Autor original: Marcelo Medeiros
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Uma coalizão de 140 organizações não-governamentais de 55 países acaba de lançar uma campanha internacional contra a matança de baleias. A Whalewatch (observatório de baleias, em português) pretende pressionar a Comissão Baleeira Internacional (IWC), entidade que regula a pesca do animal, a suspender todas as operações baleeiras do mundo, manter a proibição da caça comercial e, principalmente, discutir a crueldade aplicada nessas atividades durante o encontro da entidade em julho, na Itália. As organizações estimam que 1.400 cetáceos sejam mortos este ano para terem sua carne revendida ou serem objeto de estudo.
A coalizão defende que os animais devem estar livres de fome e sede, desconforto, dor, doenças, medo e estresse, além de ter direito a expressar seu comportamento natural.
As ONGs já publicaram na Internet um relatório detalhando os problemas relacionados aos maiores animais do mundo (ver link ao lado). O que mais causa comoção é a forma como eles são capturados. O método, apesar de variar de país para país, é basicamente o mesmo desde o século XIX: grandes embarcações lançam arpões com explosivos, que penetram o corpo do animal e explodem seus órgãos internos. Apesar da ação violenta, eles demoram a morrer. O tempo médio de vida após a explosão é de dois minutos, mas, de acordo com o tipo de armamento utilizado e a mira dos atiradores, ele pode chegar a horas. Segundo o documento, 20% das baleias mortas por embarcações norueguesas não morrem instantaneamente, percentual que triplica no caso dos barcos japoneses. Quando os arpões não funcionam, outras técnicas, como tiros de rifle e descargas elétricas, são empregadas.
Para piorar, de acordo com o relatório, os critérios utilizados pela IWC para definir a morte de uma baleia (afundar sem movimento, relaxamento da mandíbula ou ausência de movimentos da cauda) são considerados inadequados por cientistas. Eles acreditam que os animais possuem mecanismos naturais que os permitem ter todas essas reações sem estarem realmente mortos. Há ainda o problema dos que são feridos e conseguem escapar, mas ficam com seqüelas que prejudicam sua vida. Mesmo com o avanço tecnológico, não há meios que evitem o sofrimento.
“Se as baleias pudessem gritar, a indústria pararia com a pesca, pois ninguém seria capaz de agüentar o barulho”, resume o naturalista e apresentador inglês David Attenborough no prefácio da publicação. A frase, na verdade, é de Harry Lillie, biólogo morto há mais de 50 anos que acompanhou expedições baleeiras à Antártida. De acordo com Attenborough, “não há nada no corpo de uma baleia, que seja útil para nós, que não possamos encontrar equivalentes”.
As baleias já foram usadas para fabricar óleos, artesanatos e até remédios, mas hoje seu principal destino são os restaurantes. Sua carne é vendida a aproximadamente R$ 850 o quilo no Japão, sendo o rabo uma iguaria ainda mais valiosa. Uma baleia Minke, por exemplo, é vendida por US$ 100 mil no Japão. Segundo a Associação Mundial de Proteção aos Animais (WSPA, na sigla em inglês), o comércio de carne de baleias movimenta entre US$ 27 milhões e US$ 36 milhões por ano. Outro item vendido é a gordura animal. A pesca com fins científicos no Japão, dividida em dois programas, custa aproximadamente a mesma quantia anualmente e possui permissão especial no país oriental.
De acordo com Debra Ashton, assessora da WSPA, a carne comercializada vem das baleias vendidas como “material de estudo”. Além dos japoneses, apenas o governo da Noruega e da Islândia permitem a pesca desses cetáceos. O principal alvo é a espécie Minke, encontrada no oceano Antártico e no norte do Pacífico.
Os três países ignoram a suspensão da caça comercial imposta pela IWC em 1986. Em protesto contra a decisão, a Noruega voltou aos mares em 1992 e os produtos têm sido vendidos internamente e exportados. Os islandeses planejam capturar 250 baleias fin e sei nos próximos quatro anos, alegando “fins científicos”. A decisão foi anunciada no último encontro da IWC, realizado ano passado, e criticada pelo comitê científico da entidade. A resolução aprovada afirmava que a decisão seria “um ato contrário ao espírito da moratória à pesca comercial e aos desejos da Comissão”. Os dois países europeus dizem que o abate de baleias faz parte de suas tradições e que atualmente ele é feito de maneira sustentável. Desde 1986 mais de 20 mil animais foram mortos, segundo a WSPA.
A única forma de caça aprovada é a feita por aborígenes, cujas necessidades culturais e nutricionais foram reconhecidas pela organização internacional. Porém, há limites: os produtos baleeiros devem ser limitados ao consumo local. São autorizados a caçar baleias povos indígenas dos EUA (que caçam baleias cinzenta e branca), da Groelândia (minke e fin), Rússia (cinzenta e branca), São Vicente e Granada (corcunda). O respeito às tradições no entanto se choca com o sofrimento dos animais. Os métodos utilizados pelos aborígenes são menos eficientes do que os usados pelos grandes barcos pesqueiros, mas a IWC tem trabalhado junto a esses grupos no sentido de diminuir esse problema.
Apesar dos esforços do IWC para preservar as características dos índios, a Whalewatch não acredita que realmente haja controles. “Interromper a matança já foi uma luta pela preservação. Contudo, quando os preços começaram a subir, conseguiu-se uma desculpa para a pesca recomeçar”, diz Ashton. “Graças à pressão da sociedade civil conseguimos proibir a caça. A nossa coalizão não acredita em uso sustentável – o assunto não são números, mas sim sofrimento. A caça é cruel e por isso deve ser banida”. A IWC defende a caça sustentável apesar da moratória decretada em 1996.
O relatório da coalizão reconhece os esforços da indústria pela preservação dos animais, mas afirma que os resultados ainda não são satisfatórios. O percentual de animais mortos instantaneamente continua baixo e o tempo de sofrimento também não diminuiu mesmo com a aplicação de novas tecnologias. Por isso, o documento defende que cessem todas as atividades baleeiras no mundo. "Não podemos eliminar uma espécie por causa de ganância", diz Lula Reed, diretora da Associação de Amparo aos Animais, única organização brasileira a participar da coalizão internacional.
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