Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original:
Integração de políticas e desenvolvimento local
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A medida em que os estudos e o debate sobre políticas públicas têm se aprofundado, há uma consciência crescente de que os principais problemas nesta área não estão ligados à insuficiência de recursos, mas à ineficiência, à ineficácia e à falta de foco da maior parte destas políticas. É por esta razão que, num momento em que a restrição orçamentária passa a ser para valer e em que a atenção da opinião pública tem se voltado para questões de longo prazo (como as que foram tratadas nas seções anteriores), a integração de políticas públicas e a re-formatação e ampliação do espaço público tendem a se tornar temas centrais da agenda política.
A integração de políticas públicas tem que começar dentro do próprio governo, seja ele federal, estadual ou municipal. Rivalidades pessoais e conflitos políticos entre os membros dos primeiros escalões são inevitáveis, mas não podem ser pretexto para a paralisia da máquina pública ou para a implementação de políticas que não falam umas com as outras, quando não chegam a ser contraditórias. Não apenas a eficiência e a eficácia, mas também a escala das políticas públicas cresce com o grau de integração destas políticas.
Exemplos não faltam. Como já assinalado, uma política de integração das favelas ao tecido formal urbano que pretenda ser efetiva e sustentável não pode se limitar a um programa de melhora da infra-estrutura destas comunidades: ela precisa agregar componentes de geração de renda, de acesso a serviços sociais e produtivos etc. No próprio governo federal houve recentemente progressos nesta área, com a unificação de diversos programas sociais através do Bolsa-Família.
Vale observar que as políticas públicas raramente nascem integradas; a integração é necessariamente um processo que passa pela capacitação das equipes técnicas e administrativas das diferentes áreas de governo, pelo compartilhamento dos diagnósticos e pelo monitoramento, pela avaliação e pelo redesenho contínuo das políticas.
Neste sentido, é imprescindível que as Prefeituras invistam mais pesadamente do que têm feito até aqui, e sistematicamente, nestas áreas. Também seria importante racionalizar a máquina administrativa, enxugando os organogramas e criando instâncias sistemáticas de diálogo e de articulação entre secretarias de áreas afins.
Estes investimentos em diagnóstico, monitoramento e avaliação também são importantes para abrir frentes de cooperação com outros governos (inclusive de outros níveis) e com a sociedade como um todo.
A cooperação intermunicipal é fundamental por conta da questão – tantas vezes levantada neste texto – das externalidades, sobretudo em áreas como saneamento, saúde e educação.
Não é possível, por exemplo, que um Município como São Caetano do Sul (ou Niterói) resolva o problema da qualidade da água na represa Billings (ou na baía de Guanabara) investindo sozinho em saneamento básico. Se os outros Municípios que estão às margens da represa (ou da baía) não estiverem de acordo em fazer o mesmo, São Caetano (ou Niterói) se sentirá desestimulado em investir nesta área, simplesmente porque este investimento traria pouco retorno para os moradores da cidade. Da mesma forma, seria tremendamente ineficiente ter hospitais ou universidades em cada Município, mas uma Prefeitura não pode deixar de querer ter um hospital ou uma universidade em seu Município se ela não tiver garantias que a população local terá, de uma forma ou de outra, acesso a estes equipamentos em outros Municípios.
Em termos práticos, os consórcios intermunicipais ainda são uma realidade incipiente. Segundo a Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2001 do IBGE, apenas 241 Municípios declararam participar de alguma forma de consórcio na área de educação. Na saúde, este número é muito mais elevado (1.969), mas supera de pouco 1/3 o total de Municípios.
Estes números relativamente modestos podem ser explicados, pelo menos em parte, pela própria fragilidade da figura jurídica dos consórcios. Um consórcio não tem capacidade de abrir uma conta bancária, de pedir dinheiro emprestado, de emitir títulos ou de compelir os seus membros a adotarem determinado tipo de comportamento. Neste sentido, há espaço para o aprimoramento do formato institucional da cooperação intermunicipal – tema este a ser deliberado no Congresso mais do que no seio das Prefeituras.
