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Carta Aberta à Ministra Benedita da Silva

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Uma entrevista semanal sobre temas relevantes para o Terceiro Setor

Senhora Ministra,

Nós, integrantes do poder público e da sociedade civil organizada de cerca de 90 municípios do Estado da Bahia, contemplados com o Programa Nacional e Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil, reunidos em Feira de Santana, na Bahia, para o Seminário Estadual de Avaliação do Programa, depois de termos debatido as estatísticas assombrosas que nos foram apresentadas pelo UNICEF sobre a Infância Brasileira, especialmente as crianças negras, indígenas, moradoras da área rural e do sexo feminino; depois de termos feito uma retrospectiva histórica dos caminhos de dificuldades e de grandes conquistas conseguidas pelo PETI Bahia desde sua implantação em 1996; vimos tornar público nossas angústias e interrogações com o futuro de um programa que tantos frutos, resultados e perspectivas trouxe para o Estado, especialmente para as crianças.


1. Na Bahia, um destaque do Programa, avaliado como exemplar por todas as consultorias que por aqui passaram, é o desenho de funcionamento da Jornada Ampliada. Há capacitação especifica, há um monitoramento sistemático e há cerca de 3.500 monitores, contratados pelo Governo do Estado, para o desenvolvimento da Jornada Ampliada. O Governo da Bahia, em negociações variadas, se dispõe, inclusive, a mantê-los até final de 2004. E o UNICEF aloca recursos para o monitoramento das ações. Avaliações e sistematizações desse processo estão descritas em livros já publicados pelo MOC e UNICEF e pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil na Bahia e disponíveis.

2. Cerca de 600 das Jornadas Ampliadas do Estado desenvolvem um processo denominado de “Baú de Leitura”, incentivando monitores, professores, alunos e até mesmo pais para a leitura crítica e prazerosa. São cerca de 30.000 jovens exercitando a leitura, o teatro, a arte cênica, a música, a escrita, a reflexão critica sobre a realidade gostando de ler.

3. A avaliação externa do PETI- Bahia, realizada pela Universidade Federal de Pernambuco, Núcleo de Educação, especialmente em 17 dos primeiros municípios onde se implementou o Programa, apresenta como resultado principal o crescimento intelectual, emocional, da capacidade de convivência e socialibilidade, e do domínio da escrita e leitura pelas crianças do PETI, crescimento esse maior se comparadas a outras crianças brasileiras do mesmo patamar de renda; e esse resultado se credita à Jornada Ampliada.

4. Cerca de 5.000 famílias estão beneficiadas com projetos de geração de emprego e renda, com recursos do Ministério da Assistência Social do Governo Federal e da Secretaria do Trabalho e Ação Social do Estado da Bahia, num programa gerido em comum pelo poder público e sociedade civil e executado pelo MOC- Movimento de Organização Comunitária e denominado Prosperar já com relatórios de resultados publicado. O próprio Ministério da Assistência Social já acena com recursos, neste ano, para capacitação das famílias. Trata-se de uma semente a ser amorosamente cuidada.

5. 320 jovens, num projeto piloto apoiado pelo UNICEF e executado pelo MOC- Movimento de Organização Comunitária - acompanham as famílias, em 30 municípios, no desenvolvimento de processos cidadãos , de crescimento das competências familiares para lidar com crianças de 0 a 06 anos, assim como com aquelas de 07 a 16. São os chamados agentes de família, projeto já famoso e cujo desenho pode ser multiplicado.

6. A mobilização social ao redor do tema dos direitos das crianças, da escola, da não violência familiar tem suscitado ações e processos de melhoria da escola, de formação de professores, de integração do poder público e da sociedade civil na busca destes direitos. Depois do PETI as crianças começaram a sentir que têm direitos, que podem e devem brincar, que lhes é devido o direito de ser criança e de ser feliz. Começa a desaparecer a cultura de que criança pobre não tem direito de brincar e tem que trabalhar.

