Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Quando o governo Lula foi eleito, a maior aposta de ONGs e movimentos da sociedade civil era de que o desenvolvimento social - relegado a segundo plano ao longo de várias gestões federais, preterido frente aos compromissos de crescimento econômico - iria finalmente deslanchar. No final de 2002 e no início de 2003, o então recém-eleito presidente aguçou esta expectativa anunciando, mesmo antes de ser empossado, que o combate à fome seria prioridade em seu governo. Já tendo assumido o cargo, seguiu lançando projetos que, em sua maioria, traziam a promessa de resultados positivos e relativamente rápidos para os diversos problemas que enfrenta a população mais carente no país.
No entanto, passados 13 meses do início da gestão Lula da Silva, pouco se tem visto em termos de resultados. As boas intenções têm esbarrado na pouca organização para conduzir e implementar os programas que poderiam transformá-las mais rapidamente em resultados palpáveis. Agora que a reforma ministerial "sacudiu" a área social do governo, fica a pergunta: as mudanças vão conseguir colocar as ações no caminho certo?
A confiança na competência de Patrus Ananias (PT-MG), que vai ocupar o recém-criado Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, é grande por parte de políticos e militantes sociais. O novo órgão, criado pela Medida Provisória 163, publicada na edição extra do Diário Oficial do dia 23 de janeiro, reúne e substitui o Ministério da Assistência Social, o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome e a Secretaria Executiva do Programa Bolsa Família. Ananias terá a missão de liderar o órgão que pode se tornar a menina dos olhos do governo - uma vez que engloba o Fome Zero, programa prioritário, e vai consolidar a tão comentada unificação dos programas de transferência de renda.
Com fama de discreto, ponderado e muito religioso, Ananias é lembrado pela boa gestão que fez na Prefeitura de Belo Horizonte, de 1993 a 1996, quando deixou o cargo com 85% de aprovação, e por ter sido eleito para a Câmara dos Deputados com a maior votação da história de Minas Gerais: 520.048 votos. Ele parece ter consciência dos desafios que o esperam. Em matéria do jornal O Globo de 27 de janeiro, afirma: "Se nós formos fazer um levantamento, veríamos que, certamente, outros ministérios têm mais recursos do que o que eu estou assumindo. Mas já estamos fazendo um levantamento dos projetos prioritários para o governo. O desafio é maximizar recursos, estabelecer projetos viáveis e produzir o máximo com o mínimo de recursos", fazendo alusão ao fato de o ministério que comanda não contar com o que seria uma verba ideal para uma gestão eficaz. Segundo a mesma matéria, ele teria dito que a maior parte do orçamento está vinculada a benefícios definidos na Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) ou a transferências de renda e recursos para programas como o Bolsa Família, que atende hoje 3,6 milhões de famílias.
Balanços e mudanças necessárias
Desafio também será bloquear a idéia crescente de que este governo tem, a exemplo de vários outros, privilegiado a política macroeconômica, mesmo que isso signifique prejudicar outras áreas. "Na área de relações exteriores, indústria e comércio, o governo tem ido muito bem. Na da saúde, o ministério conseguiu implementar coisas novas e não perdeu as virtudes do governo anterior. O ministro Humberto Costa mostrou maturidade política. Já na área da educação, por exemplo, foram cometidas muitas falhas, como o fato de criticar tudo que a gestão anterior fez", disse à Rets a Dra. Zilda Arns, presidente da Pastoral da Criança, fazendo um balanço do que percebeu em pouco mais de um ano de governo.
Ela se destacou há alguns meses por ser uma das primeiras pessoas a questionar a condução do Fome Zero. A força da sua atuação e sua representatividade só fizeram ecoar ainda mais as críticas. Para ela, o Fome Zero entrou com muita força, com muita divulgação na mídia, porém com pouco planejamento. "Ficar exigindo notas fiscais, por exemplo, é uma perda de tempo e desperdício de esforço. Foi uma questão de não dar valor aos valores", diz a Dra. Zilda.
