Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
Mostrar aos policiais que respeitar os direitos humanos é parte de seu trabalho é o objetivo do Projeto de Difusão das Normas de Direitos Humanos e Princípios Humanitários do Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Criado em 1998, o programa treina instrutores, responsáveis pelo ensino nas academias de polícia, para que eles repassem o aprendizado a seus companheiros.
O conteúdo das aulas, que duram três semanas, mostra conceitos internacionais de proteção à população e uso de armas de fogo e como utilizá-los em situações cotidianas. O Código de Conduta para Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, aprovado pelas Nações Unidas em 1979, afirma, por exemplo, que “no cumprimento do seu dever, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar e proteger a dignidade humana, manter e apoiar os direitos fundamentais de todas as pessoas”. “Nossa abordagem alia teoria e prática”, resume Erich Meier, um ex-policial que hoje é um dos responsáveis pelo treinamento no projeto.
A metodologia foi adotada após os elaboradores perceberem, em suas pesquisas iniciais de planejamento, que o tema era conhecido pelos comandantes, mas não era aplicado nas ruas. Por isso, de acordo com Meier, quebrar a resistência à expressão “direitos humanos” é o primeiro passo dos cursos. “Há uma confusão com as organizações que defendem os direitos, consideradas por policiais órgãos que impedem seu trabalho ou protegem demais o infrator. Não percebem que, se o Estado é de direito e eles fazem parte dessa instituição, possuem parte da responsabilidade”, diz.
A partir desse princípio, o projeto busca mostrar aos alunos que o respeito aos direitos humanos faz parte da própria segurança. Além disso, as aulas detalham a legislação brasileira, normas internacionais de segurança, conduta, princípios que regem a ação da polícia, técnicas e táticas que permitem pouco uso da força para solucionar conflitos. A parte prática inclui treinamento de ações de prisão, busca em veículos e negociação em seqüestros.
Somente os responsáveis por ensino nas academias de polícia participam. Até hoje, 1.020 policiais fizeram parte do projeto em 59 cursos de formação e outros 232, em 11 atividades de reforço. Já foram realizados também seminários sobre o assunto. Após o término do curso, eles funcionam como multiplicadores. Já participaram as forças de segurança de diversos estados, entre eles Minas Gerais, São Paulo e Rondônia. Neste último, por exemplo, quase todo o efetivo, por ser pouco numeroso, foi sensibilizado.
Os resultados já são sentidos. Em fevereiro, a Polícia Militar mineira publicou suas diretrizes de treinamento baseadas em direitos humanos e, recentemente, a polícia paulista começou a instalar postos comunitários para melhorar o atendimento à população, que, em vários pontos do país, tem reclamado da atuação policial.
Um levantamento junto a ouvidorias de polícia, realizado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro, mostra um alto número de queixas feitas nos estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A pesquisa "Controle externo da polícia: o caso brasileiro" foi concluída em 2002 e coordenada pela socióloga Julita Lemgruber.
O estudo aponta que, de janeiro de 1998 a dezembro de 2001, por exemplo, foram registradas mais de 12 mil denúncias em relação à polícia paulista, uma média de 8,5 por dia. No Rio, de março de 1999 a março de 2002, foram quase duas mil. No Rio Grande do Sul, de agosto de 1999 a outubro de 2001, 1.547 queixas. Em Minas, 1.034 somados os períodos entre setembro de 1998 a julho de 1999 e entre janeiro e março de 2000. A maioria das reclamações é relativa a casos de abuso de autoridade e de violência.
Se a brutalidade tem sido marca da polícia brasileira, ela pode estar desaparecendo - e esse processo, servindo de exemplo para o exterior. O projeto, criado no Brasil, está sendo desenvolvido em oito países latino-americanos (Colômbia, Equador, México, Venezuela, Guatemala, Peru, Bolívia e Panamá) e 15 africanos. A única mudança é a carga horária, adequada ao tamanho das forças policiais e disposição para as aulas.
Segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a resistência dos policiais que passaram pelo curso foi quebrada em todos os locais em que foi aplicada a metodologia. “Direitos humanos é coisa de polícia”, diz Méier, de Lima, no Peru. “Se um policial os desconhecer, terá formação equivocada e isso terá reflexo em seu trabalho”.
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