Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
O pequeno rio Mipibu - com apenas 10 km de extensão, aproximadamente - tem a nascente no município de São José de Mipibu, interior do Rio Grande do Norte, e fim na cidade de Nisia Floresta, no mesmo estado. Diminuto no tamanho, ele se revela grande em história e como fator de mobilização. Seu nome - Mipibu - é uma palavra de origem tupi que significa surgir subitamente, em alusão à forma repentina como o leito nasce. Foi em torno dele que surgiram diversos povoamentos da então Capitania do Rio Grande do Norte, nos idos dos séculos XVI e XVII. Centenas de anos depois, foi também em torno dele que surgiu a Sociedade Terra Viva Brasil (STV Brasil), ONG nascida oficialmente em 2000, depois de um significativo período de trabalho informal.
O motivo para a formação da entidade não foi a história ou a beleza do rio, mas sua poluição e as graves conseqüências que isso acarretava à população que vive próximo a ele e dele depende para lavar roupa, louça e até para fazer higiene pessoal. Um grupo de pessoas, encabeçadas pelo sociólogo potiguar Perceval Carvalho, percebendo o prejuízo para a população, começou a realizar atividades informais em 1997, com o único e simples objetivo de "melhorar a condição de vida das pessoas". A meta, antes difusa, foi cada vez mais se traduzindo em ações concretas e, hoje, a organização tem atividades dentro de, no mínimo, três linhas: educação ambiental, prevenção às DST/Aids e reforço escolar, fora outros projetos pontuais que trabalham determinados aspectos da vida das comunidades da região. "No interior, a carência é global", explica Carvalho, que atualmente ocupa o posto de diretor executivo da ONG.
Com sede em São José de Mipibu - a aproximadamente 30 km da capital, Natal, e com cerca de 35 mil habitantes - as atividades da instituição se desenvolvem majoritariamente naquele município. Ações como o projeto Arco-íris, que oferece aulas de reforço escolar a alunos de 1ª a 4ª série, abordando questões como cidadania, direitos humanos, noções de higiene etc. O único critério para participação é ser estudante da rede pública de ensino e comprovar pertencer a família carente. "Alguns chegam a andar cinco quilômetros a pé para participar", aponta Carvalho, que comemora o sucesso do projeto e lamenta apenas não poder atender a mais crianças. "Às vezes, os meninos e meninas passam da idade e não podemos mais atender no projeto. As mães vêm aqui pedir para que eles continuem freqüentando as aulas, mas não podemos, não temos pessoal para isso", diz.
Outro projeto tocado pela STVBrasil é o Educação para a Vida. Desenvolvido dentro de escolas públicas parceiras - nas cidades de São José de Mipibu e Parnamirim e no bairro de Mirasol, em Natal - a iniciativa compreende palestras em escolas sobre formas de prevenção às DST/Aids, esclarecimentos sobre formas de contaminação, orientação sobre uso de preservativos masculinos e femininos e distribuição da camisinha masculina. "Temos as escolas parceiras, mas se outras quiserem nos chamar para realizarmos as palestras, também podem", avisa Carvalho. "Todas as crianças que participam dos nossos projetos fazem progressos. As mães nos procuram para dizer que não querem que as crianças saiam, pois a convivência familiar melhorou; já os professores nos dizem que as notas melhoraram", complementa.
O diretor executivo justifica a importância de programas de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis na região lembrando os dados disponíveis, que, apesar de pouco exatos, são alarmantes: "as estatísticas são confusas, mas a Secretaria Estadual de Saúde do RN registra 22 casos de Aids notificados em São José de Mipibu. No entanto, o Ministério da Saúde estima que, para cada um desses casos notificados, existam outros 30 não comunicados. Quer dizer, falta informação às pessoas sobre como se prevenirem. Alguém precisa fazer esse trabalho educativo, elas precisam ter aquilo que chamamos de responsabilidade sexual. O Programa Estadual de Aids não atua no interior, está mais presente nas maiores cidades do estado: Natal e Mossoró".
