Autor original: Marcelo Medeiros
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Em 2003, o programa atendeu 866 mil crianças, que abandonaram o trabalho e voltaram à escola. Suas famílias, se moram no campo, recebem R$ 25 por filho para não deixá-lo trabalhar. Caso estejam em área urbana, o valor sobe para R$ 40.
A opinião de Baptista é a mesma de 500 representantes de organizações da sociedade civil que combatem o trabalho de crianças na Bahia. Em encontro realizado em meados de dezembro, na cidade de Feira de Santana, elas redigiram uma carta, endereçada à ministra da Assistência Social, Benedita da Silva, expondo os ganhos do programa no estado e apontando problemas como a falta de reajuste das bolsas. As organizações afirmam que o Peti foi um dos programas que mais sofreram restrição orçamentária no Plano Plurianual de 2004 a 2007. Para os quatro próximos anos, o orçamento previsto é de R$ 369,5 milhões. Nesses recursos estão incluídos, além da bolsa concedida às famílias, verba para os municípios implementarem medidas socioeducativas como a jornada escolar ampliada. Esta consiste em atividades extracurriculares durante a tarde. Por cada criança no programa, a prefeitura recebe R$ 20 ou R$ 10 se a cidade tiver mais de 250 mil habitantes.
Por causa dos cortes e da falta de definições sobre como irá funcionar o programa, iniciado em 1996, com apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), também há perguntas sobre a sua continuidade. O governo unificou vários programas sociais no Bolsa-Família e deixou o Peti de fora por considerar que o programa possui especificidades. Mas garante que ele continuará a funcionar.
O grande problema apontado por Baptista é a ausência de planejamento para o programa neste ano. Para ele, o governo está jogando fora um longo trabalho de sucesso. Só na região rural da Bahia, onde age o MOC, mais de 120 crianças deixaram o trabalho no sisal e em pedreiras desde o início do Peti. Nesta entrevista, ele aponta as conseqüências do enfraquecimento do programa e suas causas.
Rets - O Peti foi um dos programas que mais sofreram cortes em seu orçamento. Como você vê isso?
Naidison Baptista - O corte não é o maior problema, pois há suplementação orçamentária para injetar mais recursos ao longo do ano. O que mais indigna não é o corte, mas a indefinição dos parâmetros. Até agora não sabemos qual será o valor da bolsa, as metas do programa, como vai ser trabalhada a jornada ampliada, como será gerido o Peti. Todos sabemos que há uma crítica por parte do governo sobre a forma de funcionamento do programa, pois há problemas evidentes. Tanto que foi formada uma comissão para estudar novas ações e, até agora, nada.
Vou expor a situação. As perguntas que enviamos ao Ministério da Assistência Social são relativas à bolsa e às medidas socioeducativas. O valor da bolsa é de R$ 25 há oito anos. Quando o programa começou, em 1996, outros R$ 25 eram destinados para um fundo municipal que deveria promover atividades socioeducativas. O [então presidente] Fernando Henrique achou muito e cortou o valor para R$ 20. Até hoje as crianças valem só R$ 25. Todas foram cadastradas pelo programa, receberam cartão etc.
Na unificação dos programas promovida pelo atual governo, o Peti ficou de fora por, segundo Brasília, ter características especiais e influência do Unicef e da OIT. Mas quais são essas características? Começamos o ano cheios de interrogações. Há pouco recebemos um fax do Ministério da Assistência Social pedindo que cada município apresente seu projeto de erradicação do trabalho infantil. Ou seja, ignoram tudo o que foi feito até agora. É preciso enviar várias informações, como metas, quantidade de crianças trabalhando, tipo de atividade etc.
O mais “bonito” de tudo isso é que os municípios devem fazer o relatório e enviá-lo para o governo estadual, que por sua vez vai submetê-lo a diversos órgãos para aprovação. Mas até dia 20 de janeiro o relatório deve estar em Brasília. Toda a coordenação de trabalhos foi jogada por terra. Trata-se um município pequeno como um grande, como se as condições de trabalho fossem as mesmas. No fim das contas, ou se faz um projeto padrão que atenda a todos ou os projetos se esfacelam.
Ou seja, oficialmente o Peti não acabou, mas na prática...
Rets - Quais as conseqüências dessas medidas?
Naidison Baptista - Várias. Algumas já foram anunciadas: volta das crianças ao trabalho, pois os municípios não terão condições de atender as exigências do ministério, por exemplo. Há grandes chances de retorno, principalmente se não há coordenação estadual. Isso quebra o elo de qualidade. Na Bahia há coordenação da Jornada Ampliada, mas como fazer isso sem a coordenação geral?
Há uma “prefeiturização” das ações que compromete a qualidade do programa.
Rets - Além da volta das crianças ao trabalho, que outras conseqüências virão do enfraquecimento do programa?
Naidison Baptista - O abandono da escola, a diminuição das relações afetivas e sociais das crianças, o enfraquecimento do movimento social e educativo das regiões onde está o Peti. Há muitas entidades envolvidas nesse trabalho e elas serão enfraquecidas. Haverá um esfacelamento das atividades de combate ao trabalho infantil.
