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Sexualidade vista com emoção

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor





Sexualidade vista com emoção

Recentemente a Unesco divulgou os resultados de uma pesquisa sobre a sexualidade de jovens. Os números relativos ao Brasil mostram, entre outros assuntos, que a iniciação sexual acontece cada vez mais cedo, que o preconceito contra homossexuais ainda é grande e que o uso de preservativos permanece um tabu. Esses índices e suas variações são percebidos na prática há dez anos pelo Centro de Educação Sexual (Cedus), ONG atuante no estado do Rio de Janeiro. O Cedus, como o nome diz, elabora e realiza projetos com a intenção de dar mais informações e ensinamentos sobre sexualidade a jovens fluminenses e profissionais do sexo.

A organização nasceu em dezembro de 1993 a partir do desejo de alguns profissionais de áreas de atuação diversas de estudar metodologias relacionadas a educação sexual, assunto com o qual trabalhavam direta ou indiretamente. Entre eles estava o psicólogo Roberto Pereira, atual coordenador geral da entidade. “Montamos um grupo de estudo que acabou virando organização”, conta. Participavam das atividades pedagogos e outros psicólogos, funcionários de hospitais e escolas públicas – todos interessados em reunir seus trabalhos em um só local.

O primeiro consenso a que chegaram foi que não era possível -e nunca será - tratar a sexualidade como um fenômeno decorrente apenas de aspectos biológicos. Era preciso levar em conta também as emoções e o cotidiano em que as pessoas estão inseridas. A partir daí, desenharam suas idéias e levaram adiante a organização.

A construção do Cedus foi possível por causa de apoio recebido pela Fundação Odebrecht, que mostrou interesse em desenvolver projetos de educação sexual. Com recursos iniciais garantidos, já em 1994 conseguiram firmar parcerias com a prefeitura do Rio de Janeiro. As secretarias municipais de Saúde e de Educação entraram no projeto Educarte, que levou aulas de educação sexual para escolas e hospitais da rede pública do município. Diversos profissionais das duas áreas foram capacitados, assim como adolescentes, que se tornaram multiplicadores.

A rapidez em conseguir parceiros, para Pereira, deve-se à qualidade da equipe e da necessidade de projetos na área. “As propostas eram muito relevantes do ponto de vista técnico e social”, diz. Entre as atividades desenvolvidas no projeto está o Sinal Verde, uma idéia simples que resolveu um grande problema de adolescentes: o constrangimento de procurar ajuda sobre problemas ligados ao sexo. Quem chegava em postos de saúde com suspeita de estar com alguma doença sexualmente transmissível (DST), grávida ou que tivesse sido vítima de violência sexual recebia um “cartão verde”. Ou seja, era encaminhado a algum profissional treinado pelo projeto e, portanto, capacitado a conversar de maneira mais agradável com os jovens.

Também foi formado o grupo teatral Treze Camaleões, composto por alunos de colégios municipais. As peças, como não podiam deixar de ser, abordavam a sexualidade juvenil e ajudavam a educar tanto jovens quanto profissionais da rede de ensino.

No ano em que foi encerrado - 1998, por término do contrato com o poder municipal - o Educarte foi selecionado pelo Ministério da Educação para integrar um banco de dados formado pelas melhores iniciativas de educação do país. Em 1995, idéia semelhante ao Educarte foi implementada na cidade de Maricá.

Em 1999 teve início o projeto Sexualidade e Cidadania, parceria com a Secretaria Estadual de Saúde do Rio e a Fundação Abrinq. O objetivo era o mesmo: educar professores e alunos. Mas ficou restrito ao Ciep Nação Mangueirense, localizado na comunidade da Mangueira, zona norte carioca.

Lá também foram desenvolvidos os projetos Vozes do Rio e Jovens Educadores. O primeiro capacitou jovens da comunidade a fazerem programas na rádio comunitária sobre prevenção a gravidez e DSTs. O segundo formou multiplicadores.

Resultados

Roberto Pereira vê resultados nas ações implementadas. Ele conta que, no começo do Cedus, a maioria das coordenações pedagógicas dos colégios, quando chamadas para conversar sobre o assunto, mandavam o professor de biologia, responsável pelo conteúdo. “Conseguimos convencer diretores de escola a discutirem relações afetivas, étnicas e biológicas de maneira conjunta. Agora professores de português, matemática e outros abordam a sexualidade em suas aulas”.

Mais recentemente, o Cedus implementou outro projeto, o Trilhas da Noite, que conscientiza homossexuais profissionais do sexo sobre a necessidade do uso de preservativos. A iniciativa começou em 2001.

A entidade também oferece cursos periodicamente e elabora kits de educação sexual a serem distribuídos a educadores.

Apesar de todos os esforços, Pereira acredita que ainda há muito a ser feito. Para ele, alguns dados da pesquisa da Unesco já eram esperados, pois são percebidos no dia-a-dia de seu trabalho. “Isso reforça a necessidade de atividades na área, mas ainda existem forças contrárias”. Como exemplo cita a contrariedade da Igreja Católica ao uso de preservativos e o posicionamento do governo norte-americano em relação à sexualidade. O presidente dos EUA, George W. Bush, afirmou recentemente ser contrário à permissão do casamento de pessoas de mesmo sexo, por exemplo. “No Brasil essas forças têm bastante influência nas políticas públicas”, afirma Pereira.

Mas isso não desanima o Cedus, que, por seu trabalho ganhou diversos títulos, como o de entidade parceira do Rio, concedida pela prefeitura da cidade. Além disso, ocupou a presidência do Fórum de ONGs/Aids do Rio de 1998 a 2002 e, até o ano passado, a do Fórum do Mercosul. “O caminho é o fortalecimento da sociedade civil”, resume Pereira.

Marcelo Medeiros

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