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Todos envolvidos

Autor original: Marcelo Medeiros

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Todos envolvidos

Atualmente, pouco se fala sobre sustentabilidade na agricultura. Para piorar, os que conhecem o assunto - cientistas e técnicos - o abordam de forma complicada, cheia de termos específicos de sua área de saber. Isso faz com que muitos agricultores não entendam do que se trata e, por isso, não possam opinar na avaliação de sustentabilidade de uma região. Foi pensando nesse problema que um grupo de pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) escreveu o livro “Indicadores de sustentabilidade em agroecossistemas” (Editora Embrapa). A publicação discute metodologias para a elaboração de índices e propõe uma nova abordagem para a questão. Segundo os autores, é preciso envolver as comunidades nesse processo e fazê-las entenderem esses assuntos, aparentemente tão complicados, mas que na verdade podem ser vistos de maneira bem mais simples.

Um dos autores, José Maria Ferraz, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, conta à Rets nesta entrevista como as novas metodologias podem ser explicadas para as comunidades e de que maneira estas podem se envolver no processo de construção. Segundo ele, é preciso melhorar a educação ambiental brasileira e estimular a organização comunitária. Esses dois requisitos, de acordo com Ferraz, são essenciais para que as metodologias sejam eficientes, pois só com eles pequenos agricultores poderão participar de todo o processo de debate sobre sustentabilidade.

Rets - O objetivo do livro é discutir e propor índices de sustentabilidade. Que índices já existem e quais são suas deficiências? Por que criar novos índices?

Rets - O objetivo principal do livro é discutir metodologia para elaboração de indicadores de sustentabilidade e não propor índices ou indicadores, uma vez que acreditamos que poucos indicadores podem ser considerados universais. Os indicadores de sustentabilidade devem ser construídos respeitando-se a cultura local, assim como as diferentes formas de saber dos grupos sociais envolvidos. Nesse sentido, ressaltamos a importância da elaboração de um diagnóstico participativo com as comunidades para o levantamento de problemas, dúvidas, estabelecimento dos indicadores, assim como caminhos e soluções possíveis.

Um exemplo de aplicação de novas metodologias são os indicadores de qualidade de solo, que são praticamente universais e gerados a partir de grandes equações. Além delas, podemos contar com outras formas de indicar a qualidade, como a degradação das raízes. A idéia é construir índices que a população possa entender, o que não acontece com as equações.

Rets - Em que eles se baseiam?

José Maria Ferraz - Os indicadores de sustentabilidade devem refletir as reais condições do grupo que o está construindo e se baseiam na visão de mundo que estes grupos têm em função de suas características culturais. O importante é que sejam abrangentes, com o intuito de não perderem foco nos aspectos sociais - culturais, ambientais e econômicos.

Rets - A que tipo de agricultor e agricultora esses índices serviriam?

José Maria Ferraz - Como se trata de metodologia de elaboração de indicadores, ele pode atender a todos os agricultores, desde os recém-assentados em programas de reforma agrária, agricultores familiares, até a agricultura empresarial, desde que o item de participação do diagnóstico fosse realmente participativo.

Rets - De acordo com o livro, os índices seriam construídos de acordo com a localidade, dada a impossibilidade de se elaborar um índice universal. É preciso envolver comunidades nesse processo? Como dar voz aos pequenos agricultores?

José Maria Ferraz - De fato, a idéia da metodologia é de que eles sejam construídos nas comunidades onde serão trabalhados estes indicadores. O envolvimento da comunidade é essencial para a construção dos mesmos. O ideal é que se trabalhe em termos de espaço, como microbacias hidrográficas. Pois o uso da água, o uso do solo, a preservação dos mananciais devem ser feitos pelo conjunto de moradores deste espaço. E é muito importante que todos os segmentos da comunidade participem e tenham voz ativa, tanto no diagnóstico da situação como dos indicadores de sustentabilidade que devem ser construídos. Mais importante ainda é permitir que eles participem deste monitoramento, que, portanto, deve ser simples e inteligível para a comunidade.

A efetiva capacidade de elaborar um diagnóstico participativo com as comunidades é que vai garantir a inclusão do agricultor familiar e os demais membros da comunidade no processo.