Porém, não são todos os militantes e membros de ONGs que têm feito críticas tão abertamente, em parte por ainda estarem "dando um tempo" para que os programas do governo engrenem, respeitando as dificuldades que todo começo impõe, em parte pela dificuldade de criticar um governo que as próprias organizações da sociedade tanto defenderam e ajudaram a eleger. É sobre isso que chama atenção a diretora no Rio de Janeiro da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong-RJ), Tatiana Dhamer: "A sociedade civil organizada ajudou a eleger este governo e, por isso, tem dificuldade de criticar. E até porque muitos quadros de organizações não-governamentais migraram para o governo. Ou seja, muitos que estão lá são amigos. Mas, as organizações da sociedade civil precisam se diferenciar. Precisam ter alteridade - e acho que essa é a grande palavra - para criticar. Porque a verdadeira democracia precisa de uma sociedade civil forte", alerta.
João Paulo Rodrigues, membro da Coordenação Nacional do MST, demonstrando em parte a dificuldade de criticar mencionada por Tatiana, afirma que "neste primeiro semestre, temos evitado dar palpites sobre mudanças no governo, justamente para manter a nossa autonomia a preservar a autonomia do próprio governo. Porém, do ponto de vista político - e sem querer entrar no mérito das pessoas que estão no governo, que não é o caso -, a nossa avaliação é de que precisamos melhorar bastante, já que as ações sociais do governo neste primeiro ano foram muito deficientes", avalia.
Para ele, de modo geral, "o Fome Zero é um bom programa, tem uma boa concepção e foi elaborado ao longo de vinte anos, pois as pessoas que estão hoje no governo vieram, em sua maioria, dos movimentos sociais. O problema é garantir que as metas estabelecidas sejam cumpridas e o aspecto social seja prioritário. O ministro Patrus Ananias fez um bom trabalho em Minas Gerais e tem toda a experiência do mundo, mas o sucesso das políticas sociais não depende só dele. Eu acredito que a figura do presidente Lula será fundamental nesse processo, para garantir essa prioridade", defende Rodrigues.
A Dra. Zilda Arns também se diz confiante no ministro Patrus Ananias - "Ele é humilde, tem experiência, sabe onde pisa e é discreto", elogia -, concorda que é necessário cumprir os objetivos expostos e vai além: "O que fracassou até agora foi em função da falta de planejamento. Foi isso que faltou para que o Fome Zero tivesse mais êxito no seu primeiro ano. Precisa-se mostrar, na prática, que o governo quer e vai mudar esta situação. Acredito também que é importante pensar na descentralização do programa, em um país tão grande e diverso como o nosso".
Tatiana, para quem a colocação em prática das ações planejadas também é a principal atitude necessária, alerta que centralização em um ministério não significa centralização no governo federal. "A centralização pode ser algo bom, sim; pode tornar mais eficazes as ações. Permite entender as complementaridades dos programas, a melhor identificação das famílias a serem incluídas, entre outras vantagens. Mas, certamente, isso tem que ser feito com a participação dos estados e municípios. Por que o presidente entregou a reforma previdenciária ao Congresso Nacional na presença dos 27 governadores? Para ressaltar e demonstrar que eles estão envolvidos nas mudanças necessárias para melhorar a situação do país. E essa articulação com os governos locais está sendo feita. Há que se ressaltar que uma das coisas mais exitosas do governo Lula foi a criação do Ministério das Cidades, que está conseguindo fazer a interlocução com os municípios", diz.
Tatiana acredita que a extinção do Ministério da Assistência Social foi um equívoco e que ações de seguridade social precisam estar na pauta do novo ministério. Dra. Zilda entende que há muita coisa boa que pode ser ampliada, "como a assistência aos idosos, o Bolsa-Escola e o Bolsa-Família", indica.
Trabalho conjunto e contribuição da sociedade civil organizada
Um dos pontos recorrentes quando se fala em sucesso da área social é a necessidade de articulação entre os ministérios e programas. Afinal, se indivíduos e populações têm problemas e necessidades complexas e interligadas, assim elas devem ser entendidas e enfrentadas. O próprio ministro Ananias demonstrou ser dessa opinião: "Além de garantir a continuidade dos programas prioritários, como o Fome Zero e o Bolsa-Escola, o ministério quer garantir as transferências de recursos e trabalhar com outras pastas para levar a política de segurança alimentar aos grandes centros urbanos", afirma notícia do jornal O Globo de 27 de janeiro. "É impossível pensar na saúde sem pensar na alimentação, no trabalho e na educação. Há interação permanente", diz, em citação da mesma matéria. Sobre isso a presidente da Pastoral da Criança diz que é preciso haver uma articulação inter-setorial, envolvendo habitação, transporte, saúde etc.