Mas é preciso levar em conta que a falta de transparência das políticas públicas de cada Município é um obstáculo tão importante quanto a inadequação do quadro institucional para o progresso nesta área.
Também é preciso aprimorar o relacionamento entre os diferentes níveis de governo. Neste sentido, por um lado as Prefeituras precisam se habilitar técnica, financeira e administrativamente para receber recursos de programas elaborados pelos Estados ou pela União. Por outro, é preciso ir além do puro e simples repasse de recursos para caminhar na direção de implementar parcerias efetivas entre os diferentes níveis de governo. Isto significa compartilhar diagnósticos e estratégias, dividir tarefas e atribuições evitando sobreposições de esforços, de maneira a induzir uma maior especialização de cada nível de governo em determinadas áreas e a produzir políticas públicas que tenham mais eficiência, eficácia e escala. As Prefeituras, por terem mais capacidade de conhecer detalhadamente a realidade local, podem assumir um papel de destaque na formatação destas parcerias. Para tanto, contudo, hão de investir na sua credibilidade neste campo e de abrir mão da exclusividade de suas marcas (o que costuma ser raro, sobretudo nos Municípios maiores, cujos Prefeitos costumam rivalizar com os Governadores).
As Prefeituras também podem, e devem, costurar parcerias com o setor privado e a sociedade civil organizada para ampliar a oferta de bens e serviços públicos. As telecomunicações, a distribuição de energia elétrica e, em algumas regiões, o próprio saneamento básico são serviços de utilidade pública que estão hoje nas mãos da iniciativa privada. A responsabilidade social empresarial, por sua vez, tem levado as empresas a investir de forma cada vez mais consistente (embora, muitas vezes, ineficaz e desarticuladamente) em áreas como educação e saúde e em programas de desenvolvimento local. O papel da sociedade civil na promoção do desenvolvimento e da democratização da sociedade também tem sido crescente nos últimos anos. Os exemplos são inúmeros: a mobilização em torno de temas como a fome e a AIDS, por parte de Herbert de Souza, o Betinho; a difusão de programas de aumento da escolaridade de jovens e adultos e de capacitação profissional, a gestão de creches e a proliferação de cursos de prévestibular nas comunidades de baixa renda das grandes cidades; a Pastoral da Criança; as iniciativas de democratizar o acesso à informação; as campanhas de desarmamento etc.
De forma isolada, nem o setor público, nem a iniciativa privada, nem a sociedade civil têm a capacidade de resolver todos os problemas que estão postos para a sociedade. É preciso, portanto, imaginar um conjunto de arranjos institucionais para que as parcerias entre estas três esferas sejam capazes de constituir um espaço público não estatal, combinando os esforços e as potencialidades dos diferentes atores em torno de objetivos comuns. Espaço onde a governança deve ser compartilhada, tanto para garantir a transparência quanto para evitar descontinuidades. A Agência de Desenvolvimento Regional do Grande ABC, criada à semelhança do modelo institucional que se disseminou na Europa a partir da década de oitenta, é um bom exemplo neste sentido.
É no âmbito local, de fato, que estas parcerias podem ganhar consistência e é por esta razão que os Prefeitos podem ter um papel primordial na sua articulação e implementação,32 e se tornar, portanto, os protagonistas de um novo modelo de desenvolvimento, mais descentralizado e democrático que o nacional-desenvolvimentista, e centrado no aumento do bem-estar do conjunto da população.
Este é um extrato do documento "Desenvolvimento com justiça social: uma agenda para os Municípios", cuja íntegra está disponível na área de Downloads desta página. O texto é resultado de uma série de rodadas de discussão organizadas pelo Iets - Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (www.iets.org.br).
A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados. |
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