Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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Em 3 de dezembro de 2003, o estudante Tiago Daniel Lima e Silva, 21 anos, foi pego de surpresa em sala de aula. Recebeu uma ligação avisando que havia sido um dos 16 vencedores do 3o Prêmio Ceará de Cinema e Vídeo, que financia roteiros orçados entre R$ 15 mil e R$ 60 mil de cineastas cearenses. “Vem correndo pra cá. Você acaba de ganhar o prêmio”, disse a voz do outro lado. Apesar de ter se inscrito, Tiago não alimentava nenhuma esperança, pois sua experiência na área é pequena – esse é apenas o segundo roteiro que escreve e será filmado. Por outro lado, será o quarto curta-metragem de sua direção. Tudo isso em apenas um ano e sem ter câmera de vídeo em casa ou na escola. O seu e outros talentos foram descobertos no projeto Imagens da Paz, realizado de novembro de 2002 ao final do ano passado pela ONG Fábrica de Imagens.
Selecionado em um edital de financiamento da Petrobras, o Imagens da Paz durou 14 meses e atendeu 64 jovens, dos quais nove não foram até o fim das atividades. Todos os participantes são moradores de comunidades de baixa renda de Fortaleza e eram, no início do projeto, estudantes do primeiro ou segundo ano do Ensino Fundamental de escolas públicas da cidade. “Queríamos fugir da mesmice dos cursos de capacitação direcionados à juventude. Em geral eles se limitam a artesanato, computação e secretariado. Decidimos então ensinar a produzir vídeos e gerar debates”, explica Lenildo Gomes, diretor da Fábrica de Imagens, coordenador pedagógico do projeto e a voz que avisou Tiago Daniel. A organização se dedica a promover cultura humanista na capital cearense.
O resultado da fuga foram 16 curtas de quatro a nove minutos, exibidos em 14 instituições de ensino e em uma sessão no cinema do Espaço Dragão do Mar –tradicional centro cultural de Fortaleza- em dezembro. Todas as produções foram feitas inteiramente pelos alunos, que formaram equipes, dividiram funções, escreveram, filmaram e editaram o material. Tudo com acompanhamento de profissionais encarregados das aulas. Em seguida, voltaram às suas escolas para discutir os filmes com os colegas.
O começo
As atividades começaram em novembro de 2002, logo após a seleção dos participantes. Representantes da Fábrica de Imagens passaram em vários colégios, explicando o projeto e perguntando quem estava interessado em participar. Os candidatos fizeram provas de conhecimentos gerais, com ênfase em temas culturais. Quem foi aprovado passou por mais uma peneira: trabalhos de grupo para identificar os que tinham mais vocação para trabalhar com audiovisual e coletivamente. “Foi um momento decisivo para o sucesso do projeto”, diz Marcos Rocha, um dos coordenadores do Imagens da Paz. “A turma final foi muito boa, apesar de ninguém ter experiência na área”.
Concluída a seleção, era hora de iniciar os trabalhos. Foram programadas três etapas. A primeira consistia em aulas diárias de “formação humana” e de vídeo. A parte teórica ficou a cargo de integrantes da Fábrica de Imagens, que conversaram com os jovens sobre cidadania, gênero e cultura de paz. “A intenção era sensibilizá-los para produzir os filmes”, conta Lenildo Gomes. Simultaneamente os alunos aprendiam a operar as duas câmeras digitais disponíveis, editar as filmagens nos computadores, escrever roteiros e dirigir. Foram contratados profissionais atuantes em Fortaleza para ministrar as oficinas e acompanhar a etapa seguinte, que começou depois de cinco meses de teoria.
A tarefa era começar a preparar os filmes. Todos deveriam se esforçar para escrever um roteiro de ficção ou documentário que pudesse ser filmado em no máximo dez minutos. Alguns não conseguiram, enquanto outros redigiram mais de uma história. Entre bons e maus resultados, foram entregues 40 roteiros relacionados a temas como desemprego, igualdade de gênero, violência e cidadania. Dezesseis foram selecionados pelos monitores e professores para serem filmados. “Essa foi a única etapa na qual os jovens não interferiram”, afirma Lenildo.
A partir dos roteiros escolhidos, a turma se dividiu em oito grupos, encarregados de filmar duas histórias, cada. Todo participante dizia no que gostaria de trabalhar, mas a orientação dada pelos monitores era que ninguém dirigisse os próprios roteiros, pois o objetivo era gerar debates entre os participantes. “Foi uma situação caótica de seis meses de produção, filmagem e edição”, lembra Marcos Rocha. O caos se deveu a disputas por funções e à inexperiência dos jovens cineastas. “Uns queriam dirigir, mas não levavam jeito. Acabaram fazendo o que sabiam melhor”. As dificuldades não pararam por aí. “Na fase de edição, por exemplo, o que um profissional faria em um dia, eles levavam uma semana”, explica Lenildo. “Mas foi um atraso saudável, pois os vídeos ficaram excelentes”.
Para o premiado Tiago Daniel, apesar da confusão inicial, tudo terminou bem. “Quando houve disputas para ocupar funções, as filmagens atrasaram um pouco. No meu grupo, consegui convencer os demais a me deixar dirigir e conseguimos terminar as filmagens no tempo certo”. Ele dirigiu três curtas: “O cárcere”, “O Violento Mundo dos Animais” e “Carne e Oficina”, além de ter sido assistente de direção de “Os descartáveis” e roteirista de “Por quê?”.
De tanto trabalho, Tiago diz que tirou algumas lições. Aprendeu a trabalhar melhor em grupo, habilidade que não era seu forte, pois, segundo ele, é muito “fechado”. Mas a timidez foi embora no trato com os demais. A prova foi sua participação entusiasmada nas atividades da terceira etapa do projeto – a apresentação dos filmes em escolas de Fortaleza. As equipes de produção deviam animar discussões entre a platéia.
A recepção dos alunos dos 13 colégios visitados, segundo os participantes, foi muito boa, assim como os debates realizados após as exibições. Marcos e Lenildo estimam ter atingido aproximadamente oito mil estudantes. “Algumas unidades têm mais de 2 mil alunos”, dizem.
Futuro
Alguns deles poderão participar em breve de projetos semelhantes. A ONG negocia com a Petrobras a renovação do patrocínio e assegurou recursos da Organização Internacional do Trabalho para começar um projeto semelhante, que formará novos profissionais de audiovisual e terá suas próprias produções. Devido ao sucesso do Imagens da Paz, a Fábrica de Imagens, antes dedicada apenas a promover cidadania por meio de ações junto a grupos marginalizados, decidiu se tornar também uma produtora. No fim do ano fundaram o Núcleo de Produção Audiovisual, que hoje emprega 15 dos 55 jovens participantes do projeto. Eles foram escolhidos de acordo com o talento e a disponibilidade para o trabalho. Farão vídeos para divulgar as outras atividades da organização, como um programa de estímulo à contratação, por empresários locais, de soropositivos capacitados em informática pela Fábrica de Imagens. Os demais jovens têm seus currículos em um banco de dados disponível para outras produtoras.
A ONG está iniciando contatos com cinemas da capital cearense para exibir em horários alternativos os 16 filmes do projeto e outros que venham a ser produzidos, como o roteiro premiado de Tiago Daniel. Da Fábrica de Imagens o Prêmio Ceará de Cinema e Vídeo não agraciou apenas o jovem de 21 anos. Lenildo Gomes também receberá recursos para filmar sua história, assim como um dos professores do projeto. Todos os filmes serão produzidos pelo Núcleo de Produção Audiovisual e começam a ser rodados até o meio do ano.
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