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Novo índice de igualdade

Autor original: Marcelo Medeiros

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Novo índice de igualdade
J.R Ripper
Depois dos índices de desenvolvimento humano e juvenil, daqui a pouco pode ser a vez de a igualdade racial no Brasil - e talvez no mundo - ser avaliada. A idéia é da psicóloga Edna Roland, coordenadora da Área de Combate ao Racismo e à Discriminação da Unesco no Brasil. Há algumas semanas, ela apresentou a proposta de criação do Índice de Igualdade Racial na última reunião do Grupo de Experts Eminentes, do qual faz parte. O órgão é responsável por acompanhar a implementação do Programa de Ação de Durban, que busca eliminar todas as formas de preconceito e discriminação racial.

A idéia foi bem recebida e agora Roland busca apoio tanto dentro quanto fora do país para levar adiante o projeto do índice. Para ela, a criação do IDR neste ano seria muito importante, pois é o Ano Internacional de Comemoração das Lutas contra a Escravidão. "O Índice de Igualdade Racial deverá se constituir numa ferramenta política e ética: ninguém quer ficar mal na foto, os governos irão se preocupar em expor as desigualdades existentes", diz a brasileira.

Uma das fundadoras do Coletivo de Mulheres Negras e do Instituto Geledés da Mulher Negra, duas entidades bastante ativas no cenário nacional, Roland acha que o racismo no país está diminuindo, mas ainda é muito forte – e isso pode ser notado em qualquer lugar a que se vá. Nesta entrevista ela explica melhor como seria desenvolvido o IIR e fala sobre a força do preconceito racial no Brasil.

Rets - Explique no que consistiria o Índice de Igualdade Racial. Que indicadores seriam utilizados e qual seu período de reavaliação? Seria um índice a ser utilizado em todo o mundo ou só no Brasil?

Edna Roland - A proposta do Índice de Igualdade Racial baseou-se no Índice de Desenvolvimento Humano, que é calculado pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) para todos os países que fazem parte da ONU, e na experiência que foi desenvolvida pelo economista Marcelo Paixão e pela pesquisadora Wania Santana de calcular separadamente o IDH de negros e brancos no Brasil, como se fossem dois "países" diferentes. Para se ter uma idéia, em 2001 o Observatório Afro-Brasileiro, coordenado por Marcelo Paixão, calculou que o IDH dos negros no Brasil era de 0,712 e o dos brancos, 0,820, ficando o Brasil Negro na 107ª posição num total de 175 nações, enquanto o IDH do Brasil branco ocupou a 65ª posição. Assim, imaginei que se poderia desenvolver um índice que justamente classificasse os países pelo grau de desigualdade racial existente na sua população. A operacionalização da proposta deverá ser delineada por um grupo de trabalho envolvendo as diversas agências do sistema ONU, incluindo a Unesco, Pnud, Banco Mundial, OIT, Unctad, FNUAP e o Alto Comissariado de Direitos Humanos. Uma idéia possível é que este índice utilize os mesmos indicadores que compõem o IDH: rendimento per capita, escolaridade (taxa de escolaridade e de alfabetização) e esperança de vida ao nascer. Todavia o cálculo deverá ser feito separadamente para os grupos étnicos/raciais que compõem a população de cada país e deverá ser construída uma escala para medir a desigualdade entre os grupos. A proposta é que este índice seja utilizado para avaliar a desigualdade racial em todos os países, que serão então classificados de acordo com o grau de desigualdade. Quanto à periodicidade, estamos ainda no processo inicial de discussão, mas se a experiência do IDH for seguida, o IIR deverá ser calculado anualmente.

Rets - Qual foi a reação à proposta na Unesco?

Edna Roland - A proposta foi apresentada inicialmente em Genebra, em setembro de 2003, na reunião do Grupo de Experts Eminentes, do qual faço parte, encarregado de acompanhar a implementação da Declaração e Programa de Ação de Durban. Ela foi recebida com muito entusiasmo pelos meus colegas da Unesco, tanto do escritório do Brasil quanto da sede, em Paris. A Divisão de Direitos Humanos da sede colocou o desenvolvimento deste índice como uma das suas prioridades para o biênio 2004-2005.

Rets - Qual o significado de se criar um Índice de Igualdade Racial neste ano de Comemoração das Lutas Contra a Escravidão?

Edna Roland - Considero que será um grande avanço se conseguirmos desenvolvê-lo este ano. As Nações Unidas declararam 2004 o Ano Internacional de Comemoração das Lutas contra a Escravidão e sua Abolição exatamente para impulsionar iniciativas de combate ao racismo e promoção da igualdade.

Rets - De que forma esse índice pode ser utilizado para diminuir a desigualdade brasileira?

Edna Roland - Ao se tornar um índice internacional, aceito e legitimado pelo conjunto das nações, o Índice da Igualdade Racial deverá se constituir numa ferramenta política e ética: ninguém quer ficar mal na foto, os governos irão se preocupar em expor as desigualdades existentes.

Rets - Por falar em índices, uma pesquisa publicada no ano passado pela Fundação Perseu Abramo mostrava que a quantidade de pessoas que assume ser racista diminuiu consideravelmente. Em 95, quando foi feita pela primeira vez, com dados do Datafolha, 12% dos entrevistados afirmavam ter preconceito contra negros. Em 2003, apenas 4% fizeram essa declaração. Outro item mostrava, em 1995, que 87% das pessoas diziam haver preconceito indireto, número que caiu para 74% em 2003. É possível sentir essa melhora no cotidiano?

Edna Roland - Hoje se fala mais abertamente no Brasil sobre racismo e discriminação racial, como também houve um avanço significativo na discussão acerca de políticas específicas para a promoção da igualdade racial. A redução nos percentuais pode não significar exatamente que o preconceito tenha diminuído: pode significar que as pessoas tomaram consciência de que ter preconceito é uma coisa grave e passaram a ocultar as suas concepções.

Rets - Qual sua opinião sobre o Estatuto da Igualdade Racial?

Edna Roland - O Estatuto da Igualdade Racial é uma iniciativa da maior importância e representa um grande esforço do Poder Legislativo, do qual participaram diversos representantes da sociedade civil. Espero que o Parlamento brasileiro o aprove integralmente neste ano, o Ano Internacional de Comemoração da Luta contra a Escravidão e sua Abolição.

Rets - Cotas nas universidades ajudam a promover a igualdade racial?

Edna Roland - Sem dúvida. Além de abrir as portas da universidade para um número significativo de jovens negros e negras, que deverão no futuro ocupar espaço em todos os setores da vida social, o próprio debate sobre as cotas tem obrigado a sociedade brasileira a se repensar. É evidente que o acesso à universidade não resolve todos os problemas enfrentados pela população negra no Brasil. Os opositores costumam dizer que a presença reduzida de negros na universidade é apenas a ponta do iceberg. Sem dúvida! Mas temos que começar por algum lugar: a ponta pode justamente ser o começo! A importância que é dada à universidade justamente abre o caminho para que outros espaços possam também ser democratizados, recebendo uma parcela deste povo que é quase metade do Brasil.

Marcelo Medeiros

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