7. Depois do PETI, em que pesem seus limites, sua dimensão assistencial, o próprio desenho do programa que o leva a não trabalhar e enfrentar a questão estrutural, causa básica e primeira do trabalho infantil, temos crianças mais desenvolvidas, que sorriem, que falam, que se expressam, que se sentem gente, que sonham com um futuro digno.

8. A venda de produtos da agricultura familiar para a merenda escolar do PETI tem garantido algum fluxo de recursos nos municípios e aumento de renda para as próprias famílias.

Estes, Senhora Ministra, são alguns dos nossos ganhos, no PETI-Ba.

Sabemos também de muitos limites e problemas no PETI e que nem todas as experiências são como a nossa, ela também mesclada de problemas e questões.

No decorrer deste ano, porém:

a) primeiro lutamos contra as indefinições sobre a manutenção do PETI. Finalmente o Ministério nos acenou com a continuidade dele em 2003. A indefinição gerou desgaste, indecisões, descrédito no trabalho. Ao lado disso, enfrentamos os constantes atrasos no repasse das bolsas, alguns gerados pela falta de documentação das Prefeituras; outros, porém, por questões do próprio Ministério.

b) posteriormente, com o processo da Unificação dos Programas de Transferência de Renda - iniciativa louvável do Governo Lula - o PETI foi considerado como um programa específico e que, como tal merecia um tratamento diferenciado. Qual, no entanto, sua especificidade? Os valores repassados às famílias e ao Fundo de Assistência Social Estadual e Municipal permanecem nos mesmos R$ 25,00 por criança para as famílias e R$ 20,00 por criança para a merenda e material didático. Pior do que isso, no entanto, é que nem uma palavra é pronunciada por este Ministério sobre o assunto. Novamente, isso gera desânimos, desmobiliza, desacredita o processo do trabalho e desgasta o governo.

c) 2003 está findando e com ele, ao invés de esperanças, levamos inúmeras perguntas , perplexidades e interrogações que acreditamos o seu ministério nos possa responder. Entre elas:

- qual o desenho operacional/ gerencial do PETI pra 2004?

- qual o pensamento do governo sobre o PETI para além de 2004? - qual o valor da bolsa para as famílias do PETI em 2004?

- que tratamento será dado ao processo da Jornada Ampliada? continuará o subsídio transferido aos Conselhos municipais para apoio à Jornada Ampliada? em que valor? os atuais R$ 20,00 são insignificantes e insuficientes.

 - que tratamento o Governo Federal pretende dar às experiências da Jornada Ampliada? E para a questão dos monitores?

 - qual a continuidade prevista, especialmente para as famílias do PETI, em termos de programas de geração de renda?

Queremos finalizar esta carta citando o presidente Lula, em seu discurso na Paraíba, quando da inauguração das cisternas de placas em novembro último. Naquela ocasião disse o presidente que:

· Cobrássemos dele e de seus ministros as ações importantes para o Brasil se desenvolver. É isso que fazemos aqui.

· Que o Governo dele não queria inventar a roda, mas criar processos e apoiar outros que estão andando e com resultados. O PETI está rodando.

O PETI precisa, naturalmente de ser avaliado, melhorado, aprofundado, como todos os processos da vida.

Precisa-se, no entanto, de sinais concretos que digam por onde seguirá sua trajetória e, igualmente, que estes sinais sejam construídos conjuntamente com os atores que, durante anos, dedicaram parte de sua vida, suas energias e esperanças ao desenvolvimento desta proposta, na confiança de que as crianças pobres do Brasil pudessem ter melhores condições de vida e o direito de ser criança.

Queremos proclamar, em alto e bom som, que seu Ministério e o Governo Lula podem contar conosco.

Somos parceiros na construção de um Brasil para todos.

Feira de Santana – Bahia, 18 de Dezembro de 2003.

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