Autor original: Mariana Loiola
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Em 2001, o Congresso aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE), documento que reúne as metas educacionais até 2011. No PNE estão previstos os processos de elaboração, implementação e avaliação dos Planos Municipais (PMEs) e dos Planos Estaduais de Educação (PEEs) - que devem seguir a estrutura do nacional quanto aos objetivos, prioridades, diretrizes e metas estabelecidas. Os planos também estão entre as metas do Marco de Ação de Dakar, acordo internacional que define as diretrizes da educação para mais de 150 países. O PNE prevê ainda que esses processos sejam realizados de modo participativo, envolvendo os diversos setores da sociedade civil e dos governos. Além da ampliação dos recursos dirigidos à educação, a participação da sociedade civil nesse processo é considerada fundamental para melhorar a qualidade da educação pública no país. No entanto, segundo as organizações e movimentos que acompanham a questão, a participação efetiva da sociedade tem enfrentado uma série de problemas.
De acordo com a coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Denise Carreira, é necessário aprimorar o caráter participativo da elaboração dos planos. De alguns municípios e regiões do país, por exemplo, chegaram denúncias de compra de "planos prontos" de consultorias especializadas, quando as estratégias para o cumprimento das metas do Plano Nacional deveriam ser adequadas às especificidades locais e regionais. "Houve um caso em que copiaram o plano de outra região e esqueceram de trocar o nome do município", conta Denise. Segundo ela, uma das razões para que ocorram casos desse tipo é o fato de que muitos estados e municípios ainda não assumiram de fato a elaboração dos planos. A coordenadora da campanha conta que pretende incluir o assunto no Fórum Mundial de Educação, que acontecerá de 28 a 31 de julho, em Porto Alegre. "Estamos construindo propostas de atividades para afirmar a importância desses planos", diz.
Plano enjeitado
A origem da dificuldade em se aprimorar um processo democrático de elaboração dos PMEs e PEEs está, na verdade, na própria concepção do Plano Nacional. O PNE aprovado em 2001 é a conjunção de dois planos apresentados ao Congresso Nacional: um do Ministério da Educação e outro do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. Mesmo após muita discussão, o documento final não representava nem a visão do governo, nem a da sociedade civil. Por esse motivo, o PNE não foi assumido inicialmente por nenhuma das duas partes. Para piorar a situação, o documento foi fragilizado em decorrência de vetos decretados naquele ano pelo governo federal, sobretudo o veto ao artigo que trata da ampliação dos recursos da educação para 7% do PIB. "Esse plano já nasceu meio torto", diz Denise.
Ela acrescenta que, nos últimos tempos, houve uma valorização do PNE pelas entidades da sociedade civil e o reconhecimento de que se trata de um documento de importância política fundamental na luta pela educação pública de qualidade no país. No entanto, das metas previstas no PNE pouco se materializou. Agora as entidades cobram uma avaliação do PNE – que, segundo o próprio documento, deverá ser feita neste ano de 2004 – e a criação de um conselho para controlar a execução do plano. Elas esperam que os governos também façam a sua parte: ampliem os investimentos financeiros em educação, criem condições para o desenvolvimento democrático dos planos de educação e, dessa forma, tratem de fato a educação pública de qualidade como prioridade na agenda pública nacional.
Um estudo realizado em 2001 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) sobre o analfabetismo no Brasil constata que, "apesar do tempo médio de permanência esperado no ensino fundamental para as crianças que o freqüentam já ser superior a oito anos em todas as regiões do país, o que permitiria, se tivéssemos uma escola de qualidade, que todos concluíssem este nível de ensino, apenas dois terços, provavelmente conseguirá fazê-lo".
Para a coordenadora do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, Vera Jacob, os governos não se preocupam em destinar recursos para desenvolver uma política de educação - assim como em outras áreas sociais -, por estarem submetidos às imposições da política econômica internacional. "Nossa educação pública tem passado por um processo de sucateamento desde a época da ditadura militar. Quem quer ter acesso à educação de qualidade precisa pagar", diz. Com o objetivo de avaliar as políticas educacionais no país, tendo como referência o PNE, o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública organiza o 5º Congresso Nacional de Educação, que acontecerá de 2 a 5 de maio, em Recife.
A participação que se quer
Para Denise, é necessário ampliar o conceito de participação. "A participação da sociedade civil é entendida de diferentes formas. Quando o governo diz, por exemplo, ‘houve ampla participação’, muitas vezes não é verdade: a participação acontece por meio de consultas pela Internet de forma isolada, ou com uma rápida apresentação em uma plenária, por exemplo". O resultado é que, no caso dos planos de educação, em vez de consistir em um amplo debate de visões e propostas diferentes, a participação ocorre mais como simples legitimação das propostas governamentais. "Muitas vezes os planos de educação são desenvolvidos como programas de governo, da gestão em exercício. Isto é um erro", afirma.
