrimos na mesma medição.

O Brasil avançou bem em algumas áreas também porque o nível de exigência é baixo para um país com as condições do nosso. As metas internacionais são fixadas normalmente de modo que todos os países - inclusive os muito pobres, como os da África subsaariana - possam vir a cumprir. Assim, o nível de exigência para o Brasil acaba não sendo tão grande.

Mas, mesmo assim, há áreas como o saneamento básico, em que o país não avançou quase nada, por exemplo, não alcançando a meta de universalizar os serviços de acesso à água, de esgotamento sanitário etc. Já na área de educação, o Brasil avançou no número de matrículas, especialmente no de meninas matriculadas. É preciso lembrar, no entanto, que Educação envolve não só a quantidade de crianças freqüentando escolas, mas a qualidade do ensino - e isso os números crus não medem.

Porém, de uma maneira geral, o Brasil avançou em quase todos os aspectos.

Rets - Na sua opinião, entre as áreas em que o Brasil não avançou, qual tem as piores conseqüências?

Fernanda Carvalho - A de saneamento ambiental - pois ele é estratégico para a saúde, para o meio ambiente, entre muitos outros aspectos, e o país há anos não investe na área.

Rets - Neste ano, os relatórios nacionais giraram em torno do tema "Populações pobres x Mercado". Qual foi o ponto de intersecção dos textos de cada país?

Fernanda Carvalho - A rede é internacional, formada por organizações da sociedade civil, por coalizões de instituições em cada país (leia no box ao lado as entidades que fazem parte da coalizão brasileira). Estas coalizões se articulam e escrevem o relatório de seus países. Assim, neste ano foram produzidos 51 relatórios.

De uma maneira geral, os textos abordaram as privatizações de serviços públicos - da água, do fornecimento de energia elétrica etc. Foi abordada a inusitada venda de um rio na Índia, a privatização da água na Bolívia etc. O que se pode perceber é que foram estilos diferentes de privatizações, mas com um resultado quase sempre igual: os serviços ficam mais caros, deixando as populações pobres excluídas do fornecimento de serviços. Mesmo em países mais progressistas, como a África do Sul, as privatizações dificultam a vida dos mais pobres. A conclusão, então, é que, na grande maioria das vezes, as privatizações contribuem para o avanço das desigualdades e da pobreza, criando enorme empecilhos para a qualidade de vida das camadas mais empobrecidas das populações.

Rets - Como é o processo de elaboração e pesquisa para a produção do relatório?

Fernanda Carvalho - Nós, as instituições da rede, fazemos reuniões, seminários, avaliações etc. para estudarmos as políticas públicas que estão em andamento no país. Em torno disso constrói-se uma pauta sobre o que será o relatório e define-se como serão os capítulos. Boa parte do trabalho é a tradução do relatório internacional. Para esta edição, as coalizões de organizações em cada país escrevem o texto sobre as suas respectivas nações. Este ano, como já mencionamos, o tema é "Populações pobres x Mercado". O do ano que vem será "Segurança Humana". O relatório internacional é editado em inglês e espanhol. Normalmente, ele é lançado nas Nações Unidas ou no Fórum Social Mundial (FSM), em janeiro. O de 2003, por exemplo, foi lançado em Porto Alegre, no FSM III.

O que nós lançaremos na próxima semana é o relatório brasileiro 2003 - que traz diferenças e novidades: além de não fazermos uma tradução integral do textos da edição internacional (selecionamos os textos a serem traduzidos), produzimos mais 60 páginas, com análises específicas sobre questões brasileiras.

Maria Eduarda Mattar

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