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Fica para a próxima

Autor original: Mariana Loiola

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Fica para a próxima

Organizações não-governamentais e movimentos nacionais e internacionais, que atuam em prol dos direitos humanos, se mobilizaram para sensibilizar os governos e a opinião pública e ampliar a divulgação da "Resolução sobre Direitos Humanos e Orientação Sexual", que seria apreciada na 60º Sessão da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que acontece desde 15 de março e vai até 23 de abril, em Genebra. A proposta da Resolução, que incluiria a orientação sexual entre as categorias protegidas pela ONU, foi apresentada pelo governo brasileiro em abril de 2003, na 59ª sessão da mesma comissão, mas não chegou a ser votada devido à polêmica que provocou dentro da reunião, principalmente entre países islâmicos e o Vaticano. Um grupo de países favoráveis à resolução conseguiu adiar a apreciação para a sessão deste ano, com a esperança de que finalmente fosse submetida à votação.

Mas ainda não foi dessa vez. No último dia 29 de março, na 60ª Sessão, a Missão Brasileira na Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas desistiu de levar a proposta para votação e pediu o adiamento por mais um ano, quando ficou claro que o Vaticano e os países conservadores impediriam a sua aprovação.

Yone Lindgren, membro do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), do Conselho de Ética da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), e coordenadora geral do Movimento D’ Ellas e do Disque Defesa Homossexual (DDH), acredita que o recuo do governo foi a melhor estratégia. Ela prevê dois grandes desafios para o movimento de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (GLBT) no Brasil para os próximos meses: o fortalecimento da campanha de apoio à resolução e a implementação do Programa Brasileiro de Combate à Violência e à Discriminação a Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros, que será lançado, no próximo dia 16 de abril, pelo governo federal com a participação de representantes de diversas organizações não-governamentais.

Rets - Que impacto deve ter o adiamento da resolução que incluiria a orientação sexual entre as categorias protegidas pela ONU na luta pelos direitos dos homossexuais, bissexuais e transgêneros? Você concorda com o recuo do governo?

Yone Lindgren - Todos do movimento GLBT ficaram indignados. Acho que o governo brasileiro tinha que ter primeiro consultado o movimento, pois é o grupo mais interessado na aprovação da resolução. Algumas lideranças sabiam sobre a proposta, mas o governo não entrou em contato para falar sobre o assunto. Essa foi uma grande falha. Muitas lideranças só ficaram sabendo sobre a resolução em uma reunião, promovida por uma ONG canadense, em dezembro, no Rio de Janeiro, com a presença de diversos países, para discutir estratégias sobre orientação sexual.

Mas eu concordo com o recuo. Não adianta apresentar a proposta sabendo que não será aprovada. Tivemos o apoio certo de nove países, que continuam de acordo com a proposta. Mas os que não apoiavam poderiam derrubar a resolução. Acho que foi melhor a retirada estratégica.

Rets - Quais são os desafios do movimento GLBT a partir de agora?

Yone Lindgren - Agora teremos mais tempo de fortalecer a campanha para sensibilizar a população sobre a necessidade de apoio à proposta brasileira. Poderemos buscar recursos para que as lideranças consigam comparecer à sessão de 2005. A articulação lá dentro é essencial. Com o Programa Brasileiro de Combate à Violência e à Discriminação a Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros, vai ser muito mais fácil. Para onde formos com o Programa, vamos fazer uma ampla divulgação da resolução para toda a população. Nós, da ABGLT, também vamos pressionar a Associação Internacional de Gays e Lésbicas (Ilga), que poderia ter feito uma campanha muito maior para divulgar a resolução.

Rets - O que representaria, na prática, a aprovação desse documento para o segmento GLBT?

Yone Lindgren – Seguimos o mesmo caminho do movimento negro. O povo se educa para não fazer discriminação racial, pois pode ser punido por lei. Se a resolução sobre orientação sexual fosse aprovada, teríamos mais condições de exigir leis que beneficiassem os homossexuais e, quem discriminasse, poderia ser preso. Também seria mais fácil para as pessoas viverem, serem mais autênticas, sem terem que esconder sua orientação sexual e terem a sua auto-estima diminuída. As estatísticas indicam que uma pessoa homossexual é assassinada por dia no país. A todo o momento acontecem violações de direitos por homofobia.

Rets - Qual foi o papel das ONGs e movimentos brasileiros para que o nosso governo estivesse à frente dessa iniciativa?

Yone Lindgren - O movimento GLBT há muito tempo cobra do governo brasileiro essa postura. Hoje somos muito bem recebidos pelo governo federal. No Ministério da Saúde, por exemplo, temos uma grande abertura. Temos mais dificuldade de conversar com o Ministério da Educação, para propor a inclusão do debate sobre discriminação por orientação sexual nas escolas.

Rets – Você pode nos adiantar mais informações sobre o Programa Brasileiro de Combate à Violência e à Discriminação a Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros, que será lançado no próximo dia 16?

Yone Lindgren – O programa pretende criar instrumentos de defesa contra a discriminação por orientação sexual e promover os direitos e a cidadania de GLBTs. A intenção é incluir essa temática nas ações governamentais do Estado brasileiro. Vai buscar a articulação e o desenvolvimento de políticas públicas para esse segmento e incentivar a criação de legislação que proíba e puna discriminação e violência contra homossexuais. A partir de uma pesquisa que vimos realizando há três anos, em paradas e eventos, para fazer um diagnóstico das necessidades básicas desse segmento, serão elaboradas diretrizes, recomendações e linhas de ação, como a criação de centros de referência contra a violência e a discriminação a GLBTs e a capacitação de policiais.

O que nós queremos é estabelecer uma sociedade igualitária de direitos e cidadania de todo mundo, inclusive os homossexuais. A nossa maior expectativa é que esse programa saia do papel.

Rets – Você espera encontrar muita resistência dos setores conservadores para implementação do Programa?

Yone Lindgren – No Rio de Janeiro, por exemplo, vai ser uma briga para fazer esse trabalho. O governo estadual simplesmente não reconhece a nossa existência. Isso me preocupa muito. A bancada evangélica no governo está cada vez mais forte. Isso sem falar na Igreja Católica. Para se ter uma idéia, o governo federal chegou a receber uma carta da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) pedindo para não apresentar a resolução na ONU. Esses grupos simplesmente não aceitam homossexuais, bissexuais e transgêneros. A Argentina, por exemplo, hoje apoia a resolução, mas ficou durante muito tempo em cima do muro, em grande parte por causa da Igreja.

Mariana Loiola

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