Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Novidades do Terceiro Setor
![]() Nova marca para organizações que praticam comércio justo | ![]() |
Durante a quarta edição do Fórum Social Mundial, realizado em Mumbai, Índia, ao longo de cinco dias de janeiro, foi lançado um selo que atestará o trabalho de organizações sociais e cooperativas na produção de bens realizada de acordo com os preceitos do comércio justo. A iniciativa é da Associação Internacional de Comércio Justo (Ifat, na sigla em inglês), primeira entidade a reunir produtores envolvidos nesse tipo de troca - ainda pouco representativa em termos de volume de vendas, mas em rápido crescimento.
A idéia da marca é distinguir as organizações que produzem qualquer tipo de bem de acordo com as regras do comércio justo – e não se trata apenas de produtos alimentares, como é mais comum. Dessa maneira elas poderiam valorizar seus produtos, cujos consumidores estão preocupados com a exploração do trabalho em países em desenvolvimento e concordam em pagar um pouco mais para ter a garantia de que seu consumo não contribui para o aumento da pobreza.
Para receber a certificação, é preciso, em primeiro lugar, ser afiliado à Ifat. Isso significa preencher oito pré-requisitos: compromisso com o comércio justo; transparência e prestação de contas; preços justos, ou seja, valorização do bem-estar dos trabalhadores e seus familiares em vez do lucro; melhora na condição social das mulheres; condições de trabalho saudáveis e seguras; sustentabilidade ambiental; capacitação, relações de longo prazo e facilitação de acesso a mercados e créditos; e promoção da atividade. A organização cobra anualidades de acordo com o tamanho da entidade proponente e sua origem. Aceita também a filiação de pessoas físicas, como pesquisadores. Todas as 200 filiadas, espalhadas por 59 países, receberão o selo em breve.
Até agora, apenas produtos recebiam marcas identificadoras de produção ética e solidária. Elas são concedidas há dez anos pela Fair Trade Labeling Organizations International (FLO), entidade que reúne todas as outras associações de comércio justo, inclusive a Ifat. A FLO certifica sucos, café, cacau, algodão, chá, açúcar, bolas esportivas, banana, mel e arroz. E os consumidores cada vez mais sabem disso: dados da entidade afirmam que 33% das pessoas da Europa, dos Estados Unidos e do Canadá conhecem o selo.
O problema é saber se há observância dos preceitos de comércio justo em todas etapas da cadeia comercial. Muitas vezes, apesar de o bem ser produzido de acordo com as normas da área, seus revendedores não as adotam nos pontos de venda.
“Decidimos ter uma abordagem organizacional. Isso significa que agora é possível distinguir organizações de comércio justo de outras cujo envolvimento com a prática não é total, pois apenas comercializam produtos com a marca da FLO”, diz Anna Palmer, assistente de comunicação da Ifat. Como exemplo, cita a cadeia internacional de lojas de café Starbucks, que não está presente no Brasil. “Ela vende alguns produtos certificados, mas não adota todos os critérios em suas unidades, por isso não poderia ganhar o selo da Ifat”.
Outro problema, segundo a inglesa, é que as certificações estão normalmente voltadas para bens alimentícios, fazendo com que produtores de manufaturas não tenham como comprovar a origem do que estão vendendo. De acordo com dados da Ifat, os principais bens vendidos com o selo de comércio justo variam de acordo com a região. Nos EUA e na Europa, o café lidera. Já no Japão, na Austrália e na Nova Zelândia, a dianteira da lista é ocupada por brindes. O selo fará com que fabricantes de roupas e móveis, por exemplo, também sejam reconhecidos internacionalmente.