Rets - O governo afirma que parte do dinheiro do Peti foi alocada no programa Bolsa-Família e por isso o estímulo para as famílias não precisarem do trabalho infantil estaria garantido. Além disso, diz que o programa não irá acabar. O que você acha disso?
Naidison Baptista - O apoio não está garantido. A Bolsa-Família é uma iniciativa bem intencionada e bastante interessante por juntar recursos dispersos, mas ela, sozinha, não garante ações socioeducativas. O Peti faz isso ao alocar recursos para esse tipo de atividade nos municípios. A Bolsa-Escola [programa criado na gestão de Cristóvam Buarque no governo de Brasília e adotado pelo governo Fernando Henrique em 2001 e que dava R$ 15 por filho matriculado na escola. As prefeituras cadastravam as famílias. Foi inserido no Bolsa-Família este ano] possuía ações educativas, mas não obrigava ninguém a nada e nem fiscalizava. O Peti obriga a contrapartida. Por isso já ouvi prefeitos dizendo que querem a Bolsa-Escola em sua cidade, mas não o Peti, pois este traz obrigações e fiscalização.
Rets - A Bolsa-Família, então, não traz outras vantagens?
Naidison Baptista - A médio prazo irá gerar demanda por serviços públicos de qualidade, pois, se a população tem que usar o hospital, precisa pesar a criança, vai exigir melhores condições. Mas precisa de um trabalho de educação, o que o Peti possui. O Peti está cercado de pessoas e organizações que fiscalizam sua execução e tem um forte lado educacional. Por isso é mais completo.
Rets - Na sua opinião, quais são as razões do abandono do programa?
Naidison Baptista - Sinceramente, eu também me pergunto. Uma é a “prefeiturização” do Peti, deixar tudo a cargo dos municípios.
Rets - Há soluções para sua manutenção? Os governos estaduais, por exemplo, não poderiam arcar com os recursos?
Naidison Baptista - Não posso responder pelo governo do estado, mas acho que seria muito pesado. A Bahia é o único estado que paga os monitores da Jornada Ampliada. São 3.500 jovens, que custam de 18 a 20 milhões de reais por ano. O salário é pequeno, todos reclamam, mas pelo menos está tudo regularizado – décimo-terceiro, fundo de garantia etc. E há ainda uma concepção de formação, idealizada pelo MOC e pelo Unicef. Além disso, buscamos, na medida do possível, recursos no exterior, no Unicef, na OIT, com empresas nacionais e estrangeiras.
Rets - Sendo assim, como você vê o futuro das crianças que precisam ou são obrigadas a trabalhar?
Naidison Baptista - Em primeiro lugar, é bom deixar claro, não vejo o Peti como solução. É uma assistência social, não mexe com as causas do problema. E não vai ser o Ministério do Trabalho ou o da Assistência Social que irá resolver. O Peti não acaba, apenas interrompe o problema – o que é válido. A prova disso são crianças mais desenvolvidas nas áreas em que ele está presente, como demonstram diversas pesquisas.
O futuro das crianças depende da mudança da estrutura desse país. Precisamos de reforma agrária, assistência técnica, enfim, um conjunto de medidas sociais. É obrigação do governo dar assistência social, mas isso é provisório.
Rets - Qual seria o valor ideal da Bolsa?
Naidison Baptista - Não tenho um cálculo para apresentar, mas a correção pela inflação seria justa. Em 1996, quando começou o programa, o valor foi calculado de acordo com o que uma família precisava consumir para se manter minimamente. Naquela época, R$ 25 dava para alguma coisa, mas hoje... Seria interessante equiparar com a Bolsa-Família, que dá R$ 90 para duas ou três crianças. Mas vale lembrar que também é preciso ter recursos para medidas socioeducativas.
Rets - Nos nove primeiros meses de governo Lula, segundo pesquisa do IBGE, o número de crianças trabalhando aumentou 50%. A que esse incremento pode ser atribuído?
Naidison Baptista - Não tenho uma análise aprofundada, mas é certo que a política econômica atual gera exclusão. Se gerou com Fernando Henrique, gera com Lula. A matriz é igual, mas pode mudar. Um elemento palpável dessa política é o tratamento dado ao Peti. Atrasa a bolsa, os pais botam as crianças para trabalhar. Não há argumento moral que impeça isso. Está com fome, vai trabalhar. A família que depende desse dinheiro para fazer a feira, como fica? Agora o pagamento está mais ou menos atualizado – estão pagando dezembro este mês.
É preciso trabalho cultural e educacional para mostrar a necessidade da escola. Uma pesquisa da UFPE [Universidade Federal de Pernambuco] mostra que os pais valorizam a escola, mas não se muda a cultura em três anos.
Rets - Recentemente diversas organizações enviaram uma carta à ministra Benedita da Silva com uma série de perguntas sobre o futuro do Peti e cobranças de definições. O que mais a sociedade civil pode fazer em relação a isso?
Naidison Baptista - É uma pergunta difícil. Em 2003 pressionamos e conseguimos alguns resultados como a manutenção do programa. Chegamos até a ir a Brasília e vimos a comissão de estudo ser criada. O ideal seria que essa mobilização saísse da Bahia e se tornasse nacional. Mas do jeito que as coisas estão, não sei mais o que fazer.
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