Autor original: Mariana Loiola
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
Após cumprir três anos de pena em regime fechado, Sandra Cristina de Medeiros, de 26 anos, tenta recuperar o tempo perdido com cursos de informática e planos de completar o primeiro e o segundo graus. Esse estímulo se deve à oportunidade oferecida por meio de um projeto do Movimento Tortura Nunca Mais (MTNM), em convênio com a Secretaria de Cidadania e Políticas Sociais de Pernambuco, que recebe homens e mulheres em liberdade condicional para trabalhar nos setores e projetos da instituição. Sandra, que trabalha como apoio no setor financeiro da entidade, é uma das quatro pessoas que participam atualmente desse projeto.
Chamada "Ressocializar", essa experiência foi implementada no início de 2003 e é a primeira desse tipo adotada por uma organização não-governamental no estado de Pernambuco. A necessidade desse projeto foi afirmada quando a equipe do MTNM - que promove cursos profissionalizantes (marcenaria, construção civil, jardinagem, direitos humanos etc.) voltados para presos e presas das unidades da Superintendência do Sistema Penal do Estado de Pernambuco (Susipe) - constatou a dificuldade de ex-presos(as) de entrarem no mercado de trabalho. "Antes, só órgãos públicos contratavam essas pessoas. Dificilmente havia aceitação por parte da iniciativa privada", diz Amparo Araújo, presidente do MTNM.
A seleção dos presos em liberdade condicional para trabalharem nos projetos do MTNM é feita por uma equipe técnica da Susipe, formada por psicólogos, assistentes sociais, entre outros profissionais capacitados. A ONG envia o perfil dos profissionais de que precisa - como jardineiro, marceneiro etc. - e pede apenas que os possíveis selecionados residam perto da sede da instituição. No momento, o projeto conta com uma auxiliar administrativa, um pintor, uma pessoa para serviços gerais e um engenheiro mecânico e eletricista. Todos trabalham em horário integral e recebem um salário mínimo, cesta básica e vale-transporte. Outro benefício é que, para cada três dias trabalhados, um é diminuído na pena.
Planos futuros
A próxima novidade do projeto será a contratação de mais sete presos em liberdade condicional para uma série de mutirões de limpeza nas escolas públicas do estado de Pernambuco. A ação fará parte do Programa Paz nas Escolas, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, da Presidência da República, que será responsável pelo pagamento desses trabalhadores, enquanto que o MNTM cuidará da sua organização. O grupo deverá dar um aspecto novo às instalações das escolas, com serviços de pintura, limpeza, eletricidade, encanamento etc. A idéia é que os mutirões sejam realizados em todos os períodos de férias escolares.
O MTNM pretende avançar ainda mais nessa proposta. De acordo com a presidente, todos os projetos da instituição a serem enviados às entidades financiadoras vão conter, em sua planilha de custos, pelo menos dois presos em liberdade condicional no quadro de funcionários. "Não sei como vai ser o impacto disso. Provavelmente seremos questionados. Nesse caso, nosso argumento é de que essas pessoas estão com a sua dívida parcialmente paga com a sociedade e precisam encontrar uma oportunidade de se reintegrarem; caso contrário, o nível de reincidência será aumentado", diz Amparo.
A entidade também pretende propagar a proposta entre outras organizações não-governamentais e estimulá-las a receberem presos em liberdade condicional em seus projetos. "Se eles não tiverem apoio do setores e pessoas mais progressistas da sociedade, como vão ter a oportunidade de que tanto precisam para se reinserirem?", indaga a presidente. Segundo Amparo, a contratação de presos em liberdade condicional também é vantagem para a instituição, do ponto de vista econômico, pois não exige nenhum encargo social e, dessa forma, minimiza os custos.
Mudança e aprendizado
O relacionamento entre os novos trabalhadores e os seus colegas de trabalho tem sido muito bom e o trabalho, desenvolvido sem problemas, segundo Amparo. "Os instrutores vêem a minha mudança e o meu interesse no serviço", diz o auxiliar de serviços gerais José Jordão, que ressalta ter aprendido muita coisa na prisão e que está regenerado.
A única dificuldade desses trabalhadores está em praticar a sua capacidade de ter iniciativa. "Como ficaram durante muito tempo vivendo sob disciplina carcerária, eles foram tolhidos na sua capacidade de iniciativa e criaram uma certa dependência. Eles nos pedem autorização para qualquer coisa que esteja fora da rotina de trabalho, por exemplo. Mas, aos poucos, têm recuperado essa capacidade de ir à luta e fazer sugestões", conta Amparo, que afirma não ter conhecimento das acusações pelas quais eles foram condenados. "Para nós, isso não faz diferença. Se a justiça deu a eles liberdade condicional é porque estão aptos a serem reintegrados. Sei apenas do caso da Sandra porque ela fez questão de nos contar".
Sandra, que foi condenada a cinco anos por tráfico de drogas, está escrevendo um livro para contar a sua história. No Programa Paz nas Escolas, ela deu seu depoimento para estudantes da rede pública sobre a sua experiência na prisão e a nova oportunidade de trabalho. "Quero aproveitar para conhecer novas pessoas, estudar muito e crescer mais a cada dia. Quero dar o melhor, tudo o que eu não tive, para os meus três filhos", diz, confiante.
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