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Mais merenda na escola

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Novidades do Terceiro Setor





Mais merenda na escola

Arroz, feijão, bife e salada. Este poderia ser um prato que toda criança brasileira comesse ao menos uma vez por dia, se não em casa, na escola, na hora da merenda. Afinal, ele garantiria boa parte das calorias, proteínas e vitaminas necessárias para o bom desenvolvimento infantil. Contudo, parte dos já escassos recursos reservados para a alimentação escolar é desviada ou mal aplicada por prefeitos e governadores. E a sociedade não faz muito para mudar essa situação - em grande parte por não saber como. Ou não fazia.

No fim de fevereiro foi lançada a cartilha “Vamos fiscalizar a merenda escolar”, primeira etapa de um projeto que pretende mobilizar a população para monitorar a aplicação da verba destinada a garantir a todas as crianças matriculadas em instituições de ensino uma boa refeição. Principalmente neste ano de eleições municipais.

“A cartilha é nosso cartão de visita. Ela tem comunicação fácil e caráter educativo. Ainda teremos outras ações nos próximos meses”, explica Walter Belik, um dos quatro autores da publicação e diretor da ONG Apoio Fome Zero, idealizadora, ao lado do Movimento Nacional de Combate à Corrupção Eleitoral (MNCCE), do projeto de Gestão Eficiente da Merenda Escolar.

Com 20 mil exemplares distribuídos gratuitamente e uma versão para download na página da Apoio Fome Zero (ver link ao lado), a publicação mostra a quantidade de recursos que o governo federal repassa para a composição da merenda e explica o que são os Conselhos de Alimentação Escolar (CAEs), órgãos municipais e estaduais de fiscalização do uso da verba pública destinada à alimentação e da qualidade dos produtos comprados. Além disso, dá dicas de como detectar indícios de corrupção e aponta os procedimentos a serem adotados caso o mau uso do dinheiro público seja confirmado. O cartunista Ziraldo ilustra algumas das 33 páginas. Mais de 500 Comitês “9840”, do MNCCE, especializados em fiscalização municipal, já receberam a cartilha, assim como diversos conselhos. O nome dos comitês é uma referência à lei 9840/1999, que facilita a condenação de políticos que tentem comprar votos.

As próximas etapas do projeto serão o lançamento de um manual, a veiculação de vinhetas na televisão para mobilizar e informar a população sobre os recursos destinados à alimentação e a formação de núcleos de capacitação para prestar assessoria técnica aos CAEs. O manual será lançado em abril, junto com a campanha televisiva. Seu conteúdo orientará a ação de grupos fiscalizadores nos municípios, principalmente os conselhos. A TV informará sobre os recursos do Plano Nacional de Alimentação Escolar e sobre os direitos dos alunos a uma merenda de qualidade.

A importância dos CAEs será outro assunto abordado. Para atender o crescimento da demanda por informações e denúncias que os anúncios devem gerar, será montada em breve uma central de atendimento para esclarecer dúvidas e permitir a solicitação de cartilhas.

O passo seguinte será a formação de “núcleos capacitatórios”, compostos por contabilistas e nutricionistas mobilizados pelos respectivos conselhos federais, para prestar assessoria técnica aos conselhos. Para não ficar apenas na reclamação, o projeto certificará os municípios que forem considerados os melhores administradores de acordo com critérios como aplicação do orçamento, prestação de contas, valor nutricional da merenda, inovação e incentivo ao desenvolvimento local. A metodologia é a mesma utilizada pela Fundação Abrinq.

“A idéia é que a mobilização se mantenha para outros anos e assim incentive o aumento de recursos para a merenda”, diz Belik.

Recursos

Este ano o governo federal repassará a prefeituras e governos estaduais, por intermédio do Fundo Nacional de Desenvolvimento Escolar (FNDE), ligado ao Ministério da Educação (MEC), R$ 1,025 bilhão de reais. Dividido pelos 36,9 milhões de crianças matriculadas no ensino fundamental e em creches, o valor corresponde a R$ 0,13 diários por aluno. O restante necessário para pôr a comida no prato é fornecido pelos poderes municipal e estadual. A legislação afirma que a merenda deve suprir pelo menos 15% das necessidades diárias de uma criança.

“O valor ainda é pequeno, mas com R$ 0,80 já é possível fazer uma refeição razoável. E nem são todos que comem. O repasse é calculado de acordo com o número de matriculados, mas isso não significa presença diária na sala de aula. Há problemas de evasão, da qualidade da merenda e de horários”, opina Belik. “Porém, se os pais da criança tiverem garantia de que ela come bem na escola, conseqüentemente eles também comerão melhor. Há pesquisas que mostram que, na falta de comida, os adultos são os primeiros prejudicados, pois deixam de comer para dar comida aos filhos”.

O custo do prato varia de acordo com o cardápio estabelecido em cada município ou escola. Uma das funções do CAE, além de fiscalizar as contas da merenda, é escolher os alimentos em conjunto com nutricionistas. O FNDE orienta que os hábitos alimentares e a vocação agrícola de cada localidade sejam respeitados e que produtos semi-elaborados e in natura ganhem prioridade. Há uma lista com alimentos considerados básicos para compor a refeição, que vão desde rapadura até carne bovina (veja no link ao lado).

Fiscalização

A cartilha orienta os leitores a participarem do processo de escolha e a fiscalizar. Um dos indícios de que pode estar havendo mau uso dos recursos é a grande quantidade de notas fiscais de até R$ 8 mil – limite municipal para compras de bens e serviços, excetuados serviços de engenharia. Como os CAEs têm direito a requisitar extratos bancários, editais de licitação e qualquer documento relacionado à merenda, essa tarefa, assim como outras, não é muito difícil. É preciso também estar atento a notas seqüenciais, de fornecedores distantes e à própria existência das empresas.

Para Belik, contudo, não basta uma boa fiscalização administrativa. “Muitos problemas acontecem por falta de informação de prefeitos e não por má fé. Ainda acredito nisso. Há os que fazem tudo corretamente, mas não adianta. Só bolacha e suco de laranja não alimenta ninguém. É preciso mostrar sempre como melhorar”.

Segundo o FNDE, qualquer irregularidade deve ser comunicada aos Conselhos de Alimentação Escolar, ao Ministério Público, ou ao próprio fundo pelo telefone 0800-616161, cuja ligação é gratuita. Entretanto, a cartilha lembra que muitas vezes os conselhos não agem como deveriam, por serem ocupados por simpatizantes do prefeito. Logo, é preciso que os comitês pela ética pública "9840" sejam acionados e procurem meios de comunicação para denunciar a má administração. “Se não, é a mesma coisa que botar cachorro pra cuidar de lingüiça”, lembra o Menino Maluquinho, personagem de Ziraldo que ilustra uma das páginas e se diz orgulhoso da mãe por ela participar do CAE. Desde então, afirma, há até arroz, feijão e bife na merenda.

Marcelo Medeiros

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