Brasil
![]() Marca da FLO | ![]() |
A Ifat foi fundada em 1989 e tem duas afiliadas no Brasil: a Associação de Pequenos Produtores do Oeste Catarinense (Apaco) e a loja de comércio solidário da ONG Viva Rio. A Apaco, que reúne 145 grupos de agricultores, totalizando 1.400 pessoas, filiou-se há quatro anos por considerar que poderia atingir um novo mercado para seus produtos, principalmente a laranja. A associação também produz frango, derivados de leite e suínos, porém só a fruta é exportada nessa linha. A razão é simples: há muitas barreiras para exportar produtos animais para Europa e EUA e seu preço não é competitivo no mercado externo. Já o Viva Rio vende roupas produzidas por cooperativas de costureiras. Existem ainda outras entidades brasileiras, como a Associação Mundaréu, que produzem de acordo com as normas do comércio justo, mas não são filiadas à Ifat.
O coordenador da Apaco, Roberto Carlos Cordazzo, afirma que a produção não foi modificada para se adequar aos critérios da entidade internacional. “Um grupo de agricultores recebeu proposta de uma empresa, mas ela não pagava muito bem. E foi por intermédio desta empresa que descobrimos que estávamos dentro dos critérios do comércio justo e nos filiamos”. Hoje todos os pomares estão certificados e a produção envolve entre 45 e 50 grupos de trabalhadores.
Segundo ele, são muitas as vantagens de fazer parte desse grupo internacional. A primeira é a abertura de um novo mercado no exterior para pequenos agricultores como os que integram a entidade – e acabam recebendo mais pelo produto. Outra é o respaldo obtido para estabelecer novas parcerias e financiamentos. “A filiação dá um aval muito grande para nós e é de extrema importância, pois reconhece um trabalho de anos e abre portas”.
História
A prática do comércio justo começou nos anos 60 e 70, na Europa e nos Estados Unidos. “Antes não havia essa preocupação com a forma de produção. A atmosfera de mudanças da época foi incorporada ao mundo dos consumidores, que passaram a demandar produtos que não explorassem mão-de-obra em países pobres”, explica Mascarenhas. “Ou seja, que tivessem um preço justo”.
Segundo a Associação Européia de Comércio Justo (EFTA), o preço adequado é, como todo preço, resultado de uma negociação. A diferença é o objetivo. Segundo a definição disponível na página da entidade (ver link ao lado), o valor de mercado de um produto dessa linha “deve cobrir o custo total de produção – gastos sociais e ambientais incluídos. Deve ser alto o suficiente para dar aos produtores uma vida digna e margem para investir no futuro”.
Anna Palmer concorda: “As regras do comércio internacional são injustas e muitos consumidores estão cientes de que alguns produtos são baratos demais para assegurar uma vida decente a seus produtores. Gostariam de contribuir para mudar essa situação, mas não sabem como. O comércio justo oferece a consumidores, negociantes e ‘tomadores de decisão’ uma maneira concreta e simples de contribuir. Por isso é tão importante”.
O comércio de produtos justos cresce rapidamente, mas é restrito, pois são mais caros do que os tradicionais. Quem lembra é o catarinense Cordazzo. “Geralmente são produtos de muito boa qualidade, que são mandados para fora. O mercado interno deveria ser mais bem trabalhado para que também a quantidade de pessoas produzindo dessa maneira crescesse”. A Associação Européia de Comércio Justo estima que metade dos produtos dessa linha tenha preço superior ao de mercado, mas na Europa os consumidores estão dispostos a pagar mais por um produto justo. Pesquisa de 2001 da EFTA revela que 68% dos britânicos gastariam mais, enquanto na Suécia esse percentual é de 64%. A outra metade dos produtos seria competitiva.
Para tornar ainda maior a pressão para que mais e mais pessoas conheçam e privilegiem os produtos de comércio justo, a Ifat, cuja sede fica na Inglaterra, está montando um escritório em Bruxelas, capital da União Européia e da Bélgica. “Esperamos fortalecer o lobby com pessoas e instituições-chave e assim levar a idéia para um público ainda maior”, diz Anna Palmer, que pretende ver uma grande mobilização no Dia Mundial do Comércio Justo, comemorado em 8 de maio.
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