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De Londrina a Pindorama

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor





De Londrina a Pindorama


O músico Aldo Moraes participava de uma das aulas do programa social Usina do Conhecimento, do governo do estado do Paraná, quando foi surpreendido por um jovem de 14 anos. Enquanto tocava, viu o rapaz pegar uma lata de lixo para acompanhá-lo, improvisando uma percussão. Teve início ali uma relação que se consolidou anos depois, quando Aldo criou um projeto que pretendia usar a música como veículo de transformação social e imediatamente se lembrou daquele garoto. Foi a partir daí que a vida de Alison Vieira da Silva começou de fato a mudar.

Seu pai era policial e se envolveu com uma quadrilha de ladrões de gado. Foi preso e expulso da corporação, mas conseguiu fugir da cadeia. A família o acompanhou na fuga e foram morar em Rondônia, onde ele se meteu em nova confusão e matou três pessoas. Tiveram de se mudar às pressas novamente e continuar a via-crúcis, que atravessou fronteiras até chegar a Londrina.

Alison aceitou o convite e tornou-se um dos primeiros alunos do projeto Batuque na Caixa. A repercussão em sua vida foi imediata. “Eu vinha de uma série de problemas. Meu pai era alcoólatra, agredia minha mãe, e eu consegui ajudar a acabar com 20 anos de sofrimento dela. Foi uma transformação completa para a minha vida e a minha família”. Hoje sua mãe mora em Londres e os dois se comunicam pela Internet. Alison, em pouco tempo, passou de aluno a professor.

Conservatório itinerante

O Batuque na Caixa teve como inspiração o cotidiano da comunidade de Cinco Conjuntos, na periferia de Londrina, onde Aldo Moraes foi criado. A região era constituída basicamente por operários e colonos e havia grande dificuldade de acesso a bens culturais e educação – não havia escolas próximas. Uma barreira que Aldo teve de superar para tornar-se músico. Filho de uma cantora de rádio, Aldo teve desde cedo uma ligação forte com a arte e procurava participar dos movimentos culturais organizados na comunidade. Trabalhou como eletricista e cobrador de ônibus antes de iniciar seus estudos musicais com o maestro Gervásio Basílio Nunes e o professor Hans Joachin Koellreutter.

Em 1996, junto com um grupo de amigos ligados à Universidade Estadual de Londrina, criou o Instituto Cultural Arte Brasil, que se dedicaria a iniciativas de inserção social voltadas para comunidades de baixa renda. Inicialmente, as atividades realizadas foram cursos, palestras e oficinas. “Em 1998, achamos que podíamos ajudar jovens que tinham dificuldade de acesso a bens culturais e começamos a desenvolver um projeto chamado Batuque na Caixa”, conta.

A idéia saiu do papel no ano seguinte, inicialmente com 250 crianças de um albergue infantil, a Casa do Caminho. “Fizemos um mapeamento do interesse dos alunos e dedicamos uma atenção especial aos instrumentos de percussão, por serem mais baratos e de mais fácil aprendizado. Alguns alunos não tinham tanto talento, mas mostravam interesse por arte, razão pela qual começamos a fazer cursos de teatro, desenho, pintura e grafite”, explica. “Nosso interesse não é apenas a música, mas a conscientização cultural e o desenvolvimento de uma identidade cultural”, afirma Aldo.

Mesmo com poucos recursos e sem sede própria, o Batuque na Caixa ampliou sua atuação, chegando a outras comunidades – geralmente localizadas em áreas de risco ou assentamentos. O projeto funciona como um “conservatório itinerante”: cada dia em uma comunidade diferente, utilizando espaços cedidos por associações de bairro ou pais de alunos. O projeto conta hoje com dez professores fixos – todos ex-alunos – e cinco voluntários.

Aldo lembra que as atividades são realizadas de segunda a sexta, das 9h às 18h. “Os professores vão ao local onde estão os instrumentos e os materiais e passam o dia todo lá. A cada hora, uma turma nova entra. Simultaneamente, ocupamos três ou quatro salas. Alunos com problemas, que estão na rua e têm disponibilidade, ficam o dia todo acompanhando as aulas ou auxiliando nas tarefas”. Quando há apresentações, um ônibus é alugado para transportar os alunos e os instrumentos.

As preferências musicais, naturalmente, são variadas. Por isso uma das metas é justamente a formação de grupos diversos - de música de câmara, rock, choro, MPB e hip-hop. “Com uma sede própria pronta e material humano bem preparado, a gente pode buscar a organização e manutenção desses grupos”, acredita Aldo.

O sonho da sede parece, pelo menos, mais próximo. Um arquiteto e um engenheiro se ofereceram para elaborar um projeto e a luta, agora, é pela doação de um terreno para a construção da casa. A expectativa é que as obras comecem ainda neste ano. Os recursos ainda não são muitos – a iniciativa conta com o apoio do Instituto Júnia Rabello, que financia a compra de materiais e parte das atividades, e da Caixa Econômica Federal, nas apresentações e nos ensaios. Vale dizer que, apesar da coincidência, o nome do projeto não está ligado ao patrocínio.

O grupo conseguiu ainda gravar um disco, em 2002, com a participação de 32 jovens. O CD “Arte Brasilis” foi coordenado pelos professores do projeto e inteiramente interpretado por alunos, que também criaram algumas das composições. A tiragem foi pequena e está esgotada, mas é possível que outra “saia do forno” em abril.

Pindorama

Para o criador do Batuque, o grande objetivo desse trabalho vai muito além da revelação de novos talentos, da música ou da arte em si. “Queremos passar aos jovens a consciência de que a vida deles pode se transformar a partir do momento em que assumem uma postura positiva de enfrentamento das dificuldades”, defende Aldo. “A partir daí, eles podem buscar o encontro com outras realidades e com eles mesmos”.

Hoje, são cerca de 600 alunos atendidos pelo projeto e uma trajetória em que não faltaram momentos de especial emoção. O garoto Alison, por exemplo, já teve oportunidade de tocar com um ídolo, o percussionista Naná Vasconcelos. Outros artistas também dividiram o palco com os meninos e as meninas do Batuque na Caixa, entre eles Hermeto Paschoal, Alcione e Altamiro Carrilho. “Dividir o palco com esses artistas deu a eles a dimensão de que não eram apenas um grupo de excluídos tocando, mas que eles podiam, sim, desenvolver um trabalho sério”, analisa Aldo.

Aos 22 anos, Alison é grato pelas oportunidades que teve e se orgulha do trabalho que ajuda a realizar. “O Batuque tem cinco anos, apesar das dificuldades, e está de pé ainda porque a gente é ‘do bem’”, afirma. Por ser “do bem”, ele quer ajudar a transformar as vidas de outros jovens. Por isso, sem abandonar o Batuque, decidiu iniciar o seu próprio projeto, para beneficiar a comunidade de Maria Celina, onde mora. O nome é Pindorama – termo usado pelos indígenas para se referirem ao Brasil, antes da colonização. “Houve uma transformação completa na minha vida e na da minha família”, diz ele. “Eu fui ajudado, agora quero ajudar”.

Interessados em entrar em contato com o Batuque na Caixa podem usar o endereço eletrônico aldombatuque@bol.com.br.

Fausto Rêgo

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