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Prazo para alterar os estatutos segundo o novo Código Civil pode ser prorrogado

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Artigos de opinião

Paulo Haus Martins*

Já circula pela Internet a notícia de que o prazo para adequar os estatutos ao novo Código Civil (NCC) foi prorrogado por mais um ano. Atenção e cautela com as notícias: até segunda ordem, somente existe um prazo: 11 de janeiro de 2004. Essa é a única regra em vigor; é assim que consta na lei no momento em que escrevo esse texto, hoje, dia 6 de janeiro de 2004.

Faltam cinco dias para a data fatal, portanto. Contudo a notícia da prorrogação, ainda não confirmada, desmobiliza as pessoas e pode causar prejuízos.

Pelo projeto do NCC[1], o seu vigor começaria um ano após sua promulgação e as entidades teriam um ano a mais para se adaptar. Esperava-se, portanto, que todas as pessoas jurídicas já teriam reavaliado seus estatutos e contratos sociais muito antes do final de 2003. Não foi assim que ocorreu, contudo.

No curso do ano de 2003, dois problemas se revelaram. As pessoas jurídicas brasileiras ainda não haviam realmente adaptado seus estatutos ao NCC e o conhecimento quanto à regra somente veio a partir de sua entrada em vigor, em janeiro de 2003. Assim, quando se tomou ciência de fato das novas regras, pouquíssimas pessoas jurídicas já estavam preparadas para alterar seus atos constitutivos ou já os haviam registrado em cartório quando o NCC entrou em vigor. É de se esperar que cause confusões, portanto. Ao alterarem o estatuto, todas as entidades e empresas fatalmente se perguntam se valerão as regras descritas antes ou as regras da lei. Como resolver problemas relativos a competências, convocações, votos e quóruns? Pelo NCC, vigoram as regras novas, mas no mundo real o que vigora é a confusão.

Um terceiro problema também foi constatado, esse de ordem cultural absolutamente previsível. Nós, brasileiros, temos o costume de deixar tudo para a última hora – e, como o NCC também é brasileiro (assim como seus redatores e os parlamentares que o aprovaram) somente se lembraram dessa característica... na última hora.

Por fim, o maior problema de todos: os cartórios não estão preparados e promovem uma confusão dos demônios Brasil afora. Quem é vivo constata que o dilema “sobreviver ou cumprir a lei” mantém-se como o mais popular de nosso país.

Assim é que em 7 de maio de 2003 o deputado federal Julio Lopes, do PPB do Rio de Janeiro, propôs um projeto de lei com o intuito de prorrogar o prazo para alteração de estatutos e contratos sociais por mais dois anos além do inicialmente previsto[2]. Depois, o deputado Pastor Francisco Olimpio, do PSB de Pernambuco, propôs outro PL, no qual as decisões das Assembléias das Associações poderiam seguir os estatutos antigos, mesmo que desrespeitassem o Código novo[3]. Dois problemas, duas soluções.

Mistérios do Congresso (não se sabe de forma registrada nem como, nem quando, nem por quê), o PL 1273/03, do deputado do PSB, proposto em 18 de junho de 2003, inicialmente apensado ao projeto do deputado Julio Lopes, foi posteriormente retirado por um pedido de pauta de urgência e, após substitutivo redigido pelo deputado João Alfredo, do PT, o projeto, que era um, passou a ser outro. A redação, que respeitava o estatuto das instituições, passou a pedir a prorrogação do prazo para alteração estatutária, agora por apenas um ano e, contraditoriamente, respeitando o NCC no que diz respeito às regras estatutárias. Também deixou de dizer respeito apenas às associações e passou a ser para todas as pessoas jurídicas e até para os empresários sujeitos a registro.

Em resumo, enquanto o primeiro PL ainda terá, provavelmente, uns bons anos de viva e animada necrose processual para ser definitivamente arquivado, o segundo PL (apensado, desapensado e alterado), acaba de ser apresentado ao Congresso Nacional com botox, silicone, henê, pente quente e lipoaspiração. Foi aprovado pela Câmara de Deputados, em Brasília, sem destaques. Será apresentado com urgência ao Senado e, se aprovado de novo, seguirá para sanção presidencial e publicação. Com ela vem o vigor.

É possível, portanto, que a notícia de ontem, ainda não confiável hoje, seja verdadeira amanhã. Tomara, será realmente muito útil e conveniente. Vamos torcer. Até lá, ficamos apenas olhando para os e-mails que se multiplicam. Até lá, atenção e cautela.

Notícias veiculadas por e-mail têm a curiosa característica de facilmente se tornarem boatos pouco confiáveis. Os boatos, com facilidade, tornam-se correntes, e essas, de gênero livre e descontrolado, com freqüência sobrevivem aos motivos do boato por longo período. Fatalmente sofrerão da mesma necrose que desrespeita as cronologias das atividades parlamentares brasileiras e, no início de 2005, se amanhã vier a ser aprovado o PL 1273/03, perto do fim do novo prazo, certamente vai ter gente recebendo a corrente pela primeira vez. Tenho certeza de que haverá quem ache que o prazo foi prorrogado de novo muito além de 2004, 2005 ou 2006, mundo afora. Os brasileiros, tenho certeza, deixarão para a última hora, mas esta se multiplicará no tempo. Um contínuo e indeterminado futuro de “últimas horas”. Seria o paraíso para os displicentes, não? Infelizmente, a imagem do paraíso e o engano são amigos inseparáveis.

Atenção e cautela: embora tenhamos confiança na aprovação do PL, o único prazo real existente no dia 6 de janeiro de 2004 é o que termina daqui a cinco dias.

* Paulo Haus Martins é especializado em Terceiro Setor e Consultor Jurídico da Rits.









[1] E assim é o teor do artigo 2031 do NCC em vigor: “Art. 2.031. As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, terão o prazo de um ano para se adaptarem às disposições deste Código, a partir de sua vigência; igual prazo é concedido aos empresários”.



[2] PL 930/03 – Propôs o projeto que o artigo 2.031 passasse a constar com a seguinte redação: “Art. 2.031 – As associações, sociedades e fundações, constituídas da forma das leis anteriores, terão o prazo de  (03) três anos para se adaptarem às disposições deste Código, a partir de sua vigência; igual prazo é concedido aos empresários”. (NR)  Sendo o início da vigência no dia 11 de janeiro de 2003, o prazo inicial, que terminaria em 2004, seria prorrogado até 2006.



 



[3] A redação original do PL 1273/03 previa explicitamente o seguinte: “Art. 1º. Durante a vigência do prazo estipulado no art. 2031 da lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), as deliberações da Assembléia Geral para alteração estatutária de que trata o parágrafo único do art. 59 reger-se-ão pelo que dispõem os atuais estatutos das associações”.






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