Autor original: Fausto Rêgo
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A expressão fair play, que significa “jogo limpo”, é lembrada com freqüência nas quadras, nos tatames, nas piscinas, nos estádios e ginásios. Mas o comportamento reto e justo deveria ser rotina em toda parte – até mesmo nas fábricas e linhas de produção da indústria de material esportivo. De acordo com a Oxfam Internacional, entidade que congrega 12 organizações e está presente em mais de cem países, o aumento da demanda com a proximidade cada vez maior das Olimpíadas de Atenas tem motivado uma série de violações de direitos trabalhistas.
Em condições muitas vezes precárias, funcionários das empresas fornecedoras dessas multinacionais são forçados a trabalhar após o expediente, sem direito a remuneração adicional, benefícios ou garantias. Para pressionar as grandes corporações e o próprio Comitê Olímpico Internacional, foi criada a campanha Play Fair at the Olympics – o que pode ser traduzido como “jogue limpo nos Jogos Olímpicos”. A campanha conta com o apoio da Clean Clothes Campaign, coalizão dedicada à melhoria das condições de trabalho na indústria têxtil, e da Global Unions, que reúne diversas organizações sindicais.
O relatório que fundamenta a iniciativa (e está disponível para download ao lado) reúne relatos que mostram que as práticas não ferem apenas a legislação trabalhista. Em um deles, uma funcionária de uma fábrica indonésia que trabalha para a empresa italiana Lotto revela uma rotina de ofensas morais e físicas. “Os chefes nos xingam durante o trabalho, nos chamam de estúpidos, preguiçosos, inúteis e bastardos. E dizem: ‘Vocês não merecem mais do que isto!’”. Agressões também ocorrem: “Eles puxam nossas orelhas e gritam nos nossos ouvidos”, denuncia.
Alguns fatos são recorrentes em vários países: pessoas que trabalham após o expediente e em condições precárias - que não conseguem fazer um planejamento das suas horas de trabalho (e muitas vezes não recebem por elas) - são demitidas sumariamente; não têm direito a licença-maternidade, licença-médica, pensões ou folgas de fim de semana; e, em geral, vêem negados seus direitos de classe.
O documento constata que, apesar de prometerem assumir um comportamento mais responsável, as multinacionais de material esportivo adotam apenas medidas superficiais e insistem em utilizar táticas abusivas para garantirem o cumprimento de suas metas comerciais. Algumas chegam a falsificar relatórios para evitarem problemas nas inspeções trabalhistas e outras demitem funcionários simplesmente porque estão filiados a algum sindicato.
“Se o melhor que uma grande empresa pode oferecer a milhões de pessoas é uma evolução mínima em relação à pobreza absoluta, então a globalização está falhando gravemente e os trabalhadores simplesmente não conseguem ter sua fatia justa desses bilhões de dólares que as grandes corporações estão ganhando”, afirma Matt Grainger, diretor de Imprensa da Oxfam Internacional. Para ele, as práticas globais de vendas das grandes corporações de material esportivo têm feito a pressão sobre os fornecedores chegar a níveis quase insustentáveis. “Elas insistem em entregas imediatas dos seus produtos e são capazes de varrer o mundo – em minutos, se desejarem – para obter o menor custo de produção e a mão-de-obra mais ‘flexível’. Mas essa ‘flexibilidade’ está se tornando, cada vez mais, um eufemismo para ‘exploração’”, observa.
Guy Rider, porta-voz da Global Unions e secretário-geral da Confederação Internacional de Livre Comércio, acha que a proximidade das Olimpíadas torna as violações ainda mais freqüentes e cruéis. “A indústria de material esportivo está investindo pesado, e a exploração e as práticas endêmicas de abuso cometidas contra os trabalhadores acabam subvertendo o próprio espírito olímpico”.
Nesse ponto, segundo os organizadores da campanha, caberia ao Comitê Olímpico Internacional interferir para assegurar um “jogo limpo”. “O COI é a maior entidade mundial do mundo esportivo e seu mandato prevê a prestação de contas aos governos e à comunidade internacional”, diz Matt Grainger. Ele acredita que uma atitude mais enérgica do Comitê Olímpico poderia provocar um forte impacto na indústria de material esportivo, dando início a um processo real de transformação. “O COI deveria incluir o respeito aos direitos dos trabalhadores em seu Código de Ética e passar a trabalhar com sindicatos e organizações não-governamentais para tornar isso realidade”, sugere.
Correndo por fora
A ausência de menção explícita, por parte da campanha, a algumas empresas notoriamente acusadas de violações a direitos humanos e trabalhistas é proposital. Segundo o diretor de Imprensa da Oxfam Internacional, a idéia desta campanha era chamar atenção para marcas que normalmente “correm por fora” quando surgem denúncias desse tipo, como Fila, Puma e Asics. “Em relação à nossa campanha internacional, pretendíamos desde o início colocar o foco sobre marcas que ficaram praticamente ‘escondidas’ pela Nike, pela Adidas e pela Reebok, que também têm sido alvos de muita pressão da opinião pública para que revejam suas práticas”, diz Grainger. Mas isto não significa, adverte, que as “campeãs” estejam fora do páreo. “A atuação delas prossegue sendo analisada e vamos continuar a pressioná-las para que adotem práticas condizentes com a legislação trabalhista”.
O sítio da campanha (veja link ao lado) permite o envio de mensagens às empresas, como forma de reivindicar o respeito aos direitos humanos e trabalhistas. Também é possível escrever ao Comitê Olímpico Internacional, pedindo que o órgão exija o fim das práticas abusivas de seus patrocinadores e licenciados. Mais de 20 mil mensagens já haviam sido enviadas até o fechamento desta edição.
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