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A sociedade civil contra-ataca

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Artigos de opinião

Ricardo Alberto Arrúa*






A sociedade civil contra-ataca


Uma verdade incontestável, não só no mundo da física, é a Lei de Newton conhecida como a de ação e reação. Ela afirma que “sempre que uma força atua, é produzida também uma reação de igual tamanho e quantidade, mas em sentido contrário”. A experiência permitiu comprovar que isso é aplicável em diversos âmbitos da vida cotidiana, entre eles o da política.

Ninguém ignora que os Estados Unidos, ainda ferido em seu orgulho pelo ataque terrorista de 11 de setembro, uma brutal e irracional reação a sua histórica política de submissão imperial, modificou muitos de seus objetivos estratégicos e elegeu o ponto de confluência entre Argentina, Brasil e Paraguai como um de seus objetivos militares.

A suposta existência de células terroristas, que no pior dos casos reconhecem como adormecidas, traveste-se de pretexto para ter acesso de forma silenciosa e supostamente justificável à maior reserva de água doce do planeta: o Aqüífero Guarani.

Tal pretensão não passa despercebida pela Sociedade Civil, que, pelo contrário, prepara-se para oferecer como reação a esse objetivo irracional a conjunção de suas mais importantes armas: a mobilização, o debate, a resistência pacífica, a inteligência coletiva e as propostas alternativas.

Enquanto em Buenos Aires o coordenador norte-americano na luta contra o terrorismo, Cofer Black, ressaltou que “a Argentina é muito boa camarada dos Estados Unidos na luta contra o terrorismo”, perante o vice-presidente Daniel Scioli, os ministros Aníbal Fernández (Interior), Gustavo Beliz (Justiça) e José Pampuro (Defesa), além do secretário geral da presidência Oscar Parrilli e do chefe da Side [Secretaria de Inteligência do Estado], Héctor Icazuriaga, um grande e representativo grupo de membros da sociedade civil se reuniu em Puerto Iguazú para organizar a resistência à presença estadounidense na Tríplice Fronteira.

Vindos de vários pontos da América Latina, principalmente dos três países aos quais pertence a suposta zona de conflito, os participantes lançaram as bases constitutivas para um espaço com características latino-americanas e planetárias de debate, propostas e resistências, como o que ocorrerá no Fórum Social da Tríplice Fronteira, que terá Puerto Iguazú como anfitriã este ano e sua vizinha Foz do Iguaçu, em 2005.

A iniciativa pretende não cruzar braços enquanto os poderosos do planeta aquecem a zona, e, para estruturar a resistência, nos dias 25, 26 e 27 de junho, os que jogam forte por uma alterglobalização - uma globalização alternativa à neoliberal em vigor - desembarcarão na região deixando claro que não vão admitir.

O fórum ainda está em uma etapa embrionária, na qual a CTA [Central de Trabalhadores da Argentina] de Puerto Iguazú assumiu o enorme compromisso de levar adiante a sua organização. Mas, para o êxito da mesma, ela necessariamente deverá somar-se a outros setores da sociedade civil local, como a Universidad Nacional de Misiones, suas organizações de docentes, de não-docentes e estudantes.

A presença do Fórum Social Paraguaio, dos Comitês de Mobilização do Fórum Social Mundial, pertencentes a Buenos Aires, Santa Fé, Córdoba, Mendoza, União de Mulheres da Argentina, as CTA de Iguazú, Oberá, Coletivo Assembléias Autônomas de Buenos Aires, o departamento de Antropologia da Birghamton University (Nova York), Mulheres e Juventude da Federação Agrária Argentina, Movimento de Muralistas Revolucionarte-Mendoza, Fórum Intergeneracional, MTD [Movimento de Trabalhadores Desempregados] de La Matanza e diversas organizações de base de Foz do Iguaçú e representantes do Chile, da Colômbia e de outras províncias argentinas, entre outros, além das múltiplas adesões vindas dos lugares mais recônditos do planeta às reuniões preparatórias, demonstram o crescente interesse pela conformação do âmbito de discussão na controvertida Tríplice Fronteira.

