Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original:
![]() | ![]() |
Indignação. Com essa palavra a auditora fiscal da Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo Fernanda Giannasi, 46, define seu estado de espírito. Dizendo estar em um “momento muito difícil da vida”, ela afirma estar sendo perseguida e impedida de realizar seu trabalho. Especializada na fiscalização de empresas que produzem derivados de amianto, mineral extraído de uma mina em Minaçu, no norte de Goiás, e utilizado na construção civil, indústrias de autopeças e papelão, Giannasi tem seu trabalho reconhecido nacional e internacionalmente.
Tanto que foi a primeira pessoa de fora da Europa a ser chamada para participar do Congresso de Bastamianto, em Milão, em 1993. O amianto, encontrado em duas formas, foi banido de 42 países no mundo por apresentar riscos à saúde de trabalhadores e trabalhadoras e até de quem consome. No Brasil, apenas o tipo anfibólio é proibido, apesar de diversos esforços para estender o veto ao crisotila. Na Itália, Giannasi sugeriu a realização de um evento internacional no Brasil, que aconteceu em São Paulo no ano seguinte. Foi quando, segundo ela, começaram seus problemas com o governo. Fernanda conta que apesar de ter financiado o evento, Brasília retirou o apoio. Segundo ela, por causa das pressões das indústrias do amianto, que hoje movimenta US$ 94 milhões por ano.
De lá para cá, a situação está ainda pior. Em meados dos anos 90 foi transferida para Osasco, na Grande São Paulo. Para a auditora, a medida foi tomada para tirá-la de ação, pois suas ações contra empresas de amianto na capital estariam muito intensas. Naquela cidade teve mais contato com trabalhadores expostos ao mineral e com eles formou a Associação Brasileira de Expostos ao Amianto (Abrea), mais um elo da Rede Virtual de Combate ao Amianto, que havia construído pouco antes e reúne entidades de vários países.
Entre processos movidos pelas indústrias e conflitos com membros do governo, Giannasi conseguiu algumas vitórias. Entre elas esteve o anúncio de algumas empresas de substituir o amianto por outros materiais. A aprovação de algumas leis municipais também alegrou a auditora.
Atualmente, de volta a São Paulo, ela tem criticado o governo Lula, em especial a Secretaria de Inspeção do Trabalho, ocupada por Ruth Vilela. Segundo Fernanda, a secretária a persegue por causa das críticas que faz à sua gestão e devido à pressão de empresários do amianto. Em dezembro a auditora foi proibida de atuar fora do estado de sua delegacia.
Para piorar a situação, no início de fevereiro ela recebeu uma carta que afirmava ser necessário “extinguir as ações contrárias ao setor de amianto”. De imediato entrou em contato com o Ministério do Trabalho pedindo proteção para exercer suas atividades. A resposta foi afastá-la de funções externas e mantê-la em trabalho interno. De acordo com Vilela e com o delegado regional de São Paulo, Heiguiberto Navarro, a medida foi tomada para dar segurança à funcionária.
Apesar dessas justificativas, Giannasi se considera uma vítima e diz que chegaram até a pedir-lhe um exame de sanidade mental. Navarro afirma que foi pedido, na verdade, um atestado de saúde, pois ela havia sofrido um acidente um mês antes.
Na entrevista abaixo, a auditora fala sobre sua luta contra o amianto e os problemas que tem tido com o governo desde a década de 90.
Rets - Que males o amianto pode causar?
Fernanda Giannasi - O amianto ou asbesto, como é chamado no exterior, é um mineral (silicato de magnésio) reconhecidamente cancerígeno para os seres humanos, que se expõem a ele tanto no trabalho quanto indiretamente pelos produtos que contenham a fibra mortal. Quando entra no pulmão e atinge os alvéolos pulmonares, pode, além do câncer, provocar doenças progressivas e irreversíveis como a asbestose, uma fibrose pulmonar que retira a elasticidade do tecido pulmonar, causando falta de ar e morte por asfixia, e mesotelioma, tumor maligno que pode atingir não só a pleura (tecido que reveste o pulmão) e o peritônio (membrana que reveste a cavidade abdominal).
