Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Serviços de interesse para o terceiro setor
Organizações não-governamentais que desenvolvam projetos de pesquisa, interlocução política ou capacitação envolvendo questões relacionadas a direitos sexuais e reprodutivos podem se candidatar ao financiamento do Programa de Apoio a Projetos em Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (Prosare) 2004. A iniciativa é da Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR), em parceria com o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), e conta com o apoio da John D. and Catherine T. MacArthur Foundation. Nesta edição do programa o tema é "Cultura e Gênero: Direitos Sexuais e Reprodutivos".
"Quando se fala em direitos sexuais e reprodutivos, fala-se em na garantia para homens e mulheres poderem exercer livremente suas decisões no campo da sexualidade e da reprodução", explica Tânia Lago, coordenadora do Prosare. No entanto, reconhece Tânia, na maioria das vezes as pessoas entendem o assunto como questões relacionadas somente a direitos e opções das mulheres. "No caso do Prosare, por ser coordenado pela CCR, uma instituição que nasceu orientada pelos princípios da Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, essa interpretação acaba ganhando força. Mas essa noção pode e deve ser expandida. Direitos sexuais e reprodutivos tratam também, por exemplo, da liberdade de a pessoa ser homossexual", diz a coordenadora. Um bom passo para isso é a escolha do tema deste ano - Cultura e Gênero: Direitos Sexuais e Reprodutivos -, que, segundo Tânia, "pretende analisar projetos que tratem da restrição ao exercício de direitos por parte de homens e mulheres".
O Prosare foi lançado no início do ano passado, a fim de fortalecer o campo dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos no Brasil, contribuindo para reduzir a vulnerabilidade de mulheres e homens no exercício desses direitos. A estratégia para alcançar esse objetivo inclui apoio a projetos institucionais, especialmente de ONGs. No ano passado foram selecionados 13 projetos de instituições não-governamentais, que abordavam desde a pesquisa sobre parteiras tradicionais até programas de qualificação de conselhos tutelares.
Uma das ONG selecionadas foi a Nova - Pesquisa e Assessoria em Educação, do Rio de Janeiro. O projeto apresentado pela instituição foi o de Qualificação de Conselhos Tutelares para Atendimento dos Casos de Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes. "O apoio do Prosare foi fundamental não só para podermos concretizar o projeto, mas também na sua discussão e condução", conta Antônio Carlos de Oliveira, coordenador da iniciativa implementada pela Nova. "São realizadas reuniões com todos os parceiros selecionados. Nestes debates, a troca de informações e idéias foi essencial para pensarmos o projeto. A própria equipe da CCR fez comentários e questionamentos interessantes para a sua condução", relembra Oliveira.
Para a seleção 2004, foram eleitas três áreas nas quais os projetos devem se encaixar: pesquisa, interlocução política e formação de recursos humanos. As propostas devem contribuir, entre outras coisas, para aperfeiçoar o treinamento de profissionais de saúde, a qualidade da informação na mídia e dos conteúdos no meio acadêmico, o debate público sobre o tema e o diagnóstico da situação, a fim de subsidiar a formulação de políticas sociais.
Dentro da área de pesquisa, os projetos podem analisar a produção discursiva das diferentes religiões; a possível influência de restrições normativas culturais e/ou religiosas sobre as práticas sexuais e as práticas reprodutivas; as representações e práticas relativas ao corpo, à sexualidade e à reprodução; o papel da mídia na veiculação de padrões culturais e religiosos que afetem a questão; conteúdos programáticos e práticas tanto na educação quanto no sistema de saúde; e referências culturais, religiosas e morais que influenciam a atuação do Legislativo e a formulação e implementação de leis e políticas públicas.
Os projetos de interlocução pública devem, entre outras coisas, promover o diálogo entre grupos pertencentes a diferentes religiões; desenvolver intervenções para contornar limitações impostas por padrões culturais e preceitos religiosos; promover debates sobre o Estado laico e realizar ações para fortalecê-lo; e estimular a interlocução com os meios de comunicação sobre as concepções culturais que atuam nas representações do corpo, da sexualidade e da reprodução.
Na área de formação de recursos humanos, serão considerados projetos que contemplem a inclusão de conteúdos relativos à democracia, ao Estado laico, aos direitos humanos, aos direitos sexuais e direitos reprodutivos em cursos de formação em medicina, enfermagem e carreiras jurídicas; em programas para capacitação de profissionais no setor público nas áreas de educação, saúde, segurança e justiça; e em programas para capacitação de lideranças da sociedade civil.
Analisando os itens a serem considerados pela comissão que irá selecionar os projetos, percebe-se a forte presença da questão da religião e de práticas religiosas que tolhem e/ou impedem o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos. Tânia explica o porquê: "Temos visto no mundo todo o aumento da pressão de grupos religiosos sobre a liberdade de exercício das decisões nos campos da sexualidade e da reprodução. A Igreja Católica é contra o uso de preservativos, mesmo no Brasil, onde a epidemia de Aids é um enorme problema. Grupos fundamentalistas têm limitado direitos. Por exemplo, recentemente tivemos a notícia de que grupos de padres católicos estavam condenando a interrupção da gravidez em caso de fetos sem cérebro".
Ou seja: mesmo em situações críticas, diretrizes religiosas procuram influenciar. Em contextos em que a religião é lei para muitos de seus seguidores, ela pode facilmente vir a ser o fator determinante entre decisões saudáveis ou arriscadas. E, ao contrário do que se poderia esperar, apesar do aprofundamento da discussão sobre esses temas por parte de organizações da sociedade civil, da área acadêmica e científica e da própria mídia, as restrições religiosas não têm abrandado. "Não posso afirmar que esteja havendo um retrocesso. Mas há uma ameaça concreta", encerra Tânia.
O prazo para submissão de projetos vai até 31 de maio (data de postagem). As propostas podem ter orçamento entre R$ 50 mil e R$ 110 mil. Excepcionalmente, o Prosare apoiará projetos com duração superior a um ano. Não será aceito mais de um projeto por ONG. As propostas devem ser enviadas somente por correio postal para Prosare/CCR, Rua Morgado de Mateus, 615, São Paulo, SP, CEP 04015-902. O resultado será divulgado até 30 de julho e o apoio terá início no mês seguinte. Os detalhes sobre a seleção 2004 podem ser vistos no Folder do Prosare, disponível na área de Downloads desta página, ou no sítio da CCR, cujo endereço está em Links Relacionados.
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