Contra-ofensiva

A mensagem de Cofer Black em Buenos Aires aos ministros kirchneristas foi muito clara quando afirmou que “neste momento não conhecemos nenhuma célula operante da Al Qaeda na Tríplice Fronteira” e considerou que “foi a vigilância que dissuadiu os terroristas” - o que, lido de outra maneira, indica que pretende dar a entender que é necessária a vigilância estadounidense para que o centro nevrálgico do Aqüífero Guarani esteja livres de células terroristas.

Esse paternalismo não é desinteressado e parece confirmar que os poderosos do planeta - em termos bélicos, pelo menos -, depois de terem ido a sangue e fogo por petróleo, começaram sua ofensiva pela água doce, que por enquanto é diplomática, ainda que nada indique que as ações tenham outra natureza.

A resposta civil não deve e, de fato, não se fará esperar, e o pronunciamento dessas pouco mais de 50 organizações sociais e numerosos cidadãos independentes demonstra que assim será; que uma pequena pedra iniciou seu caminho para criar a avalanche que freará a militarização da região.

Não faltará quem diga que a mobilização do debate e as propostas alternativas não bastarão para frear as pretensões estadunidenses na Tríplice Fronteira, mas, como bem disse a escritora indiana Arundhati Roy no Fórum Social Mundial, em Mumbai, Índia, ao referir-se aos protestos contra a invasão no Iraque, se a mobilização de dez milhões de pessoas não a conseguiu deter não é porque as mobilizações não sirvam, mas porque é necessário levá-las mais adiante, afiar essa “arma preciosa”. Afiá-la dependerá da inteligência coletiva de quem se reunir no Fórum da Tríplice Fronteira e a diversidade temática que os participantes abordarão, os pontos de vista ideológicos variados, a convergência dos objetivos, os consensos a se atingir e os dissensos respeitáveis que forem alcançados para se oporem à militarização e proporem alternativas à atual globalização, que - longe de propiciarem um isolamento - buscarão, pelo contrário, outra forma, voluntária e não forçosa, eqüitativa e não desigual, participativa e horizontal para a integração global.

Seria pretensioso crer que o Fórum, que terá como sede Puerto Iguazú, atingirá todos esses objetivos. Por isso, é importante saber que dos fóruns sociais de Porto Alegre emergiram muitos outros de orientação análoga, levados adiante por países e continentes, a partir dos quais emerge um sem-número de propostas alternativas à mundialização enfraquecida ou plataformas de resistência, que vão formando uma ação comum para todo o movimento alterglobalizador.

Isso nos dá uma mostra de que os 30 mil habitantes de Puerto Iguazú (Argentina), os 270 mil de Foz do Iguaçu (Brasil) e os 170 mil de Ciudad Del Este (Paraguai) não estão sós. Para deter a militarização de seu território, há vários milhões de cidadãos do mundo que os apóiam.

*Ricardo Alberto Arrúa é jornalista da revista argentina Território Digital (www.territoriodigital.com), onde esse artigo foi publicado originalmente.


Tradução de Marcelo Medeiros


Nota da Redação: Aqüífero Guarani é um grande reservatório subterrâneo de água potável - o maior da América Latina e provavelmente do mundo. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), ele está distribuído por 1,2 milhão de quilômetros quadrados, onde há 45 trilhões de metros cúbicos de água (algo em torno de 45 quatrilhões de litros de água). Da área total, 71% está no Brasil, 19% na Argentina, 6% no Paraguai e 4% no Uruguai. Os estados brasileiros pelos quais o aqüífero passa são Goiás, Minas Gerais, Mato Grasso do Sul, Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.

Ainda de acordo com o MMA, 25% do volume de recarga anual (águas da chuva que entram no Aqüífero), ou seja, 40 quilômetros cúbicos, poderiam ser consumidos sem comprometimento das reservas. Toda essa água seria suficiente para abastecer 15 milhões de pessoas ou para gerar energia termal, pois atinge altas temperaturas em alguns pontos. Atualmente, somente 5% são utilizados.

No Brasil, parte desses recursos está ameaçada pela poluição. A construção de poços e o uso de agrotóxicos nas proximidades das áreas de recarga podem contaminar lençóis freáticos e rios.





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