Rets - Quando você se envolveu com essa luta contra o amianto?
Fernanda Giannasi - Em 1981. Sou engenheira de formação e, naquela época, consegui um trabalho de pesquisa de materiais utilizados na indústria, entre eles o amianto. Mas anda não sabia dos riscos. Tive contato com uma pessoa que comentou sobre os problemas que ele poderia causar. Levei um novo material para testar e os trabalhadores disseram que ainda preferiam o amianto.
Em 1983 entro no Ministério do Trabalho e começo a tentar mudar uma tradição de atuar apenas no pagamento de processos de indenização. É uma atividade necessária, mas que só apaga fogo. Então lembrei da história do amianto. Ainda não tinha visto nada sobre o assunto no Brasil, apesar da Organização Internacional do Trabalho já discutir o uso do mineral.
Junto com um colega, fiz um levantamento bibliográfico sobre as questões médicas envolvidas na manipulação do amianto. Essa pesquisa chamou nossa atenção pela fonte das publicações – a maioria vinha das indústrias. Na mesma época conheci um ativista que tinha escrito sobre a morte de Steve McQueen, ator que faleceu em decorrência de males causados pelo amianto. A partir daí buscamos parceiros para fiscalização de fábricas, mas não queríamos ficar só nisso, queríamos também educar.
Rets - Aí começa a fiscalização?
Fernanda Giannasi - Nessa mesma época, meados dos anos 80, é organizada a Abra (Associação Brasileira de Amianto), que já estava ciente da existência de processos lá fora. Simultaneamente estavam sendo criados sindicatos de trabalhadores, preocupados com a exposição ao amianto. Tive então a idéia de criar um modelo tripartite para investigar o processo de produção e uso do amianto. Nele estariam representantes do Ministério do Trabalho, dos empresários e dos trabalhadores. Seria um grupo interinstitucional, para o qual eu também queria trazer pesquisadores, as secretarias estaduais de Saúde e Meio Ambiente e a Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho).
Era momento de verificar quem usava amianto e como. Negociamos visitas com a Abra, todas acompanhadas por profissionais de todos os setores, feitas de 1987 a 1990. Eram nove indústrias que produziam cimento-amianto. Porém, fomos vendo que o modelo tripartite não era bom, pois os sindicalistas e os empresários agiam juntos. Quando havia qualquer ameaça ao emprego dos trabalhadores, o sindicato deixava a saúde de lado. Ainda assim tivemos algumas melhorias, mas nada de concreto.
Então começo a me distanciar dos sindicatos, já no começo dos anos 90, e passo a procurar outros parceiros, que não tivessem aquela visão de “emprego a todo custo”. A Rio-92 me deu outra visão de formas de organização social. Era algo além da negociação e da barganha. As ONGs não são engessadas como o movimento sindical, que prefiro chamar de “paralisia” sindical. Já participei de sindicatos e os respeito, mas eles não deram conta da discussão. Na Eco-92 redirecionei minha vida.
Rets - Como foi isso?
Fernanda Giannasi - Comecei a me perguntar como poderia relacionar-me com os novos movimentos dentro da minha profissão. Vi que era preciso alianças de vários grupos em torno de uma causa. Não faz parte do meu perfil o engajamento nas grandes ONGs. Para mim, pequenos representantes podem dar conta do recado.
Em 1993, fui convidada pelos “verdes” para debater o problema do amianto na Itália, primeiro país a banir totalmente o mineral. Lá disse que não bastava a luta local, era preciso também agir de forma global, pois os problemas se repetiam. Apesar de ser de fora, propus criar um grupo mundial de combate ao asbesto, como eles chamam o amianto. A proposta foi bem recebida e foi formada uma rede. No mesmo ano organizamos um congresso no Brasil e fechamos a fábrica Thermoid, numa ação que foi o embrião da Abrea. Foi quando começaram os problemas com o governo, que, acuado por diversos interesses, disse que apoiaria o evento, mas poucos dias antes da realização, retirou o apoio.
