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"Conseguimos reavivar a utopia"

Autor original: Maria Eduarda Mattar

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Humanos por direito


A quarta edição do Fórum Social Mundial (FSM) poderia ser um risco: acontecerá em um local diferente, em um continente – a Ásia – cujas organizações não vinham participando intensamente do processo e a fórmula poderia estar se esgotando. Mas, a julgar pela adesão que o FSM 2004 vem recebendo – seja pela quantidade do número de inscritos, pelo volume de oficinas apresentadas, além da qualidade dos temas e mesas que estão sendo programados –, este quarto FSM (que acontece de 16 a 21 de janeiro de 2004) tem tudo para expandir ainda mais o processo de "reavivar a utopia", como defende, nesta entrevista, Francisco Whitaker, membro da Comissão de Justiça e Paz e do Comitê Internacional do FSM. Ele se diz impressionado com a competência demonstrada pela comitê organizador indiano, revela algumas das atividades interessantes do evento e comenta como podem participar as organizações brasileiras impossibilitadas de comparecer à Índia. "As instituições têm que ficar conectadas, atentas e ir trazendo as discussões do FSM para dentro delas mesmas, já pensando no evento de 2005", diz.

Rets - O senhor acha que este Fórum alcançará a mesma adesão dos eventos de Porto Alegre?

Francisco Whitaker - Com relação à quantidade de pessoas, é uma incógnita. O que percebemos é que está tendo uma atração muito grande de gente, principalmente da Ásia. Vejo acontecer um pouco do que aconteceu no primeiro Fórum Social Mundial, quando, na medida em que ia chegando perto do seu início, cada vez mais pessoas se interessavam e se inscreviam para participar. Vejo cada vez mais gente dizendo que vai. Um exemplo disso é que o número de oficinas é muito maior do que a previsão e, por isso, elas não caberão no espaço previsto. Se não me engano, teriam espaço para cerca de 800 oficinas e já foram inscritas 1.200, ou algo assim. Ou seja, vai ter que haver uma combinação, uma composição para que todas possam ser apresentadas.

Rets - Porém, do ponto de vista do processo, da adesão e do sentimento de renovação e perspectivas que o Fórum costuma oferecer e causar, o senhor acha que na Índia isso poderá se reproduzir?

Francisco Whitaker - Temos visto, entre os participantes indianos, muita mobilização. Há lá o movimento dos intocáveis, como também são conhecidos os Dalits [grupo de pessoas consideradas subumanas, indignas de pertencerem a uma casta – leia mais sobre eles no box ao lado], que estão organizando quatro marchas, vindas de todo o país, para chegarem a Mumbai durante o Fórum. Além disso, há outra movimentação muito interessante promovida por organizações que fazem luta armada, nas Filipinas, na Índia etc., e elas estão promovendo um fórum paralelo, chamado Mumbai Resistence. Eles não acreditam que o FSM seja tão revolucionário como eles acham que deveria ser, por isso fazem esse fórum paralelo. Eles escreveram um documento dizendo o que é o Mumbai Resistence. Esse texto – que faz uma análise muito interessante da perspectiva do que é o FSM – vai estar no sítio brasileiro do Fórum Social Mundial.

Assim, nitidamente, vejo o Fórum Social Mundial da Índia tendo a mesma adesão enquanto processo. Vai haver uma presença da Ásia muito mais forte e, por isso, serão agregadas novas formas sociais nacionais.

Rets - Na sua opinião, o que há de mais importante na agenda de discussões?

Francisco Whitaker - Confesso que ainda não li a fundo a programação, mas o que posso afirmar é que o Fórum vai retomar os temas gerais normalmente abordados no FSM, agregando coisas de lá, do local onde será realizado. Por exemplo, o tema "Racismo e o sistema de castas", que estará em uma das reuniões públicas, é nitidamente um reflexo do sistema indiano de castas.

Porém uma coisa que acho importante ressaltar é a mesa de diálogo e controvérsia sobre o futuro do FSM, que vai acontecer no dia 20 de janeiro. Isso mostra como o comitê indiano do Fórum avançou e como está prevista a discussão sobre os próximos passos desse movimento/processo, para continuarmos a nos articular.

Rets - Alguns dos principais temas do FSM 2004 – como globalização imperialista; militarismo, guerra e paz; exclusão e opressão: religiosa, étnica e lingüística – têm muito a ver com o cenário internacional dos últimos dois ou três anos, quando guerras religiosas foram intensificadas e o militarismo é cada vez mais corrente nas relações internacionais, especialmente quando serve à globalização que interessa aos EUA. Nesse contexto, o debate sobre as guerras travadas pelos EUA parece inevitável. Que reflexos esse cenário internacional pode ter nas discussões?

