Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Artigos de opinião
Miriam Prochnow*
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Para falar da importância da aprovação do Projeto de Lei (PL) 3.285/92, aprovado no dia 3 de dezembro de 2003 por unanimidade pela Câmara dos Deputados, é necessário retornar no tempo. Essa luta começou na década de 1980, durante a constituinte e desde então teve grande participação e influência das ONGs ambientalistas que atuam em defesa da Mata Atlântica. A Constituição Federal de 1988 considerou a Mata Atlântica, assim como outros importantes conjuntos de ecossistemas brasileiros, patrimônio nacional, como mostra o artigo 225 - “A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”.
Os constituintes concederam o status de Patrimônio Nacional, mas não definiram os exatos limites e nem a forma de uso que poderia ser feita deste patrimônio, tornando-se necessário que os limites e a forma de uso fossem estabelecidos por regulamentação infraconstitucional.
A primeira regulamentação veio através do Decreto n° 99.547, de 25 de setembro de 1990, que simplesmente proibiu o corte e supressão da vegetação nativa na Mata Atlântica. Esse Decreto, excessivamente restritivo, gerou críticas, pois nem mesmo obras ou atividades de utilidade pública, que necessitassem de desmatamento para sua implantação, podiam ser autorizadas.
Outra questão pendente de definição eram os limites do Bioma Mata Atlântica. A primeira iniciativa para buscar uma definição científica consensual para a Mata Atlântica ocorreu em 1990, quando a Fundação SOS Mata Atlântica reuniu os mais importantes pesquisadores especializados neste complexo vegetacional durante um seminário de quatro dias. Estes pesquisadores, com base em critérios botânicos e fitofisionômicos, cruzados com considerações de natureza geológica e geográfica e, considerando ainda, as questões relativas à conservação ambiental, chegaram a uma definição ampla que englobava a floresta litorânea, as matas de araucária, as florestas deciduais e semideciduais interioranas e ecossistemas associados como restingas, manguezais, florestas costeiras, campos de altitude e encraves de campos, brejos de altitude e cerrados.
Este conceito amplo do Domínio da Mata Atlântica foi discutido e aprovado em 1992, pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), mais alto conselho técnico de meio ambiente do Brasil, sendo posteriormente incorporado no texto do Decreto 750 de 10 de Fevereiro de 1993, que veio substituir o Decreto 99.547, passando a regular a matéria a nível legal.
A história da tramitação do PL da Mata Atlântica se confunde com a própria história da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA). O PL 3.285, de autoria do então Deputado Fabio Feldmann, deu entrada na Câmara dos Deputados em 1992 e a RMA também foi criada em junho daquele ano, durante a ECO-Rio 92, congregando atualmente mais de 250 ONGs ambientalistas, socioambientais e de pesquisa que atuam na defesa, conservação e recuperação do Bioma.
A RMA acompanhou a tramitação do PL desde o início como uma de suas principais bandeiras, atuando como interlocutora oficial das ONGs nas negociações com a Câmara dos Deputados e com o Ministério do Meio Ambiente. A Rede também teve papel decisivo na assinatura e defesa do Decreto 750/93 e de toda a sua regulamentação feita pelo Conama para os 17 estados inseridos no Bioma, as quais foram convalidadas pelo texto aprovado na Câmara dos Deputados.
Diante deste contexto histórico, a RMA considera que o texto negociado e aprovado por unanimidade pelos deputados consolida os avanços contidos no Decreto 750, como o conceito de domínio amplo do Bioma Mata Atlântica que inclui as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): Floresta Ombrófila Densa, Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias, Floresta Ombrófila Aberta, Floresta Estacional Semidecidual e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste.
O texto também avança em deixar mais claro o que pode e o que não pode ser feito em termos de utilização, conservação e proteção dos remanescentes de vegetação nativa, definindo os critérios para uso e proteção da vegetação primária e nos estágios avançado, médio e inicial de regeneração do Bioma Mata Atlântica, para áreas rurais e urbanas.
Para a RMA a aprovação do PL reveste-se da maior importância, pois o texto adota uma visão moderna de conservação, oferecendo também alternativas de desenvolvimento sustentável e incentivos à proteção e recuperação da Mata Atlântica, além de estabelecer um marco legal definitivo possibilitando diminuir o ritmo de destruição da vegetação nativa. Cabe lembrar que no período de tramitação do PL na Câmara dos Deputados, estima-se que a Mata Atlântica tenha sido subtraída em 1 milhão de hectares, em ritmo correspondente a um campo de futebol a cada cinco minutos.
Importante observar que PL aprovado regula apenas a utilização e proteção dos remanescentes de vegetação nativa no estágio primário e nos estágios secundário inicial, médio e avançado de regeneração, não incidindo sobre as áreas já antropizadas, atualmente ocupadas por plantações agrícolas ou florestais, pastagens, edificações ou obras de infraestrutura urbana ou rural.
É também importante ressaltar que aproximadamente 120 milhões de pessoas vivem na área de domínio do Bioma Mata Atlântica. A qualidade de vida deste contingente populacional depende da preservação dos remanescentes, os quais mantêm nascentes e fontes, regulando o fluxo dos mananciais d’água que abastecem as cidades e comunidades do interior, ajudam a regular o clima, a temperatura, a umidade, as chuvas, asseguram a fertilidade do solo e protegem escarpas de serras e encostas de morros. Sua proteção também é a maior garantia para a estabilidade física dessas áreas, evitando assim as grandes catástrofes que já ocorreram onde a floresta foi suprimida, com conseqüências econômicas e sociais extremamente graves. Esta região abriga ainda belíssimas paisagens, verdadeiros paraísos tropicais, cuja proteção é essencial ao desenvolvimento do ecoturismo.
É de conhecimento público que em diversos centros urbanos, especialmente nos maiores, já há carência de água, tanto em quantidade, quanto em qualidade. Neste sentido, é importante frisar que a conservação dos remanescentes florestais da Mata Atlântica, bem como a recuperação de áreas degradadas, são vitais para garantir a qualidade de vida daquelas populações no presente e no futuro.
A RMA considera que a maior vitória foi o consenso amplo obtido, que só foi conquistado através de negociações que tiveram o apoio do Presidente da República, do Presidente da Câmara dos Deputados e envolveram todos os partidos representados na Câmara, juntamente com os Ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura, do Planejamento, da Fazenda, da Casa Civil, além de representantes dos setores agrícola, industrial, de mineração, setores urbanistas, organizações ambientalistas e socioambientais, cientistas e pequenos produtores rurais, possibilitando a aprovação por unanimidade. Ou seja, o texto aprovado, não é de um setor ou outro, é de toda a sociedade, é dos 120 milhões de brasileiros que vivem no domínio do Bioma Mata Atlântica. Isto é o grande diferencial que irá permitir a implementação e aplicação da lei de forma pactuada e com o apoio de todos estes setores da sociedade.
Para a RMA é importante que a aprovação do Projeto de Lei 3.285 pelo Senado Federal e seu posterior sanção pelo Presidente da República, ocorram logo, para que seja consolidado este instrumento legal fundamental para a proteção e a utilização responsável da Mata Atlântica, permitindo também que se promova a cidadania através da educação ambiental e se estabeleçam parcerias entre os setores governamentais e não-governamentais visando a criar e implantar novas políticas públicas para a proteção e recuperação da vegetação nativa do Bioma.
*Miriam Prochnow é ecologista e coordenadora geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica.
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