Ou seja, foi um evento bancado por recursos públicos, mas sem apoio do Estado. O ministro do Trabalho [na época, Walter Barelli] recebeu cartas do governo francês [algumas empresas produtoras de amianto tinham origem francesa] e canadense [segundo maior produtor de amianto do mundo] reclamando, e recuou. Afinal, o amianto movimentava naquela época, só em mineração, US$ 10 milhões.
A partir daí começam as deserções. Alguns sindicalistas saem da luta e se juntam ao sindicato que eu havia abandonado em 1990. Era um coro preocupante a favor do amianto, mas o parlamento começa a se manifestar. Foi apresentado o primeiro Projeto de Lei (PL) que proíbe a comercialização do mineral, no município do Rio. Em seguida, foi a vez de São Paulo.
Criamos também a Rede Virtual de Banimento do Amianto na América Latina, pela qual pesquisamos e divulgamos novos autores. A Internet facilitou tudo.
Rets - Nesse momento é criada a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea)?
Fernanda Giannasi - A Abrea surgiu de fato em 1995, quando comecei a me reunir com os ex-trabalhadores expostos ao amianto, inicialmente com dois, depois com oito, 32, até chegarmos aos 1.200 membros da associação. Cada um com que nos reuníamos se comprometeu a arrumar mais casos entre os ex-colegas. Legalmente ela passou a ter vida em 1996. A necessidade de sua constituição jurídica se deu para representar os seus membros em diversas ações, individuais ou coletivas.
Rets - Fale um pouco mais sobre os problemas que você teve.
Fernanda Giannasi - Eles começam em 1993, no fim do congresso, quando eu começo a fiscalizar a indústria de autopeças [o amianto é usado na fabricação de pastilhas de freio e embreagem] sem apoio nenhum e sou chamada para dar explicações sobre minhas atividades. Disseram que poderia haver desemprego caso as fábricas fossem fechadas. O [então ministro do trabalho Walter] Barelli acreditava que o banimento se daria pela negociação com cada categoria. Se isso fosse adiante, conseguiríamos, numa visão otimista, acabar com 15% da produção. Mas o setor da construção civil seria mantido, pois tem um sindicato mais fraco.
Eu explicava isso, mas não era ouvida. Aí começaram os processos administrativos, diziam que eu agia como ativista ao invés de como fiscal. Tanto que em 1995 sou transferida para Osasco, quando estava em plena atividade em São Paulo. Eu já tinha estado em Osasco para acompanhar a demolição da fábrica Eternit, dois anos antes.
Pensei que era uma decisão temporária, mas, como na época tive uma gravidez complicada, preferi ficar quieta para me poupar. Osasco não tinha mais fábricas, por isso me considerei tirada de ação. Mas lá eu me deparei com os primeiros trabalhadores a serem empregados na indústria do amianto, que perderam o emprego no começo dos anos 1990. Encontrei-os desempregados e doentes. Lá pude fazer o que queria. Eram todos trabalhadores politizados, o que me rendeu uma formação muito boa. Fui conversando com cada um, que foi chamando outro. Cheguei a formar um grupo de 1.200 pessoas só da Eternit.
Rets - Sua relação com a Eternit foi complicada, chegando até à Justiça. Como começou?
Fernanda Giannasi - Em 1993, a fábrica da Eternit foi demolida. A empresa alegou que estava em um processo de reestruturação e que a fábrica de Osasco era a mais antiga. Por isso a decisão de fechá-la. Mas nessa época também começaram a surgir funcionários doentes, que foram aposentados. É engraçado: em 1995 "não havia" um caso de doença causada pelo amianto na cidade. Hoje ela é a capital nacional. Entre 1996 e 1997 foram movidas cerca de 600 ações contra a Eternit. Em 1997, a empresa volta à cidade e oferece acordos com os trabalhadores. Cada um ganharia de R$ 5 mil a R$ 15 mil de indenização para retirar os processos.