Francisco Whitaker - É algo um tanto imprevisível. Sei que no último dia do evento estão programando – ainda não está confirmado – a presença daquele grupo da sociedade civil organizada que produziu um acordo de paz para Israel e o mundo árabe – acordo este que foi apresentado há algumas semanas em Genebra e que mostra que é possível chegar à paz. O grupo, então, se apresentaria em algum momento do último dia do evento.

Esse grupo não tem nenhuma relação com governos e fez um acordo por iniciativa da sociedade civil. É isso que eu acho importante mostrar: que a sociedade civil age; não apenas dizendo não, mas buscando e propondo soluções. Nós mostramos que nos preocupamos com essas questões que têm reflexos e conseqüências na vida de todas e todos e que somos sujeitos autônomos, que nos posicionamos de forma independente.

Rets - Qual o desafio para a realização de uma quarta edição do FSM?

Francisco Whitaker - Ser, enquanto proposta metodológica, apresentado e realizado de forma completa. E isso está acontecendo. O comitê organizador indiano está trabalhando muito bem. Eles pegaram o método e souberam aplicá-lo de uma ótima forma e até foram além, na minha opinião. Consolidaram e avançaram. Estão de parabéns pelo trabalho. Lendo o texto que eles escreveram, percebemos que eles captaram detalhes da proposta do Fórum, aquela que começamos aqui no Brasil. A argumentação deles está muito bem embasada e vemos, inclusive, uma nova cultura política.

Rets - Qual o principal mérito do processo do FSM até hoje?

Francisco Whitaker - Exatamente aquilo que gerou nossa proposta inicial: reavivar a utopia, a esperança de construir um mundo mais pacífico, mais justo. Também propor uma experiência política diferente. E isso vem repercutindo em outras áreas, como na experiência partidária, por exemplo. Em novembro, aconteceu o Global Progressive Forum, em Bruxelas, Bélgica, organizado em conjunto pela Internacional Socialista e pelo Partido de Socialistas Europeus. Esse evento usou o mesmo método que o FSM usa, adotou algumas regras da nossa Carta de Princípios. Quer dizer, o Fórum Social Mundial tem este mérito de ter gestado uma nova forma de fazer política e de articular os movimentos sociais – que nada mais é do que fazer política também.

Rets - Em 2005, o evento voltará a ser no Brasil ou passará a ser itinerante?

Francisco Whitaker - Está quase certo que em 2005 o Fórum Social Mundial acontecerá em Porto Alegre. Só por chuvas e trovoadas não será. Mas está quase certo, é bom ressaltar. As idéias estão circulando. Isso provavelmente vai ser resolvido pelo Conselho Internacional do FSM durante o evento da Índia. Há algumas hipóteses sobre o que poderá ser feito – como a possibilidade de ser bienal ou de, no caso de ser anual, acontecer um ano em Porto Alegre e, no ano seguinte, em algum outro lugar, que mudaria sempre. Pessoalmente, acho que deve acontecer todo ano, senão o processo perde a constância, a coesão e pode se enfraquecer.

Rets - Para as organizações brasileiras que não poderão ir à Índia, quais as formas de participar no evento, mesmo à distância?

Francisco Whitaker - Seguir, estarem informadas sobre o que está acontecendo lá, já se preparando para 2005. As instituições têm que ficar conectadas, atentas e ir trazendo as discussões do FSM para dentro delas mesmas, já pensando no evento de 2005. Ou seja, elas têm que ficar atentas e se prepararem para o ano seguinte.

Rets - Existia a intenção de montar uma Casa do Brasil em Mumbai, a exemplo da Casa de Cuba, que foi montada em Porto Alegre em 2003, certo? Como está andando essa idéia?

Francisco Whitaker - A idéia da Casa do Brasil era levar para a Índia um espaço em que não só ocorreriam manifestações culturais, mas no qual pudéssemos contar a história dos outros fóruns, inclusive explicando para os leigos como eles surgiram, fazendo um memorial do FSM etc. Mas a idéia, agora, mudou e montaremos apenas um estande. Não vamos montar a Casa do Brasil, pois, em primeiro lugar, seria muito invasivo; em segundo, não haveria mais um espaço adequado para montar essa estrutura. Assim, o estande será montado, levando as manifestações culturais e também a memória do FSM que temos guardada aqui no Brasil.

Maria Eduarda Mattar

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