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O frágil X da questão

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor





O frágil X da questão


Durante toda a infância, o filho da publicitária portoalegrense Gladys Fischbein falava muito pouco, apresentava problemas de concentração e se relacionava com dificuldades, apesar de ser hiperativo. Essas características se mantiveram durante a juventude e a idade adulta. Por quase 30 anos, o diagnóstico dos médicos foi muito diverso. Uns diziam que o menino, hoje com 31 anos, sofria de autismo; outros davam certeza de esquizofrenia e mais alguns afirmavam ser Síndrome de Down, mas sempre havia características que não correspondiam ao quadro típico dessas doenças.

Somente em 1998 Fischbein descobriu o que seu filho tinha. Uma prima, após ler reportagem em revista norte-americana sobre a síndrome do X-Frágil, identificou todos os sintomas e sugeriu que levassem o menino para fazer o teste. A doença é transmitida de pais para filhos e provocadora de dificuldades de aprendizado e até retardo mental. Fischbein concordou, levou o filho para colher sangue em Porto Alegre, onde mora, e enviou o material para Curitiba, pois a capital gaúcha não possuía laboratório capacitado para o exame. Ainda assim, o teste só foi feito no Canadá. A suspeita da prima foi confirmada e então a situação começou a mudar. “Sabendo o problema, fica mais fácil combatê-lo”, diz a publicitária.

A história de Gladys Fischbein, por incrível que pareça, é comum. A síndrome do X-Frágil, apesar de ser a segunda causa de retardo mental por doença, atrás apenas da síndrome de Down, ainda é praticamente desconhecida até por médicos. Indignada com a falta de informações, Fischbein decidiu criar, em 1999, com outras seis pessoas, uma entidade com objetivo de difundir o conhecimento sobre a doença tanto para a população em geral quanto para profissionais de saúde. Assim nascia a Fundação Brasileira do X-Frágil.

A idéia inicial era criar uma instituição de fomento à pesquisa, como haviam sugerido os médicos canadenses que a atenderam. “Mas captar recursos no Brasil é muito difícil e o estudo genético é caro. Preferimos informar ao invés de pesquisar”, diz Fischbein. Com ajuda de um médico amigo que mora no Canadá, ela conseguiu entrar em contato com o Hospital das Clínicas de Porto Alegre e difundir a notícia da criação da fundação entre os médicos. Em seguida, aproveitou seus contatos profissionais para veicular algumas matérias em diversos meios de comunicação e assim atrair mais pessoas para a fundação e esclarecer sobre a doença. Finalmente, fez com que as contas de luz da cidade circulassem com mensagens sobre a síndrome.

Entre as que procuraram a entidade está a dona de casa Marisa Araújo, 30, cuja busca por um diagnóstico correto para a doença de seu filho de quatro anos já durava quase toda a vida dele. “Com um ano, vi que ele era diferente das outras crianças, pois não falava, apesar de ser bastante agitado. Passei por médicos, psicólogos, psiquiatras e ouvi de tudo. Até que o problema de meu filho era preguiça”.

Marisa só descobriu o problema quando comentou com um professor de biologia de sua faculdade sobre as dificuldades por que estava passando. O mestre comentou que poderia ser síndrome de X-Frágil e sugeriu um exame, feito no fim do ano passado em Porto Alegre. A síndrome foi diagnosticada e Marisa, encaminhada para a Fundação, onde hoje freqüenta reuniões nas quais os pais discutem tratamentos, remédios e formas de se ajudar. “A fundação nos apóia bastante com informações e conselhos”, diz.

Diagnóstico

Se por um lado os pais de pessoas com síndrome encontram apoio e facilidades na fundação, por outro esbarram no desconhecimento de médicos e na falta de condições para realizar os testes de confirmação - bastante caros e raros na rede pública.

Os médicos, por sua vez, geralmente não pensam na possibilidade de estarem diante de um caso de síndrome do X-Frágil, mesmo ela não sendo rara como pode parecer. Não há dados oficiais sobre a incidência da doença, mas de acordo com projeção feita por Ricardo Halpern, pediatra do desenvolvimento e professor da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, um em cada 1.250 meninos possui a doença, que pode se manifestar com diferentes graus de intensidade.