Foi nosso primeiro embate. Boa parte dos funcionários já havia aceitado o acordo quando fiquei sabendo dele. Era compreensível, pois estavam velhos, doentes e sem emprego. Tinham medo de se expor. Um grupo, porém, levou adiante o processo com minha ajuda. Foi quando redigi um manifesto chamando as indústrias de máfia. Aí, em 1998, tomei um processo-crime.
Rets - Na época você declarou que o Ministério do Trabalho não a apoiou...
Fernanda Giannasi - A posição pró-indústria já havia ganhado espaço no Ministério. Não há só um lobby em torno dele, mas também dentro. Graças à rede, o caso da Eternit tomou grandes proporções, houve um grande movimento para me proteger. Houve uma indignação mundial pelo processo ser criminal. A indústria se chocou, pensou que não teria reflexos. Em 1999, o juiz responsável não aceitou a queixa.
Seis meses depois, a Brasilit decidiu deixar o amianto. A Eternit também anunciou, mas até hoje ainda fabrica derivados de amianto.
Rets - Você considerou essas declarações uma vitória?
Fernanda Giannasi - Foi uma vitória do movimento. Sou a cabeça dele, mas há outros atores. A partir de 2000, vários projetos de lei surgiram no país pedindo o fim da produção de amianto. Outro momento importante foi quando a França anunciou o banimento em 1997. Mas houve derrotas também. Quando o [deputado federal] Eduardo Jorge (PT-SP) apresentou PL em 1993 para banir o amianto, o texto foi alterado para uso controlado.
Naquele momento foi uma derrota, mas em 1999 e 2000 o movimento chegou a seu auge. Em 1996 nos juntamos com o [deputado federal] Fernando Gabeira [atualmente sem partido; na época, estava no PV] e reapresentamos o projeto original de Eduardo Jorge, que ainda está tramitando. O [deputado federal] Ronaldo Caiado (PFL-GO) é o relator da Comissão Especial de Amianto e me chamou de “marqueteira histérica”.
Ainda assim chamamos atenção, tanto que fomos capa de revista nacional e muitos projetos foram aprovados, como no Rio, no Mato Grosso do Sul e no Rio Grande do Sul. Apesar disso, no Mato Grosso do Sul e em São Paulo as leis foram derrubadas em 2002. A partir desse momento a situação ficou ruim. Considero 2003 uma tragédia. Tudo foi solapado e o governo só pede calma.
Rets - Então não há lei federal que proíba a produção de amianto?
Fernanda Giannasi - Infelizmente não. As leis federais estão todas apensadas ao projeto dos deputados Eduardo Jorge e Fernando Gabeira e tramitam a passos lentos, já que a comissão especial, cujo relator é o deputado Caiado, apresentou um substitutivo que foi aprovado pela Comissão Especial (composta em sua maioria por deputados de Goiânia, onde fica a principal mina de amianto do país) e que deverá ir ao plenário da Câmara para ser votado. Se o substitutivo for vetado, vota-se o projeto de banimento, mas a impressão que tenho é que o governo sentou em cima disto (falando a linguagem de Brasília).
Rets - Qual sua opinião sobre os vetos a algumas leis estaduais que proibiam a produção e comercialização de produtos com amianto?
Fernanda Giannasi - A decretação de inconstitucionalidade das leis estaduais de Mato Grosso do Sul e São Paulo pelo Supremo Tribunal Federal é um retrocesso, pois não foi julgado o mérito e, sim, a questão econômica envolvida, que, segundo a decisão, é para preservar 40% da arrecadação do estado de Goiás [maior produtor de amianto do Brasil]. No meu entender, fere a Constituição, que em 1998 deu poderes aos estados e municípios para legislar concorrentemente em questões referentes a saúde e meio ambiente.
Rets - Você já afirmou que tem tido dificuldades para trabalhar. Que problemas são esses?
Fernanda Giannasi - Em 2003, já de volta a São Paulo há dois anos, briguei com o [então ministro do Trabalho] Jacques Wagner. O ministério acabou com a especialização. Agora não há critério para enviar uma equipe de fiscalização. Disse a ele que a nomeação da Ruth Vilela, idealizadora da decisão, representava um atraso.