Para aprimorar o processo de participação é necessário criar espaços e mecanismos institucionais, como fóruns, conselhos, comissões, audiências etc. Entidades ligadas ao tema da educação têm pressionado os governos locais para a construção desses espaços.
No Ceará, por exemplo, o processo de construção do plano estadual começou em 2003, foi suspenso e retomado somente no início deste mês. Segundo Salomão Ximenes, do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca), a suspensão aconteceu devido à alegação da Secretaria Estadual de Educação de que não havia recursos para a realização da Conferência Estadual de Educação, cujo produto final deverá ser o plano estadual. "Estamos pressionando o governo para que este ano não tenha mais essa desculpa", diz. As entidades do Ceará esperam que a conferência tenha representação igualitária de membros da sociedade civil organizada e do governo em grupos de trabalho, mesas de debate etc., e caráter deliberativo – para que as propostas sejam discutidas e aprovadas nas plenárias.
"Geralmente, quando a sociedade civil tem um espaço para discutir, ele não é deliberativo, é meramente opinativo", comenta Salomão. Quanto aos planos municipais, ele diz que o processo não é homogêneo no estado. "Alguns municípios já concluíram os seus planos municipais, outros não pretendem nem começar. Além disso, não temos garantias de que os planos sejam construídos de forma democrática", revela.
No Rio de Janeiro, o processo de elaboração do plano estadual está parado devido à mudança de Secretaria de Educação no início do ano, segundo Alexandre Arrais, coordenador do programa de educação da ActionAid no Brasil. "Fizemos uma solicitação de audiência para discutir o assunto mas ainda não tivemos resposta. Estamos preocupados com os rumos da elaboração do plano no estado. Esperamos que o governo não recue nos acordos com a sociedade civil. Isto seria desastroso para a continuidade do processo", declara. Alexandre conta que, em 2001, o governo do estado criou uma comissão para elaboração do plano estadual de educação, mas que esta era composta basicamente de entidades do governo e quase não tinha participação da sociedade civil.
No entanto, em novembro de 2002, as entidades tiveram uma ampla participação e uma importante conquista no Congresso Estadual de Educação (Coed), em que apresentaram propostas que foram aprovadas para serem incorporadas ao plano estadual. A discussão de alguns temas e a conclusão do plano ficou para um segundo Coed, que ainda não foi realizado. Na maioria dos municípios do Rio de Janeiro, o processo está apenas começando, nem sempre com a participação da sociedade civil. "Na cidade do Rio, assim como em outras do estado, o processo já está no meio, mas o plano é de gabinete, feito a partir da visão do governo", diz.
O futuro do processo
Com o objetivo de intensificar o estímulo à participação da sociedade e dos dirigentes nos municípios, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) desenvolve um projeto em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Segundo a assessora de comunicação da instituição, Sirleide Tavares, a Undime, articulada com suas regionais em todo o país, poderá incrementar o seu trabalho de divulgação de informações e assessoria técnica para a ajudar na construção dos PMEs. O projeto será realizado a partir de um mapeamento sobre a situação nos municípios brasileiros. "Com o levantamento vamos saber exatamente quantos e quais municípios concluíram o plano, os que estão em processo de elaboração e os que ainda nem começaram", informa. De acordo com Silvio Kaloustian, oficial de projetos do Programa Educação para Inclusão, do Unicef, o projeto pretende propor políticas públicas para a inclusão de crianças e o respeito à diversidade na escola. "Nossa proposta é construir parâmetros oficiais éticos de cidadania, respeitando as culturas locais, em diferentes itens de garantia de qualidade de educação", diz. O projeto teve início em outubro de 2003 e vai até dezembro deste ano, mas, segundo Silvio, será apenas o pontapé inicial para fomentar o processo de elaboração dos planos. "Caberá aos municípios darem continuidade ao processo", enfatiza.
Denise lembra que o envolvimento de agentes externos ao mundo escolar (inclusive lideranças comunitárias, famílias, iniciativa privada e outros setores) é essencial para garantir o caráter democrático do processo de elaboração dos planos. "A implantação das políticas de educação terá impacto na área econômica do município, na vida da comunidade. Por isso, é natural que representantes de diversos setores discutam essas políticas, apresentem diferentes pontos de vista e negociem suas propostas", diz. Além disso, o intercâmbio de informações possibilitará o conhecimento de diferentes experiências e a geração de subsídios para consolidar as ações de cada plano.
O que os esforços dessas entidades apontam, de uma maneira mais ampla, é a necessidade de se criarem condições para o aumento do poder de influência da sociedade civil nas políticas públicas – que ultrapassa a questão educacional. Mostram também que são os produtos dessas discussões, conflitos e negociações que deverão refletir o futuro que se deseja para o país.
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