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Saqueados por piratas

Autor original: Marcelo Medeiros

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Foto: Saqueados por piratas


Em novembro deste ano, Dener Giovanini dividiu o prêmio Unep - Sasakawa 2003, oferecido anualmente pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e considerado por muitos o "Nobel" do ambientalismo, com o chinês Xie Zhenhua. Antes de Giovanini, apenas um brasileiro havia sido homenageado com a premiação: o sindicalista Chico Mendes. A honra concedida a Giovanini se deve a anos de trabalho na Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), organização fundada por ele em 1999. Apesar de todo o seu trabalho, nesta entrevista ele se diz surpreso com a premiação e feliz com a chance de dar mais visibilidade à causa. "Não é todo dia que temos a oportunidade de sentar ao lado do secretário-geral da ONU para jantar", diz.

O tráfico de animais é a terceira atividade ilegal que mais movimenta dinheiro no mundo - atrás apenas dos comércios não autorizados de armas e de drogas. A Renctas estima que só no Brasil a compra e venda de espécies como o mico-leão-dourado envolva US$ 1,5 bilhão. Apesar deste tamanho, Giovanini afirma que faltam notícias sobre o assunto e ações mais efetivas do governo federal para evitar esse crime, que - revela ele - é muito mais organizado do que se imagina. "Na ponta final estão as quadrilhas organizadas, que movimentam milhões de dólares e que possuem esquemas muito bem elaborados para retirar animais do país", afirma.

Para ele, o envolvimento da população no combate ao tráfico de animais é fundamental para a preservação dessas espécies, pois boa parte do comércio é feita dentro do país. O restante vai para fora, assim como faziam os piratas que saqueavam o país em seus tempos de colônia - como bem lembra Giovanini.

Rets - O senhor recebeu em novembro o prêmio Unep - Sasakawa, considerado por muitos o "Nobel" do ambientalismo. Como recebeu a premiação? Ela foi uma surpresa?

Dener Giovanini - Sim, foi uma surpresa. Esse prêmio não aceita auto-indicações. Eu fui indicado pela Ashoka Empreendedores Sociais, uma organização que atua em vários paises, inclusive no Brasil, apoiando pessoas que têm idéias inovadoras. O nosso país não tem muita tradição em relação a prêmios e condecorações, mas no exterior uma distinção como essa causa uma grande comoção. Não é todo dia que temos a oportunidade de sentar ao lado do secretário-geral da ONU para jantar.

Rets - A premiação pode ajudar a chamar atenção para o problema do comércio ilegal de animais silvestres no Brasil?

Dener Giovanini - Com certeza. A repercussão que o prêmio está tendo é enorme. Eu já recebi inúmeros convites para dar palestras no exterior. Também temos sido procurados por organizações ambientais e agentes governamentais de vários países. Todos querem trocar informações e conhecer mais sobre o trabalho que fazemos aqui no Brasil. Essas são oportunidades únicas na vida de qualquer organização.

Rets - Entre as atividades ilegais, o comércio ilícito de animais silvestres só é superado em movimentação financeira pelo tráfico de armas e o de drogas. O Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre, que a Renctas divulgou em 2001, estimou que, só no Brasil, ele movimente US$ 1,5 bi por ano. No mundo, os números pulam para pelo menos US$ 10 bilhões. Apesar desse tamanho, pouco se fala dele, ainda mais se compararmos com o espaço dedicado às outras atividades citadas. A que o senhor credita essa falta de atenção?

Dener Giovanini - Hoje o tema tráfico de animais é muito mais popular do que se imagina. Graças ao apoio que sempre recebemos da imprensa brasileira conseguimos colocar o assunto em pauta. É claro que ainda não estamos vivendo uma situação ideal, mas com certeza é muito melhor do que há poucos anos atrás. Considero como uma grande vitória da Renctas ter tirado a discussão sobre o comércio ilegal da vida silvestre da área acadêmia e dos centros de pesquisas e levado para as ruas. O tráfico de animais silvestres hoje é um tema obrigatório em encontros ambientais, trabalhos estudantis e até do discurso de muitos políticos que antes o ignoravam.

Rets - Agora falando diretamente sobre o comércio de animais, qual o grau de organização dessa atividade? Como ela está estruturada?

Dener Giovanini - Uma das conclusões a que a recente CPI sobre o tráfico de animais chegou foi que essa atividade é muito maior e muito mais organizada do que se imagina. Não é incomum encontrarmos uma ligação forte com outras atividades ilegais, como o tráfico de drogas ou de armas. No início da cadeia do tráfico estão os apanhadores, geralmente pessoas muito pobres e que às vezes não têm outra opção a não ser vender a natureza. Na ponta final estão as quadrilhas organizadas, que movimentam milhões de dólares e que possuem esquemas muito bem elaborados para retirar animais do país.

Rets - Quais as principais origens e os principais destinos dos animais?

Dener Giovanini - As principais regiões que fornecem animais silvestres para o comércio ilegal são a norte, o nordeste e o centro-oeste do país. Uma parte dos animais que são retirados da natureza ficam aqui mesmo no Brasil para abastecer o comércio interno. Outra parte vai abastecer o mercado internacional. Muitas das nossas espécies hoje são comercializadas ilegalmente na Europa, na Ásia e nos EUA. Precisamos conscientizar a comunidade internacional sobre isso. Eles também são responsáveis pela degradação da nossa biodiversidade, uma vez que são uma demanda constante.

Rets - Que tipo de destino é mais danoso à conservação da biodiversidade (colecionadores particulares, pet shops, laboratórios)?

Dener Giovanini - Sem dúvida o comércio ilegal destinado aos colecionadores particulares é o mais danoso. A razão é simples: os colecionadores querem os animais mais raros, os mais ameaçados de extinção. E quanto mais raro, maior será o valor que o animal alcançará no mercado. Temos populações silvestres no Brasil cuja perda de poucos exemplares representa um impacto negativo muito forte em sua sobrevivência.

Rets - Além da óbvia perda de animais de seu habitat natural, o que mais se perde com o comércio de animais?

Dener Giovanini - O tráfico de animais é uma atividade muito complexa. Envolve desde a questão da saúde pública, com a disseminação de doenças, até uma afronta à nossa soberania, já que o nosso país acaba vivendo uma situação típica do período colonial, quando era saqueado por piratas.

Rets - O que falta ao Brasil para conter esse tipo de atividade? Integrar as forças policiais nacionais com as estrangeiras seria uma boa solução?

Dener Giovanini - Sim, esse é um dos objetivos que buscamos. Mas falta, acima de tudo, uma política ambiental eficiente. O governo federal precisa mostrar serviço e apresentar um plano concreto para combater essa atividade criminosa. São necessários investimentos nos órgãos de fiscalização ambiental, além de uma reestruturação em nossa legislação ambiental, que muitas vezes são conflitantes.

Rets - Como a população pode colaborar para o fim do tráfico de animais?

Dener Giovanini - O papel da sociedade é fundamental. Primeiro é preciso não comprar animais silvestres de origem ilegal; segundo, a população pode colaborar denunciando esse crime. Cabe a nós, brasileiros, a responsabilidade de deixar para as futuras gerações um país mais digno e habitável.


Marcelo Medeiros

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