Pois bem, o caso de Unaí [cidade mineira onde três auditores do Ministério do Trabalho foram assassinados durante investigação sobre a existência de trabalho escravo] foi o que eu imaginava que fosse acontecer em algum momento. Os fiscais que foram cumprir a missão para alcançar a meta de casos resolvidos do Ministério não tinham especialização. Não houve um trabalho de inteligência anterior. É como se eu, que nunca lidei com casos de trabalho escravo, fosse enviada para resolver um. Não conheço os detalhes desse problema. Foi uma operação mal feita. Quando afirmei isso, ficaram irritados comigo.
Além disso, em novembro do ano passado, a Secretaria de Inspeção de Trabalho, por meio do Departamento de Segurança e Saúde do Trabalho, cancela uma viagem minha a Recife (PE). Em dezembro, suspendem atividades minhas [e também da auditora Cecília Zavariz] fora de São Paulo.
Rets - Como isso aconteceu?
Fernanda Giannasi - Com apoio de um diretor do Ministério em Brasília, mapeamos a produção de amianto no Brasil (indústria de cloro, freios automotivos e construção civil). Quando vou a Alagoas, mandam voltar. Reclamo e nada acontece. Na véspera de uma viagem ao Espírito Santo, em dezembro, recebo um memorando cancelando a viagem. Na minha visão estou incomodando os poderosos da indústria. O combate ao amianto não é uma política de governo, então as ações dessa área não contam ponto nas metas do ministério.
Rets - E quando começam as ameaças?
Fernanda Giannasi - Cinco dias depois das mortes em Unaí, recebi uma carta de oito páginas, em casa, assinada por um tal de Instituto de Defesa do Patrimônio Nacional. Ela atribui à Abrea perdas econômicas e a acusa de “perversão”. Além disso, lista diversas ações que propus e o Instituto se diz responsável pelos fracassos. Diz ter respaldo no governo para extinguir “atitudes isoladas” em defesa do banimento do amianto, sendo que a única pessoa que trabalha com isso no ministério sou eu.
Para mim, “extingüir” quer dizer eliminar. Logo, soou como ameaça. Isso para não falar da coincidência de datas.
Rets - Quem poderia ser o responsável por essa carta?
Fernanda Giannasi - Pode ser algum oportunista querendo ganhar algo ou alguém do setor.
Rets - É a primeira vez que você recebe ameaças?
Fernanda Giannasi - Em 1998 recebi ligações de uma pessoa que afirmava estar sendo ameaçado e me aconselhava a tomar cuidado da minha família. Quando instalei um aparelho identificador de chamadas, as ligações cessaram.
Rets - Você pediu proteção em algum momento?
Fernanda Giannasi - Entreguei a carta ao Ministério Público, que disse não poder fazer nada. Em 17 de fevereiro apelei ao [atual ministro do Trabalho, Ricardo] Berzoini, pedi garantias para eu continuar meu trabalho. Ele respondeu imediatamente dizendo que me daria todo apoio necessário e que designaria um secretário para me auxiliar.
No dia 20 de fevereiro ligaram para minha casa, depois de eu interditar uma fábrica em Salto (SP). Disseram que eu deveria ir à DRT, pois, a partir daquele dia, eu iria fazer serviço interno. A ordem havia sido dada pela [secretária de inspeção do trabalho] Ruth Vilela, via fax, o qual nem me deixaram ler. O memorando dizia ainda que a Polícia Federal deveria ser acionada.
Há várias formas de proteção de vida, mas essa eu não poderia aceitar. Quando consegui falar com o ministério, pedi para revogarem a ordem e me disseram que eu não poderia recusar a proteção.
Não procurei a Polícia Federal (PF) pois já havia avisado o ministro, que é quem deveria ter acionado a PF. Agora não tenho prazo para sair das funções dentro do prédio, onde não consigo trabalhar. Colocaram-me em uma sala ruim, que servia de depósito, sem ar-condicionado nem telefone. Até estagiários têm sala com ar e telefone. Eu não tenho. Estou trabalhando no corredor, com máquinas minhas. Além disso, para criar a minha “sala”, arrombaram a de dois colegas, pois o depósito não tinha ligação com o corredor, que teve de ser feita abrindo as portas. Ou seja, me expõem a constrangimento.