Rets - E em relação aos grandes agricultores? Como eles lidam com a questão da sustentabilidade?

José Maria Ferraz - Para eles é mais fácil entender essas problemáticas, pois contam com muito apoio. Mas eles seguem um modelo industrial onde a maior preocupação é o lucro. Tudo é contabilizado para obter o resultado final e o meio ambiente não entra nessa conta, ou então possui pequeno peso. A consciência só vem quando o lucro começa a cair por causa da falta de planejamento ambiental.

Rets - O que seria o "diagnóstico rápido participativo" proposto no livro?

José Maria Ferraz - O Diagnóstico Rápido Participativo (DRP) deriva de uma técnica utilizada para o diagnóstico rural, o Diagnóstico Rural Rápido (DRR) e aborda aspectos econômicos, sociais e ecológicos. A diferença é que o DRP é participativo enquanto o DRR é elaborado por pesquisadores sem a participação da comunidade. O DRR tem, dessa forma, a percepção do pesquisador, de alguém de fora e não dos moradores do local. A vantagem do DRP é ser uma técnica que alia a rapidez de um diagnóstico com a participação da comunidade.

Rets - A consulta à comunidade não faria com que o diagnóstico demorasse ainda mais?

José Maria Ferraz - Sim, mas vale lembrar que a capacidade de organização de um grupo é um indicador social. Quanto mais organizado um local, mais rápido será o diagnóstico.

Rets - Quais são os riscos ambientais, para saúde humana e para a produtividade de uma fazenda que despreze a sustentabilidade?

José Maria Ferraz - Os riscos ambientais, sócio-culturais e econômicos podem ser irreversíveis, pois a natureza tem limites para sua utilização. Podem ocorrer perda de produtividade, desertificação de áreas antes muito produtivas, êxodos rurais, perda de biodiversidade, perda de costumes e tradições, contaminação da água subterrânea (poços) e superficiais, a perda de renda do agricultor entre outros males.

Rets - Quais foram os resultados do estudo de caso feito para o livro. Qual o seu significado?

José Maria Ferraz - O estudo mostrou que a forma de produção agrícola e o modelo de exploração dos recursos naturais que estamos adotando é insustentável. Que existem limites que estamos ultrapassando e que poderão trazer sérios danos sociais, ambientais e econômicos. Não só para os agricultores, mas para a sociedade como um todo.

Rets - Como está o acesso do público em geral a informações sobre sustentabilidade?

José Maria Ferraz - Infelizmente o acesso a informação desse tipo no país atinge uma pequena porção da população. E são iniciativas como da RITS que ajudam a esclarecer e levar informação a um público maior, o que, infelizmente, não é muito interessante para a grande mídia.

Rets - O que pode ser feito para aumentar o acesso a essas informações?

José Maria Ferraz - Acho que poderíamos implementar a educação ambiental em todos os níveis. Existe uma regulamentação quanto a isso, mas até agora não foi aplicada. A Rede Paulista de Educação Ambiental (Repea) inclusive já recolheu assinaturas pedindo que o governo aplique essas leis.

Existem outras iniciativas, mas são restritas.O próprio trabalho de vocês é uma delas, mas serve apenas a quem tem Internet. Por isso trabalhamos bastante com multiplicadores.

Rets - Em que nível estão as pesquisas brasileiras sobre sustentabilidade em agrossistemas?

José Maria Ferraz - Estão avançando, mas não na velocidade que seria necessário para tentar reverter um quadro de degradação das matas, de contaminação da água, da saúde do agricultor e trabalhador rural, da população que consome estes alimentos e da exclusão social de grande parte da população.

Rets - A que você credita essa baixa velocidade?

José Maria Ferraz - Pela mesma razão que ainda temos muitas pessoas que não sabem ler. Por que ainda temos uma grande taxa de analfabetismo? Não interessa ter gente pensando. Como afirma o [cantor] Tom Zé, “pensar é perigoso”. Falta vontade política. As pessoas têm direito a reivindicar água de qualidade, comer alimentos sem agrotóxicos e saber se um produto é transgênico. Mas, para isso, é preciso mais investimentos a longo prazo.

Marcelo Medeiros

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