Porém talvez a principal área com que este novo ministério tenha que se articular seja justamente a econômica. O motivo é simples: para implementar boas políticas públicas - incluindo tanto ações emergenciais quanto estruturais - é preciso ter recursos financeiros suficientes. "O principal problema que a área social do governo tem enfrentado é o contingenciamento econômico. Será preciso pressionar pela liberação de verbas e geri-las bem. A unificação dos programas de transferência de renda pode trazer mais eficácia, mas isso vai depender da liberação de recursos", diz Tatiana, que também é integrante da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase).
Segundo ela, a política macroeconômica tem estado em primeiro plano, e ela preconiza que é importante crescer para que haja recursos a serem investidos nos programas sociais. "Mas nós já provamos dessa idéia de crescer o bolo para depois repartir - e não deu certo. Aliás, foi ela que gerou crises na América Latina, como na Argentina. O país está se guiando demais pela lógica de credibilidade internacional, de ter uma boa capacidade de endividamento. Temos procurado gerar superávit somente para pagar a dívida externa", avalia Tatiana. "Na verdade, as duas coisas estão muito interligadas: o desenvolvimento econômico está muito atrelado à boa situação social da população e vice-versa", conclui.
João Paulo Rodrigues, do MST, concorda. "O desempenho do governo Lula na área social e no combate à fome poderia ter sido melhor, com políticas mais abrangentes e massivas. Na verdade, faltam políticas estruturais e o grande problema é a política econômica muito conservadora que vem sendo adotada. Um bom desempenho na área social vai depender das políticas de geração de emprego, de reforma agrária, de combate à fome etc., mas, acima de tudo, da revisão da atual política econômica", diz.
Um bom alento para ONGs e movimentos é a disposição que este governo tem demonstrado para escutar as demandas e considerações da sociedade civil organizada. Além da consulta sobre o Plano Plurianual (PPA) - feita em todos os estados, com o auxílio de ONGs na sua organização -, foram realizadas seis conferências nacionais, de cujos processos preparatórios as entidades puderam participar, elegendo delegados para os eventos nacionais. Foram elas: de Assistência Social, das Cidades, de Saúde, de Farmácia, do Meio Ambiente e a de Segurança Alimentar, que está atualmente na etapa municipal. "Temos tido bom diálogo com o governo. Eles têm nos escutado. A própria política de reforma agrária, apesar de tímida, é um reflexo disso", reconhece Rodrigues.
Tatiana elogia e mostra o quão são importantes tais medidas deste governo. "Nunca se dialogou tanto com a sociedade civil. Através das conferências, da consulta ao PPA e dos diversos conselhos - que, mesmo com seus limites, são um espaço de conversa e de troca de idéias. O Estado está se abrindo à pressão da sociedade civil", diz. "O problema é que este governo não pode errar. E a sociedade civil pode ajudar nisso", completa.
Para a Dra. Zilda Arns, essa relação precisa e deve ser reforçada, principalmente naquilo que acredita que precisa ser feito com rapidez: a colocação em prática das ações. "As organizações têm muito a contribuir. Podem ser muito úteis na identificação de necessidades, problemas e soluções e ajudando com seu know-how, suas experiências. Porém sempre é preciso planejar bem as ações, para que sejam eficientes e eficazes", diz.
Perguntada se acredita que o governo Lula ainda pode "mudar o Brasil", ou ao menos encaminhá-lo para o rumo certo da justiça social que tanto se almeja, a presidente da Pastoral da Criança, politicamente, diz que vai esperar até o final de 2004 para responder: "Neste ano, vai entrar nos eixos. Ao final deste ano, vou poder dizer melhor", finaliza.
Tomara que a esperança e a expectativa de cidadãs e cidadãos também tenham uma sobrevida de mais um ano.
Maria Eduarda Mattar. Colaborou Fausto Rêgo
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