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Relatório sobre crimes contra crianças e adolescentes em Passo Fundo e região

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original:

*A íntegra do relatório está disponível na área de Downloads, ao lado.

Apresentação






Relatório sobre crimes contra crianças e adolescentes em Passo Fundo e região


A Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF), organização não-governamental filiada ao Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), apresenta ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) o presente Relatório. Com este instrumento, entre outros objetivos, a CDHPF visa registrar sumariamente os casos de assassinatos de crianças e adolescentes, bem como encaminhar os relatos dessas, violações às autoridades públicas, a fim de subsidiá-las numa possível análise e encaminhamento de posicionamento.

O Relatório abordara o tema em três partes: primeiro, faz um breve resumo de todos os casos de assassinato; segundo, faz uma reconstrução mais detalhada dos seis casos ocorridos em Passo Fundo; terceiro, apresenta uma lista de sugestões de recomendações. Todos os relatos foram feitos a partir de informações colhidas em sua maioria em periódicos locais e regionais. Embora a imprensa escrita possa ser considerada um espelho da realidade, sabe-se que se trata de fonte secundária de pesquisa. Todavia, como todos casos correm em segredo de justiça, haja vista a idade das vítimas, não se tem acesso aos autos dos procedimentos investigatórios e judiciais. De qualquer forma, importante observar que os dados coletados e ora apresentados constituem um trabalho preliminar, sendo que, na medida do possível, estar-se-á complementando o relatório, fundamentando-o em outras fontes. Acompanha o presente também um Dossiê com farto material de imprensa.

A preocupação da CDHPF justifica-se no fato de que em cidades localizadas no norte do Estado do Rio Grande do Sul registrou-se a morte de quatorze jovens: Passo Fundo (seis meninos), Erechim (uma menina), Soledade (quatro meninos), Espumoso (um adolescente), Lagoa Vermelha (um adolescente) e Sananduva (um adolescente) em um período aproximado de 15 meses.

Cabe frisar que, com a prisão de Adriano da Silva, em 06/01/2004, e sua confissão inicial de ter cometido 12 mortes – posteriormente voltou atrás, tendo assumido oito – veio à tona uma sucessão de erros e graves equívocos nas investigações policiais. Isso pode ser vislumbrado, entre outros aspectos, na questão da polícia anteriormente à confissão de Adriano, em nenhum momento, ter admitido e trabalhado na hipótese de assassinatos interligados. Prova disso é que nunca foi divulgada à imprensa a hipótese dos crimes estarem ligados, tanto que a polícia já acreditava ter resolvido pelo menos 6 dos 12 assassinatos. Exemplo, ainda, nota-se no inquérito policial que indiciou sete adolescentes como sendo os autores do assassinato de Volnei Siqueira dos Santos. Os sete indiciados e denunciados por ter confessado sob tortura – segundo declarações destes em juízo – permaneceram durante 62 dias recolhidos no Centro de Atendimento Sócio Educativo (Case). Somente foram liberados pelo juiz da Infância e Juventude Clóvis Guimarães de Souza em razão de o exame de DNA confrontado com o sangue deles ter dado negativo. Acerca dessas irregularidades e alegações na fase investigatória do crime do adolescente Volnei, a CDHPF requereu ao MPE para que averiguasse e informasse expressamente sobre todas as provas coletadas em desacordo com os parâmetros legais, assim como para que tomasse as providências para que aqueles sete adolescentes suspeitos fossem submetidos a exames de corpo de delito e avaliações psicológicas. Ocorrendo a prisão de Adriano Vicente da Silva, os resultados dos exames de DNA, realizados no Laboratório de Perícias do Instituto Geral de Perícias apontaram como sendo de Adriano o sêmen encontrado nas roupas de Volnei. Outra questão é que em 1º novembro de 2003 Adriano da Silva foi levado a uma delegacia em Passo Fundo, por avô da criança Leonardo, sob suspeita de ser responsável pelo desaparecido do menino. Na ocasião, o suspeito apenas forneceu o nome de seu irmão, Gabriel da Silva. Ao dizer que havia perdido a identidade, foi libertado no mesmo dia, sendo que a autoridade policial sequer fez a oitiva das testemunhas que haviam sido levadas até ela antes de proceder à liberação do suspeito. Mais tarde, a polícia descobriu que era Adriano da Silva.

Os revoltantes crimes acabaram por evidenciar o despreparo dos agentes do sistema de justiça segurança, pois, além de em certos momentos mostrar-se despreparada tecnicamente, a polícia civil, ao que se percebe até então, não conseguiu elucidar nenhum dos casos. Não bastasse isso, a postura adotada por alguns representantes do Ministério Público Estadual frente à comunidade em geral foi, no mínimo, inadequada ou inoportuna, como dizer, confundindo-se com o gestor público, que Passo Fundo tratava-se de uma das cidades com a melhor rede de proteção das crianças e adolescentes, quando parece pública e notória situação de risco da população infanto-juvenil nesta cidade, assim como referir que a posição do Ministério Público dava como encerrado, solucionado, o emblemático caso Volnei.

Pode-se dizer, ainda, que as mortes e desaparecimentos trouxeram à tona a ineficiência ou inexistência de políticas municipais de atendimento à população infanto-juvenil em situação de risco pessoal e social, demonstrando que a Administração Pública Municipal não cumpre com seu dever de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos e a proteção das crianças e dos adolescentes, como determina a legislação nacional e internacional. Em face disso, a Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF) solicitou ao Ministério Público Estadual (MPE) a instauração de Inquérito Civil Público contra o Poder Executivo Municipal de Passo Fundo, a fim de investigar as possíveis violações de direitos humanos decorrentes da omissão ou incompetência administrativa e orçamentária do correspondente gestor público. Outra medida tomada pela CDHPF junto ao MPE foi o requerimento da abertura de Inquérito Civil Público para averiguar indícios de graves falhas, ilicitudes e/ou irregularidades no Conselho Tutelar de Passo Fundo.

Nessas primeiras linhas introdutórias, ainda, convém descrever que o perfil socioeconômico dos meninos mortos e desaparecidos revela tratar-se de pessoas humanas em desenvolvimento que foram forçadamente demitidas da infância e da juventude. Afinal, como forma de ajudar na renda familiar, todos exerciam algum trabalho infantil informal nas ruas da cidade de Passo Fundo. Assim, pode-se perceber que todos esses crimes estão diretamente ligados aos problemas sociais, como situação de desemprego, de extrema pobreza ou miséria das famílias e de um conjunto de outros fatores de exclusão social que tornaram esses garotos mais vulneráveis. Esse quadro, por si só, já traduz a violação de direitos humanos a que estavam submetidos.

Por fim, a partir dos registros dos casos, ao cabo deste relatório, faz-se necessário formular algumas propostas de recomendações de ações direcionadas as instâncias públicas do executivo, legislativo e judiciário e aentes como Ministério Público Estadual, o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente e o Conselho Tutelar, além de outras autoridades competentes. Tais recomendações, entre outras utilidades, poderão ser adotadas como subsidio inicial, no sentido de pressionar autoridades governamentais a realizar políticas públicas de proteção e promoção dos direitos humanos da população infanto-juvenil, bem como de cobrar das autoridades policiais e judiciárias uma investigação e solução séria, rápida e efetiva para todos casos que se encontram, ainda, sem solução.





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