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Dois pesos na balança

Autor original: Maria Eduarda Mattar

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Foto: Dois pesos na balança
Luis Felipe Florez (montagem)

Quando terminou a 5ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), realizada de 10 a 14 de setembro, em Cancún, México, a frustração geral com o resultado do evento teve uma expressão maior: a resolução aprovada ao final do encontro, pedindo ao diretor geral da OMC, Dr. Supachai Panitchpakdi, a convocação de uma reunião do Conselho Geral até o dia 15 de dezembro, para resolver pontos não esgotados no evento na cidade mexicana. Tal reunião já foi marcada e vai acontecer, no dia 15 deste mês, em Genebra. O encontro é fechado, só podendo participar as delegações dos países na OMC, ou seja, os membros das representações dos países que trabalham na sede da instituição, localizada naquela cidade suíça. No entanto, as organizações não-governamentais e os movimentos sociais que acompanham as questões de comércio internacional – e as formas de torná-lo mais justo – estão alertas. Alguns estarão presentes em Genebra, para tentar articular com as delegações de seus países posicionamentos e tópicos a serem manifestados.

Adriano Campolina, diretor de Políticas da ActionAid Brasil (organização membro da Rebrip - Rede Brasileira pela Integração dos Povos) já está lá e conta, nesta entrevista exclusiva à Rets, qual a importância desta reunião, que pontos interessam mais ao Brasil e como as negociações no âmbito da OMC ganharam mais peso com o desenrolar das conversas preparatórias para a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). “De alguma maneira, isso [o rumo das negociações da Alca] amplia a importância das negociações da OMC. A estratégia do Brasil em relação à Alca, aparentemente, é remeter para a OMC uma série de temas, o que vai tornar as negociações mais complexas”.

Rets - Qual o propósito dessa reunião em Genebra, no próximo dia 15? Quais as possibilidades de participação da sociedade civil?

Adriano Campolina - Será uma reunião ordinária do Conselho Geral, mas com um caráter especial, por ser a primeira reunião formal após o fracasso da última reunião interministerial. Estarão representados todos os países membros da Organização Mundial do Comércio e espera-se que os países venham dizer se vão retomar as negociações após o fracasso de Cancún. Mas já estão ocorrendo várias consultas bilaterais antes mesmo desse encontro. O G-20, por exemplo, estará reunido aqui em Brasília (DF), no dia 12 [a entrevista foi realizada no dia 5 de dezembro].

Rets - Já é um processo preparatório?

Adriano Campolina - É um processo preparatório, mas não para o encontro de Genebra e, sim, para o procedimento que vai ser tomado pós-Cancún. Há muito ceticismo sobre a perspectiva de um acordo para a retomada das negociações. Essa reunião de Genebra será fechada, as organizações da sociedade civil não terão acesso. Eu estarei lá representando uma ONG, tentando me informar sobre o que estará acontecendo, fazendo contatos com as pessoas e levando a posição da ActionAid, que é pelo multilateralismo.

Rets - As negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) têm se desenrolado de tal modo que muitas das decisões importantes provavelmente ficarão para a OMC, não é verdade?

Adriano Campolina - De alguma maneira, isso amplia a importância das negociações da OMC. A estratégia do Brasil em relação à Alca, aparentemente, é remeter para a OMC uma série de temas, o que vai tornar as negociações mais complexas. A proposta de acordo de investimentos que a União Européia vinha apresentando, por exemplo, só defende os interesses das multinacionais, reduzindo o espaço e a capacidade dos governos locais de regular seus interesses internos e comprometendo suas políticas industriais. O tema agrícola também continua fundamental. As discussões foram interrompidas em Cancún com um rascunho de declaração desfavorável aos países em desenvolvimento. A agricultura, portanto, continua a ser um dos grandes temas em debate.

Rets - Nesse contexto, qual o posicionamento que o governo brasileiro deve ter?

Adriano Campolina - O governo brasileiro vem insistindo na importância da retomada das negociações. É óbvio que o processo da Alca, na medida em que houve um recuo dos Estados Unidos na reunião de Miami, leva a um cenário incerto. A recente decisão do governo norte-americano de reduzir as tarifas do aço também torna importante a discussão na OMC. Mas é um cenário que ainda deve sofrer transformações. Vamos ter eleições presidenciais nos Estados Unidos, no próximo ano, e mudança na Comissão Européia. É um problema, enfim, que se encontre uma base mínima suficiente para a retomada de negociações significativas, e isso não aconteceu ainda.

Rets - Há, por parte de algumas organizações da sociedade civil, o pensamento de que uma “Alca light” não resolveria o problema e que, ao concordar com essa proposta, o governo brasileiro estaria enfraquecendo a sua posição. Afinal, a “Alca light” é boa para quem?

Adriano Campolina - A minha posição é que a Alca – “light” ou “heavy” – é ruim. O pressuposto da Alca é o interesse comercial. E isso não é solução para os problemas de desenvolvimento quando se considera a assimetria entre os diferentes países. A “Alca light” é uma maneira de evitar a Alca mais abrangente, mas os resultados da reunião de Miami transferiram a decisão para a reunião do Conselho de Negociações Comerciais, em fevereiro, em Puebla, no México, quando então os países vão começar a negociar os pontos comuns. Ainda se mantém o risco de uma Alca abrangente e a nossa maior preocupação é com os acordos bilaterais, ou seja: um grupo de nações em desenvolvimentos negociando diretamente com os Estados Unidos. Isso abre as portas para a “lei da selva”.

Rets - O movimento de resistência à Alca, no Brasil, tem insistido na realização de um plebiscito. No entanto, a Alca, a essa altura, parece inevitável e o plebiscito, improvável. O senhor acredita que essa estratégia ainda poderá dar resultados?

Adriano Campolina - Acho que é uma estratégia correta, sim, considerando o nível de impacto que a Alca tem sobre a população. Por princípio, é correto que os cidadãos exponham sua opinião sobre um tema dessa importância, por isso queremos o plebiscito. Não acho que esse processo seja irreversível. Miami não definiu um cenário, as divergências fundamentais permanecem na mesa. O arranjo que foi feito não resolve essas divergências e há espaço ainda para uma mudança substancial nesse processo.

Rets - Qual deve ser a postura da sociedade civil neste momento?

Adriano Campolina - Investir no posicionamento contra a Alca e buscar de todas as maneiras impedi-la. Há muito espaço para lutar e estamos convencidos de que é possível buscar isso. A divergência entre os países ainda não foi resolvida e há espaço para avançar muito.

Fausto Rêgo

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