Já em relação às meninas, a proporção é de um caso a cada 2.500 nascidas, pois elas possuem dois cromossomos X. Problemas em um cromossomo podem ser compensados pelo outro no caso delas. Portanto, o registro de retardo mental grave é mais freqüente no sexo masculino. Segundo o Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo, 42% dos homens com a síndrome possuem tal característica, enquanto retardo leve e inteligência limítrofe são mais comuns nas mulheres.

É mais fácil reconhecer os sintomas emocionais do que físicos. Além do retardo mental, são comuns hiperatividade, “olhar distante”, humor instável, timidez excessiva, movimentos repetitivos e resistência a mudanças de ambiente. Já as principais características físicas são céu da boca alto, problemas de visão como miopia, convulsões e atrasos no desenvolvimento psicomotor. Nem todas são sempre presentes.

Essas características são freqüentemente confundidas com as de outras doenças como a síndrome de Down e o autismo. Para o pediatra Halpern, que colabora com a Fundação, o problema está no ensino. “Não é uma matéria muito estudada na faculdade. A síndrome foi descoberta nos anos 70 e por isso uma geração inteira de médicos nunca ouviu falar dela, pois os materiais demoram a chegar no Brasil. Ainda falta muito estudo, principalmente por aqui”.

Mas o que revolta os pais é o desinteresse dos médicos em conhecer a doença e seus sintomas. “Falta humildade. Até hoje muitos rejeitam a hipótese de a criança possuir a síndrome do X-Frágil e receitam terapias sem efeito”, diz Fischbein, lembrando que, logo depois de retornar de uma conferência internacional sobre a síndrome, programou uma reunião com a Sociedade de Pediatria de Porto Alegre, para repassar o que aprendeu e novas descobertas. Ninguém apareceu.

Tratamento

A síndrome do X-Frágil não tem cura, mas seus sintomas podem ser aliviados com diversos tratamentos que, em alguns casos, envolvem o uso de medicamentos. O problema é o preço. “Não é fácil”, diz Marisa. “Temos que ter dinheiro para pagar remédios e médicos. E ambos são caros”. Pessoas com essa doença precisam de acompanhamento de profissionais de várias áreas como fonoaudiologia, fisioterapia, psicologia e genética, que podem aliviar os sintomas a ponto de adultos levarem uma vida quase normal, apesar de restritas pela dificuldade de aprendizado. Halpern, contudo, lembra que o apoio dos familiares é fundamental. “Há famílias que ficam em ‘luto permanente’ por não terem um filho na condição desejada, mas é preciso acolher a pessoa e auxiliá-la”.

Também no tratamento o desconhecimento dos médicos é presente. “A falta de informação parece ser ainda maior no manejo dos indivíduos afetados. Com exceção de alguns casos raros, os médicos deixam de coordenar e participar de equipes multidisciplinares que promovem o atendimento integrado de que essas pessoas e suas famílias necessitam”, diz a fonoaudióloga Lisete Henriques, outra colaboradora da Fundação.

Essas dificuldades podem ser superadas quando a fonoaudióloga terminar o guia prático de procedimentos que está elaborando. “Ele versa sobre como lidar com a conduta e o estilo de aprendizagem próprios desses indivíduos. É direcionado a pais, professores e terapeutas que se ocupam de tratamento psicoeducacional que a síndrome requer. Seu conteúdo fundamenta-se em literatura científica e em dados recolhidos da experiência acumulada por profissionais da saúde e educação de nosso meio, que atuam junto a essa população e suas famílias”, diz.

Para aliviar esses problemas, a entidade aposta no futuro. Há uma idéia, ainda não posta em prática, de se contratarem estudantes para estagiarem com os profissionais que colaboram com a Fundação e, assim, multiplicarem as informações sobre a doença. Além disso, a Fundação também conta com a ajuda do doutor Ricardo Helpern para estimular a pesquisa sobre a doença entre doutorandos da universidade onde leciona. “A tendência é melhorar. Temos esperança nos jovens”, diz Fischbein.

Marcelo Medeiros

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