Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Desde o dia 3 de novembro, uma Instrução Normativa do Instituto Brasileiro de Meioa Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) - a de número 9 - dá novo impulso à transformação de infrações ambientais em ações de preservação, ao regulamentar a conversão das multas administrativas em ações de preservação e reparação. Em termos práticos, empresas e pessoas que tenham cometido alguma infração têm a possibilidade de, ao invés de pagarem a multa em dinheiro, investirem o valor devido em, por exemplo, projetos de ONGs da área ambiental.
O que, à primeira vista, pode parecer uma boa oportunidade para organizações da sociedade civil e também para empresas - com uma solução em que, teoricamente, todos ganhariam - merece, segundo ambientalistas, atenção e cuidado. O motivo: as empresas não devem, porque possuem esta possibilidade, descuidar das medidas de segurança e de produção limpa. Além disso, não devem, uma vez tendo convertido sua(s) multa(s) em ações de preservação ou reparação, divulgar tais ações como iniciativa de responsabilidade social da companhia. Em outras palavras, as empresas não podem nem devem relaxar no cuidado ambiental com a produção e tampouco fazer propaganda quando tiverem a conversão de suas multas em ações de preservação.
Para entender direito como funciona este mecanismo, é importante compreender a legislação sobre o assunto e o tipo de penas que podem ser aplicadas. Conforme explica André Lima, da área de Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), quando uma companhia comete algum dano ambiental, "o fato é gerador de três níveis de responsabilidade: a civil, a criminal e a administrativa". Civilmente, a empresa tem que reparar o dano cometido. Por exemplo, se tiver poluído um rio, tem que limpá-lo.
A responsabilidade criminal ocorre quando a infração configura também um crime. André Lima usa o exemplo de infração de trânsito para esclarecer a diferença: "se a pessoa estiver dirigindo sem carteira de habilitação, ela pode não cometer algum ato criminal (como causar a morte de alguém), mas está cometendo uma infração", diz. Assim, quando a infração ambiental também é um crime, a empresa normalmente recebe uma sanção penal, que pode, entre outras coisas, ser uma multa financeira. "Esta multa, em função da responsabilidade criminal, também pode, de acordo com a decisão do juiz que cuida do caso, ser convertida em ação de preservação. Porém, isto acontece de acordo com a decisão, como falei, dos juízes, não é algo que tenha uma regulamentação".
Ao contrário, portando, da multa administrativa - objeto da regulamentação da Instrução Normativa nº 9. Recuperando o exemplo da carteira de habilitação, a multa administrativa ocorreria pelo simples fato de a pessoa estar cometendo uma infração, ao descumprir o Código Nacional de Trânsito. Por não portar habilitação, seria multada. O mesmo se aplica a uma infração ambiental, quando a companhia desrespeita as normas sobre o assunto.
Esta conversão da multa administrativa já era prevista na Lei de Crimes Ambientais, de 1998 (lei nº 9605), no Capítulo VI, que considera "infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente". No artigo 72 da mesma norma está a previsão de que "a multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente". Esta penalidade pode ser de até R$ 50 milhões.
O que a recém-publicada instrução normativa faz é, assim, estabelecer as regras para que esta conversão ocorra. Pelas novas diretrizes, as pessoas físicas ou jurídicas que receberem autuação pela infração cometida é que devem requerer a conversão da multa, em um prazo de cinco dias. Os requerentes devem apresentar um projeto com o cronograma das ações, que passará por análise de uma câmara técnica. Projetos que envolvam multas superiores a R$ 50 mil dependerão também da chancela do presidente do Ibama.
Propaganda anti-ética
Para Rômulo Mello, diretor de Fauna e Pesca do Ibama, a novidade deve com certeza estimular o aumento nos pedidos de conversão. "Antes, é preciso que empresas e pessoas condenadas conheçam a legislação, pois são eles próprios que devem requerer a conversão". O receio de ambientalistas, no entanto, é mais que essa possibilidade seja usada como moeda de marketing de responsabilidade social das empresas do que de haver um relaxamento nos procedimentos de controle e segurança nas instituições. "Relaxar e permitir que mais infrações aconteçam é pouco provável, pois de qualquer maneira as companhias terão que desembolsar uma certa quantia", pondera Raul da Silva Teles, advogado do ISA.
Rômulo Mello também não acredita que as empresas venham a se descuidar, mas admite que esta é uma possibilidade. Porém, sobre a alternativa de empresas tentarem usar positivamente o fato de estarem investindo em projetos ambientais - mesmo que este investimento seja decorrente de uma penalidade - ele afirma que "a lei não foi feita para beneficiar o infrator". No entanto, não existe na lei ou na instrução normativa algo que indique qual deve ser o procedimento da empresa nestes casos.
Para a advogada Elci Camargo, da Fundação SOS Mata Atlântica, o possível aproveitamento, por parte das companhias, do fato de estarem investindo em algum projeto de cunho ambiental para fazerem propaganda de responsabilidade social é uma questão de (falta de) ética. "Não acredito que o espírito da instrução [normativa] seja esse, permitir este tipo de propaganda. É beneficiar os projetos que podem receber o investimento", diz.
A organização em que ela trabalha já foi beneficiada duas vezes por conversão de multa ambiental. A primeira aconteceu por volta do ano 2000, quando a SOS Mata Atlântica recebeu benefícios de uma penalidade executada em função da morte de um animal em uma filmagem. "Foi a primeira vez que uma multa ambiental foi aplicada por este motivo", recorda a advogada. A segunda foi mais recente e teve um resultado que causa orgulho à instituição: a multa penal sofrida por um loteamento irregular foi revertida para a ONG que, com os recursos, produziu em meados de 2003 um manual de denúncias ambientais, com 40 mil exemplares. "Esta experiência foi fantástica, pois estava incorporada a um projeto. Sou contra o dinheiro ser simplesmente doado às organizações. Têm que servir à comunidade, não só à própria ONG", diz Elci.
A advogada lembra que neste manual em nenhum momento foi citado o nome da pessoa - jurídica ou física - cuja multa possibilitou a edição da publicação. "Assim não fizemos propaganda. Se a citação do nome tivesse sido exigida, não teríamos feito. Acho que é assim que as organizações da sociedade civil devem proceder. Não pode constar o nome de quem cometeu o ato que gerou a multa", afirma. Elci propõe assim uma forma simples de evitar que algo negativo - uma infração ambiental - acabe gerando resultados positivos para os infratores.
"As empresas podem tentar fazer 'duas coisas em uma'. Ao mesmo tempo em que estariam reparando o dano - um dever - fariam autopromoção de supostas ações de responsabilidade social. Mas, se a companhia está investindo em função de uma infração cometida, isso não deve em hipótese alguma ser usado como propaganda positiva", enfatiza Lima, do ISA.
Assim, o consenso parece ser a saída pelo bom senso: a conversão da multa administrativa é, sim, interessante para as organizações da sociedade civil, mas deve ser feita com cuidado e de uma forma que beneficie a sociedade e não gere propaganda positiva para empresas - o que seria uma subversão da situação, em que o vilão passaria a mocinho. "Temos que ficar atentos e nos preocupar com o equilíbrio da aplicação deste tipo de instrumento", conclui André Lima.
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