Já estão programadas para o período do Carnaval campanhas de conscientização sobre este e outros problemas. Nelas estão envolvidos 42 voluntários, que participam desde a concepção das ações a serem realizadas até a execução das atividades - como a caminhada que acontecerá no domingo de Carnaval, tendo como mote a despoluição das praias da região. Aliás, a importância da luta por melhoria na qualidade da água, estopim para a criação da STVBrasil, pode ser percebida a partir de ações recentes do Ministério Público de São José de Mipibu, que entrou com ação contra a prefeitura municipal, responsabilizando-a pelo despejo de esgoto no manancial.
Apesar de enfrentar diariamente as conseqüências dos diversos problemas que afetam as comunidades do interior do estado nordestino, Carvalho não acredita que a culpa pela situação possa ser creditada a alguém em especial - nem a governos, nem ao clima da região, nem aos políticos locais - embora diga que a STVBrasil declara publicamente repúdio à omissão dos governos. "Não existe culpa. O Nordeste todo está em atraso. Falta capacidade técnica para resolver uma série de mazelas. E, assim, a gente também tem que fazer nossa parte, procurando soluções, propondo etc. Não podemos deixar tudo para as prefeituras."
O diretor executivo acredita que um dos principais avanços conseguidos pela atuação da entidade foi conseguir fazer com que alguns pontos fossem incorporados à discussão das políticas públicas. "Do ponto de vista da questão ambiental, isso foi um progresso muito grande, pois estamos tentando construir uma mentalidade coletiva. Precisamos cuidar da qualidade da água aqui na região, pois senão toda a nossa luta vai estar fadada a não dar em nada", diz Carvalho. E justamente para tentar construir esta "mentalidade coletiva" e influenciar de maneira mais estrutural nas políticas públicas aplicadas na região da região, representantes da STVBrasil participam do Conselho Estadual de Saúde, do Conselho Municipal de Saúde de Natal e, futuramente, haverá um representante no Conselho Municipal de Saúde de São José de Mipibu.
Além destas iniciativas dentro das linhas eleitas como prioritárias, a organização começou recentemente um projeto em outra área que pode ajudar a transformar a realidade de moradores e moradoras da região: trata-se do Semente Digital, que pretende iniciar na cidade um esforço de infoinclusão da comunidade. O projeto consiste em um curso de computação, proferido gratuitamente por um voluntário da organização. A primeira capacitação aconteceu em dezembro, quando 12 pessoas participaram da aula ocorrida na sede da entidade, aglomerando-se para acompanhar as lições apresentadas no único computador disponível para o curso. "Fizemos este treinamento com jovens e, depois do Carnaval, vamos discutir a possibilidade de fazer um para pessoas da terceira idade", esclarece Carvalho.
A organização, apesar de não contar com infra-estrutura nem verba para oferecer o curso plenamente e mais vezes, não cogita cobrar pela capacitação. "Não podemos fazer isso, por dois motivos: a atividade é voluntária (a pessoa não cobra para dar a aula) e, além disso, fugiríamos ao público-alvo. Nossa intenção é justamente atrair aquelas pessoas que não têm como pagar, as mais pobres, grande maioria da população do município", explica Carvalho. Segundo ele, quase todos os moradores de lá são servidores públicos e ganham, em média, um a dois salários mínimos por mês.
Não bastasse as diferentes áreas de atuação e projetos, a ONG realiza ainda um programa radiofônico semanal da rádio comunitária Olho D'água FM. Todo domingo, das 11h às 12h30, vai ao ar o programa Cidadania FM, que leva aos ouvintes informação sobre saúde da mulher, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, orientações de educação ambiental etc.
É mais uma tentativa da organização de combater uma série de problemas ligados à falta de informação, ao histórico de negligência dos governantes com a região, à pobreza e a carência da população. Mesmo confrontando de perto tudo isso, Carvalho não acredita que o maior desafio seja essa ou aquela mazela. Nem desnutrição infantil, nem gravidez na adolescência, nem poluição ambiental, nem proliferação da Aids. Para ele, a principal dificuldade é conseguir apoio e financiamento para as ações de combate a isso tudo. "O maior problema para nós é a manutenção dos projetos. O ideal seria que os governos incorporassem as atividades a seus programas ou às políticas públicas implementadas", diz Carvalho, sem desanimar e aproveitando para convidar qualquer pessoa a conhecer as belas praias da região - "e também o outro lado, a pobreza", como não poderia deixar de ser.
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