Autor original: Mariana Loiola
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A derrubada de palmeiras de babaçu será proibida nos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins, Pará, Goiás e Mato Grosso caso o Projeto de Lei 747/03, em tramitação no Senado Federal, seja aprovado. O projeto, que deverá proteger os babaçuais, e que já foi aprovado pela Câmara, abre exceção para a exploração em regime de economia familiar, o que garantirá a atividade de mais de 300 mil quebradeiras de coco que vivem do extrativismo do babaçu, ao longo de 18 milhões de hectares nos estados citados. As mulheres do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) esperam comemorar mais esse avanço em seus 13 anos de atuação.
Criado em 1991, o MIQCB reúne mulheres de associações, cooperativas e sindicatos, que tiram seu sustento da quebra do fruto da palmeira de babaçu e dos produtos produzidos a partir dessa matéria-prima -como, por exemplo, farinha, sabonete e óleo. A entidade auxiliou as mulheres na discussão sobre a devastação dos babaçuais, na elaboração de propostas de lei e na articulação das comunidades. Em 1997, o MIQCB conseguiu a aprovação da Lei do Babaçu Livre, que garante a entrada nas propriedades onde as palmeiras nativas estão localizadas.
A coordenadora de políticas públicas do MIQCB e diretora do Programa de Organização de Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu, da Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (Assema), Maria de Jesus Ferreira Bringelo, fala sobre o processo de constituição e expansão do MIQCB, a luta para preservar as áreas dos babaçuais, o combate à pobreza na região e o fortalecimento da identidade das mulheres quebradeiras.
Rets - Como aconteceu o processo de formação do MIQCB?
Maria de Jesus Ferreira Bringelo - Na década de 80, as mulheres trabalhadoras rurais agroextrativistas começaram a se organizar em defesa dos babaçuais, que estavam sendo amplamente devastados. Elas se organizaram nos sindicatos, grupos de mães, cooperativas e associações como a Assema e a Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais (AMTR), localizadas na região do Médio Mearim, onde predominam as áreas de babaçuais no estado do Maranhão. Organizadas, elas iniciaram discussões em torno da defesa e preservação das áreas de palmeiras de babaçu, valorização da atividade de coleta e quebra do coco babaçu e fortalecimento da identidade de quebradeira de coco. Em 1991, ocorreu o 1º Encontro Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu do Maranhão, Pará e Tocantins, em São Luís (MA), que consolidou a criação do MIQCB.
Rets - Quais são as principais atividades do MIQCB hoje?
Maria de Jesus Ferreira Bringelo - Através de um processo de discussão, planejamento e avaliação do movimento, definimos as linhas de ações a serem trabalhadas, que levam em conta os direitos das populações que vivem nas áreas de babaçuais. As principais linhas são: reforma agrária, a Lei do Babaçu Livre e políticas públicas.
Rets - Que benefícios a Lei do Babaçu Livre trouxe? Está sendo plenamente implementada?
Maria de Jesus Ferreira Bringelo - A Lei Babaçu Livre nasceu da luta histórica das mulheres quebradeiras de coco babaçu. É uma conquista dessas mulheres, e não parou por aí. Hoje, além da lei estadual que trata da não derrubada das palmeiras de babaçu, são quatro municípios que dispõem da Lei Babaçu Livre, garantindo o uso e livre acesso das mulheres trabalhadoras agroextrativistas quebradeiras de coco às áreas de babaçuais.
Rets - Segundo o Projeto de Lei 747/03, de autoria da deputada Terezinha Fernandes (PT-MA), a derrubada de palmeiras de babaçu fica proibida nos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins, Pará, Goiás e Mato Grosso. Pelo texto do PL, as matas nativas de palmeiras de coco babaçu situadas em terras públicas, devolutas ou privadas são de livre acesso e uso pelas populações agroextrativistas, desde que as explorem em regime de economia familiar e comunitário. Desse modo, a destruição dos babaçuais pode ser bastante reduzida e o trabalho das quebradeiras, facilitado. Vocês acham que esta lei terá de fato impacto positivo para o MIQCB?
Maria de Jesus Ferreira Bringelo - Sim, pois possibilita o acesso das mulheres aos babaçuais em todos os estados. Nós acompanhamos o projeto desde o início da sua elaboração. Acreditamos que ele vai favorecer aproximadamente 300 mil pessoas que sobrevivem da atividade da quebra do coco babaçu e fortalecer a luta do movimento nos embates localizados nas reivindicações junto aos fazendeiros e junto ao poder judiciário.
Rets - Como é a relação entre o MIQCB e os governos locais?
Maria de Jesus Ferreira Bringelo - A relação é difícil, devido à conjuntura política nesses estados, onde, historicamente, os governos não tiveram políticas de favorecimento às quebradeiras de coco babaçu e suas famílias. Ao contrário, as políticas são de favorecimento às indústrias de carvão e óleo babaçu. No Maranhão, a atuação do Ibama, em sua atual gestão, tem tentado encaminhar e discutir os problemas com as entidades de defesa do meio ambiente. No âmbito federal, conquistamos um espaço dentro da Secretaria da Amazônia, ligada ao Ministério do Meio Ambiente – o Grupo de Trabalho sobre o Babaçu, que se reúne periodicamente para discutir as demandas nos estados.
Rets - Quais são as maiores barreiras enfrentadas pelo MIQCB em seus anos de atividades?
Maria de Jesus Ferreira Bringelo - Falta de apoio dos governos na implementação das propostas de melhoria das condições de vida, reivindicadas pelo movimento, e proibições por parte dos fazendeiros ao livre acesso das trabalhadoras às áreas de babaçuais (muitas têm que pagar para coletar coco). Além disso, muitas mulheres quebradeiras de coco babaçu não dispõem de lotes de terras (são sem-terra), então têm que se submeter a caminhar muitas léguas para coletar os cocos nas fazendas. O alto índice de analfabetismo e a devastação dos babaçuais são outras grandes barreiras.
Rets - Como o trabalho do MIQCB melhorou as condições de vida dessas mulheres?
Maria de Jesus Ferreira Bringelo - O movimento possibilitou a valorização da atividade de coleta e quebra de coco babaçu, a consolidação da identidade política de quebradeira de coco e a formação política das mulheres, por meio de capacitação, formação e da articulação com outros movimentos. Muitas vezes, a gente até se envergonhava de dizer "eu sou quebradeira". Agora a gente diz isso com orgulho, aqui no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo. Com o trabalho de conscientização, vimos que essa é uma profissão como qualquer outra.
Rets - O MIQCB tem novos projetos para o futuro?
Maria de Jesus Ferreira Bringelo – Investimos no aproveitamento de forma integral do babaçu em unidades de produção que sejam geridas pelas mulheres (começamos a produzir sabonete e óleo); na melhoria do preço do coco babaçu; e na erradicação do analfabetismo, com o Programa de Educação de Jovens e Adultos no Meio Rural - realizado em parceria com a Assema e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Além disso, pretendemos intensificar as campanhas pelo livre acesso e preservação dos babaçuais.
Rets – No último dia 20, vocês tiveram uma reunião com o Ibama para oficializar uma denúncia sobre a queima do coco inteiro para a produção de carvão nos fornos da empresa Cosima, no município de Lago da Pedra, no Maranhão. Qual foi o resultado da reunião? E que conseqüências podem ter, para as quebradeiras, essa prática realizada pela empresa?
Maria de Jesus Ferreira Bringelo – Quando as mulheres daquela região souberam que a Cosima havia instalado mais de 40 fornos para queimar o coco, elas nos procuraram e apresentaram esse problema agravante. Na assembléia da Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais de Lago do Junco, em dezembro, fizemos uma carta de repúdio, falando dos impactos ambientais e sociais causados pela queima do coco inteiro. Nós não somos contra a queima do coco, desde que seja só a casca. Se for o coco inteiro, vai faltar trabalho para as quebradeiras. Marcamos uma outra reunião para o início do mês que vem para discutir o problema com as secretarias de meio ambiente da região Médio Mearim e buscar soluções.
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