Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Novidades do Terceiro Setor
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Segundo a definição do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), reservas extrativistas são espaços “destinados à exploração auto-sustentável e conservação dos recursos naturais renováveis, por populações tradicionais. Em tais áreas é possível materializar o desenvolvimento sustentável, equilibrando interesses ecológicos de conservação ambiental com interesses sociais de melhoria de vida das populações que ali habitam”. Só existem dois tipos de reserva extrativistas: amazônicas e marinhas. As reservas desejadas pelas organizações assinates do termo totalizariam 1,6 milhões de hectares na margem esquerda do Rio Xingu, no sudoeste do Pará.
Os objetivos da cooperação são apoiar a realização de levantamentos necessários para criar essas unidades de conservação e realizar ações conjuntas de apoio à população das áreas. O Greenpeace se propõe a dar suporte ao Conselho Nacional dos Seringueiros e a passar os conhecimentos de produção de informação e comunicação, além de recursos financeiros. Porém, há outras relações envolvidas. “São dois os pontos principais”, diz Joaquim Belo, presidente do CNS. “O primeiro é a ajuda mútua. O Greenpeace sabe chamar atenção para os problemas, enquanto nós lidamos com a organização de comunidades. O outro é a articulação internacional que agora teremos chance de montar. Precisamos de muito apoio para atingir nosso objetivo”.
A luta pela criação da reserva Verde para Sempre remonta a 1999, quando trabalhadores rurais de Porto de Moz começaram a se reunir para pensar na criação de uma área protegida da ação de madeireiras, muito presentes por lá. Os encontros deram origem ao Comitê de Desenvolvimento Sustentável da cidade. Em abril de 2000, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porto de Moz enviou carta pedindo uma resex na região ao Ibama, ao Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) e à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Pará (Sectam) - órgãos responsáveis pelos estudos necessários à criação da reserva. Ela ocuparia 1,3 milhão de hectares e, de acordo com o Greenpeace, beneficiaria 15 mil pessoas de 60 comunidades.
Dos documentos necessários para a aprovação da reserva, ainda faltam os relatórios biológicos e socioeconômicos, de responsabilidade do Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais (CNPT), órgão do Ibama. Em seguida o pedido será analisado pelo Ministério do Meio Ambiente e depois pela Casa Civil, que o encaminha para a sanção presidencial.
A idéia da reserva Renascer é mais recente - data deste ano. Ela teria pouco menos de 400 mil hectares, onde moram aproximademente 4 mil pessoas. Nesse caso, ainda falta iniciar todo o processo, apesar de uma carta também já ter sido enviada pelos moradores de Prainha.
Tanto nas áreas da Renascer quanto da Verde para Sempre, as comunidades exploram cipós, criam búfalo e pescam, além de explorar madeira, na maioria dos casos ilegalmemte. Uma vantagem da implementação das unidades de conservação seria a legalização e certificação desse comércio.
Violência
Criar as áreas de conservação não será tarefa fácil, pois elas ficam em uma região bastante marcada por conflitos causados por disputa de terras e recursos naturais. No local, há uma grande quantidade de madeiras de valor médio, como Ipê e Jatobá, mas bastante procuradas para exportação. As disputas fazem com que o Pará seja a unidade da federação com mais mortes derivadas de conflitos por causa de posse de terras, de acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra. Só de janeiro a setembro deste ano, 22 pessoas foram assassinadas no estado por questões ligadas à terra.
Já houve diversas manifestações favoráveis e contrárias às reservas, algumas violentas. No início de 2002, o então presidente Fernando Henrique Cardoso mandou suspender os estudos necessários para sua implementação depois de protestos do governo local. O veto foi comemorado por madeireiros e pelo governador do estado na época, Almir Gabriel, que alegavam que a reserva impediria o desenvolvimento econômico da região. A medida foi apoiada por órgãos paraenses como a Sectam e o Instituto de Terras do Pará, que na época disseram não ter havido discussões suficientes com os envolvidos.
Recentemente, após pressão de organizações ambientalistas e locais, a fiscalização se intensificou e com ela vieram reações –algumas também violentas. Em 20 de novembro deste ano, madeireiros mantiveram agentes do Ibama como reféns em Medicilândia, município ao sul de Porto de Moz e Prainha. A atitude foi uma reação à operação feita pelo órgão federal contra a exploração ilegal de madeira no entorno e no interior da área reivindicada para a criação da reserva, o que teria paralisado a atividade. De acordo com o Greenpeace, o Pará representa 40% do comércio de madeira do país, mas, desse volume, segundo o Ibama, 80% é ilegal. O órgão federal calcula que deixem de ser pagos R$ 45 milhões em impostos por ano devido a fraudes. A quantia equivale à extração não autorizada de três milhões de árvores paraenses.
Três dias depois do incidente de 20 de novembro, líderes comunitários e representantes do Greenpeace foram ameaçados de morte por madeireiros após participarem de uma manifestação em favor da reserva. No mesmo dia, o secretário de turismo de Porto de Moz, Valdomiro Maia, usou uma tática típica dos ambientalistas para protestar contra a “Verde para Sempre”: amarrou-se entre o barco Artic Sunrise, do Greenpeace, e um outro menor. Vale lembrar que o prefeito da cidade, Gerson Campos, declarou-se contrário à área de conservação. Ele é sócio da serraria Cariny, que atua na região, e proprietário de 100 mil hectares de terras no município.
Soluções
Apesar das reações, o coordenador de campanhas na Amazônia do Greenpeace, Nilo Dávila, afirma que a intensificação da campanha pela criação das reservas não agravará o quadro atual de tensão. “Não há nada pior para os problemas do que a impunidade e a falta de visibilidade. É preciso fazer com que a lei chegue a ela e isso pode ser feito chamando atenção para o problema. Afinal, quem já tinha ouvido falar de Porto de Moz ou Prainha no Pará?”. Joaquim, do CNS, compartilha a opinião: “a campanha vai melhorar a violência, pois causa efeito na opinião pública e no governo, que passará a agir. A pressão nacional e internacional é fundamental”.
Conseguir a desejada sanção presidencial, contudo, não é suficiente. “Uma reserva possui três momentos”, diz Joaquim Belo: “organização comunitária, criação e consolidação”. Segundo o líder dos seringueiros, o envolvimento da população é essencial para a última etapa. “Os moradores precisam mostrar que podem ganhar dinheiro com o extrativismo respeitando a natureza, apesar de todas as dificuldades”. Os recursos para implementar projetos que almejam a auto-sustentabilidade podem vir de várias fontes, desde apoio internacional até políticas públicas de financiamento como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). “São verbas que ajudam muito, mas a carência continua grande. Não podemos pensar em desenvolver a reserva se ainda há gente nela que nem certidão de nascimento tem. Precisamos de mais ação do governo. Só espero que ela não demore tanto”, conclui Joaquim.
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