Ainda por cima, recebi uma requisição pedindo um exame de capacidade física e sanidade mental. Sofri um acidente de trabalho em janeiro e tive que me afastar. Entreguei laudos médicos nos prazos corretos e, mesmo assim, pedem-me exames. Inclusive de sanidade mental. É humilhação.
Vou entrar com processo por assédio moral contra a doutora Ruth Vilela, estou tomando as providências necessárias. É um momento muito difícil da minha vida...
Recusei formalmente a proteção de vida e o delegado do trabalho pediu os documentos para encaminhar para a polícia. Por orientação de meu advogado, vou esperar a PF pedir oficialmente.
Rets - Você está sendo processada pelo ex-ministro do Tribunal Superior do Trabalho Almir Pazzianoto. Por quê?
Fernanda Giannasi - É uma briga antiga, que vem da criação do sindicato dos trabalhadores de Capivari (SP). O Almir Pazzianoto está movendo quatro processos contra mim, sendo que um já foi arquivado. Tudo começou em 1985, quando comecei a fazer levantamentos para fiscalizar as indústrias. Um sindicalista novo, Emílio Alves Ferreira, havia pedido extensão de base por possuir um sindicato específico de trabalhadores de amianto. Ele conseguiu junto ao juiz Pazzianoto e passou a representar todos em São Paulo. Tinha um bom trânsito nas empresas.
Três anos depois ele cria, em Capivari, a Comissão Nacional dos Trabalhadores do Amianto (CNTA), vinculada à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria, e passa a representar todos que trabalham com amianto no país. Com a substituição do mineral por outros materiais, a tendência era esse sindicato acabar, mas as empresas arranjaram outras funções para ele: atuar na briga pelas indenizações. Mas já havia uma entidade de representação dos expostos ao amianto, a Abrea. O sindicato não representa vítimas, pois elas estão fora da fábrica, ao contrário dos trabalhadores. O promotor encarregado do caso, contudo, não aceitava isso. Restou-me atacar a CNTA como representante ilegítima.
Em dezembro de 2002 fiz um manifesto afirmando que a confederação estava rebaixando os valores de indenização, que de R$ 200 mil passaram para R$ 50 mil, apesar da proposta inicial das empresas ser de R$ 15 mil. Para mim, foi tudo jogo de cena. Apesar de se dizer ofendido, o sindicato decidiu não me processar. Quem entrou com processo administrativo foi Pazzianoto, pois afirmei ser aquilo uma “manobra” dele, que disse ter sido atingido em sua honra por uma funcionária pública. Mas, para divulgar o manifesto, usei meu email pessoal, de casa, e não me coloquei como auditora fiscal no manifesto. Esse processo já foi arquivado.
Rets - E quais são os outros?
Fernanda Giannasi - Em 2003 consegui documentos da criação do sindicato de Capivari, que se mostraram fraudulentos. O tempo necessário para pedir a carta sindical não foi respeitado e as fichas de filiação foram falsificadas. Havia nomes repetidos, assinados com a mesma letra e algumas pessoas colocadas em cargos que nunca ocuparam. A criação foi aprovada por Piazzanoto, que agora me processa por ofender sua honra. O juiz designado havia sido [João Carlos da] Rocha Mattos [que está preso em decorrência de acusações de corrupção feitas pela Operação Anaconda da Polícia Federal]. Não acredito que tenha sido coincidência.
Rets - Que desfecho você espera para todos esses casos?
Fernanda Giannasi - Não sei. No momento estou preocupada em arrumar dinheiro para pagar advogados. Mas vou tentar reverter isso. O grande problema é o poder econômico da indústria do amianto. Só não fui morta física e socialmente por ter apoio do terceiro setor, que tanto no Brasil quanto no exterior reconhecem os meus esforços.
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer