Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Nas últimas semanas, o governo federal tomou medidas que podem modificar o setor elétrico brasileiro nos próximos anos, mesmo que timidamente. No dia 16 de março, foram sancionadas duas leis que regulamentam o novo modelo energético, ainda baseado na produção de eletricidade a partir de grandes hidrelétricas. Uma, a 10.847, autoriza a criação de uma nova estatal, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME). A outra, 10.848, dispõe sobre a comercialização de energia no país. Ambas ainda precisam ser regulamentadas. Duas semanas depois, em 30 de março, o governo federal regulamentou o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (Proinfa), cujo objetivo é estimular a diversificação da produção.
A intenção das medidas, de acordo com o governo, é aumentar a participação das fontes alternativas renováveis na produção nacional - dos atuais 3,6% para 5,9% em 2006 - e garantir a estabilidade do sistema, bem como baixos preços para os consumidores.
Ambientalistas, pequenos produtores de energia e especialistas acham que o Proinfa é um ótimo sinal, mas criticam a timidez da proposta. Além disso, declaram-se reticentes em relação às mudanças implementadas pela nova legislação, entre elas a forma de obtenção de licenças ambientais para levar adiante projetos energéticos. A EPE também é vista como uma boa iniciativa por ter entre suas funções o planejamento do setor e o incentivo à pesquisa para o desenvolvimento de formas alternativas de geração de energia. Contudo seu futuro ainda é incerto, assim como as vantagens que essas novidades podem trazer para os consumidores.
Proinfa
O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas foi criado pela lei 10.438, de 2002, mas só foi regulamentado agora. Quando ainda estava sendo debatido no Congresso, o programa incluía energia eólica, de biomassa, de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e solar, mas esta acabou sendo retirada da proposta.
A lei estabeleceu a compra de 3.300 megawatts (MW) por ano no Sistema Integrado Nacional, produzidos pelas três fontes aprovadas pelo Legislativo. Cada categoria venderá até 1.100 MW à Eletrobrás. Além disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai financiar até 70% dos custos de novos projetos, num total de R$ 5,5 bilhões até 2005. O governo espera investimentos de R$ 8,6 bilhões pela iniciativa privada no período e a geração de 150 mil empregos. “É um bom começo, mas não pode parar por aí”, diz Sérgio Dialetachi, diretor do setor de Energia do Greenpeace.
Entretanto, apesar da boa expectativa, o que parecia um grande benefício – a garantia de compra – não foi tão positivo quanto se esperava. Os preços foram estabelecidos pelo Ministério de Minas e Energia (MME) depois de estudos e uma consulta pública feita até julho do ano passado, mas não agradaram.
“Para nossa surpresa, os valores estabelecidos são 20% menores do que os sugeridos em julho. O governo não considerou nem a inflação do período, apesar de ter adotado uma metodologia de cálculo adequada. Com esses valores, talvez não se alcancem os 1.100 MW que cabem a cada um [se referindo às três fontes alternativas aprovadas]. Muitos empreendimentos deixarão de ter viabilidade econômica e acabarão estourando no BNDES”, reclama Ricardo Pigatto, presidente da Associação Brasileira de Médios e Pequenos Produtores de Energia. O valor para o megawatt vindo de energia eólica é de R$ 204; o de biomassa, entre R$ 93 e R$ 169, dependendo do combustível, e o de PCHs, R$ 117. Pigatto critica também a falta de ousadia do governo na contratação de energia alternativa. “Cinco mil megawatts seria um número razoável”, diz.
O Ministério de Minas e Energia, por meio de sua assessoria de imprensa, informa que o valor adotado é resultado de “estudos técnicos que levaram em conta a relação entre custo e benefício de cada tipo de produção e o estímulo a projetos eficientes” e que a quantidade de energia a ser contratada foi estabelecida na lei.
Apesar das críticas, Pigatto afirma que o Proinfa é um bom começo para o crescimento da oferta de energia alternativa. “O marco legal é bom. Acabaram os períodos de incerteza, mas é preciso que o país cresça para que o programa surta efeito”, lembra. O elogio é compartilhado por outros especialistas, como Everaldo Feitosa, diretor do Centro Brasileiro de Energia Eólica e vice-presidente da Associação Internacional de Energia Eólica. Para ele, o programa é uma ótima oportunidade de distribuir o desenvolvimento do país. “Foi a iniciativa mais competente e inteligente do governo até agora, pois gera empregos em todos os níveis”. Como exemplo, cita a implementação de usinas eólicas no Piauí. De acordo com ele, cada megawatt produzido por elas demanda investimentos de US$ 1 milhão. “O Piauí tem projetos de instalar 100 MW. Quando uma região dessa teria oportunidade de receber esses investimentos? É algo fantástico”. De acordo com seus cálculos, do US$ 1 bilhão que deve ser investido para a geração dos 100 MW de energia eólica, US$ 150 milhões devem ir para a engenharia civil, o mesmo valor para a infra-estrutura elétrica e US$ 640 milhões para a compra e o desenvolvimento de turbinas.
Segundo Feitosa, outros benefícios do Proinfa são a exigência de nacionalização dos equipamentos (ao menos 60%) e o baixo custo para o governo. “A Eletrobrás apenas garante a compra e repassa a energia para o consumidor sem grande impacto na tarifa final”. Ele calcula que o aumento seja de no máximo 1,2%.
A preocupação com os preços se justifica pela diferença em relação ao valor da energia disponibilizada no mercado. Enquanto o megawatt produzido pela fonte alternativa mais barata, a biomassa de bagaço de cana, custa R$ 93 (valor estabelecido para compra pelo governo no Proinfa), a mesma quantidade de energia está sendo negociada no Mercado Atacadista de Energia por R$ 18,59 em abril.
“Mas não podemos fazer essa comparação”, alerta Feitosa. “A energia produzida por hidrelétricas é velha, os investimentos já estão pagos. É preciso comparar, por exemplo, com as térmicas instaladas na época do apagão, que custam o dobro das energias alternativas”, diz. Já o secretário geral do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), Renato Queiroz, afirma que as fontes alternativas, pelo preço, são importantes para o futuro. “Elas devem motivar pesquisas, mas as fontes hidráulicas ainda serão dominantes por muito tempo”.
De qualquer maneira, a conta de luz para o consumidor final ainda está cara. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou recentemente reajustes médios de 12,74% a 19,13% nas tarifas das distribuidoras Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), Empresa Energética do Mato Grosso do Sul (Enersul), e Centrais Elétricas Matogrossenses (Cemat). A agência também avisou que os próximos reajustes devem ficar acima da inflação, pois é preciso repor os aumentos do dólar ocorridos no ano passado. A maior parte da energia do Sudeste é comprada de Itaipu, que, por ser binacional, tem sua produção cotada na moeda estrangeira.
Para Queiroz, a culpa é do modelo adotado pelo governo, que aloca a rentabilidade do sistema na geração – e a maioria das empresas foi privatizada. Os aumentos de custos são corrigidos pelo IGP-M, índice que costuma fica acima do aferido pelo IPCA, utilizado pelo governo nos cálculos de inflação. Logo, a modicidade de tarifas buscada pelo Ministério de Minas e Energias com a sanção do novo modelo não está garantida. “A garantia de preços baixos não é absoluta, mas foram desfeitas algumas falhas do antigo modelo que propiciavam prejuízos aos consumidores. As leis ainda dependem de regulamentação, ou seja, um conjunto de decretos, resoluções do MME, Centro Nacional de Política Energética e Aneel”, diz Carlos Augusto Kirchner, membro do Fórum de Defesa do Consumidor de Energia Elétrica e diretor do Ilumina. Já Marcos Pó, consultor técnico do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), acredita que é preciso pensar no futuro, pois ainda há muita incerteza: "talvez, em médio ou longo prazo, ocorra diminuição de preços em comparação com os índices inflacionários, mas ainda há muitas questões em aberto".
Se os baixos preços não estão garantidos, por outro lado, a volta do planejamento do setor energético para as mãos do ministério, prevista no novo modelo, é vista com bons olhos. Antes o planejamento era função da Aneel. “É uma medida imprescindível, já que se trata de um serviço público. Os mecanismos de mercado, como ficou mais do que provado no racionamento, não dão resposta adequada para garantir a expansão necessária ao nosso desenvolvimento”, diz Kirchner.
O risco de um novo apagão, segundo os especialistas, está afastado, pois investimentos estão sendo feitos. O Proinfa, aliás, colabora para abastecer o sistema na época de poucas chuvas. O regime de ventos no Nordeste, por exemplo, é inverso ao de chuvas. Logo, quando as hidrelétricas produzirem menos, as fontes alternativas podem diminuir a carência.
A criação da EPE também é vista com bons olhos, pois colabora no planejamento e no estabelecimento de licenças ambientais, que agora devem ser feitas antes de o projeto ser licitado. Renato Queiroz, entretanto, ressalta que é preciso que as organizações da sociedade civil pressionem para serem ouvidas no Conselho Consultivo da nova empresa, composto por 20 pessoas. Destas, uma será representante da comunidade científica, uma de consumidores residenciais e outra de empreendedores de fontes alternativas. Os demais serão vinculados ao poder público ou a grandes empresas.
Sérgio Dialetachi, contudo, afirma ter receio da mudança da forma de obtenção de licenças ambientais. “Da maneira como está redigida, parece que o empreendedor fica livre de responsabilidades, o que é preocupante. Pode haver um comportamento de cada um fazer o que quiser, pois a licença foi dada pelo governo”. O ministério diz que esse risco não existe, pois, além da licença ambiental prévia, necessária para iniciar os estudos da obra, outras duas autorizações são exigidas. Uma é a de implantação, que deve atender os requisitos da anterior, e a outra de operação, quando o projeto já estiver funcionando.
A preocupação com o meio ambiente parece estar aumentando no governo: na cerimônia de lançamento do Proinfa foi anunciada uma parceria entre os ministérios para elaborarem linhas de ação em comum. Mesmo assim, os ambientalistas não estão satisfeitos. A produção de energia nuclear continua e recursos para a construção da usina de Angra 3 foram incluídos no Plano Plurianual por meio de emenda. Angra 1 e 2 produzem 3,6% da eletricidade brasileira. “São muito caras. Tanto que não funcionam a pleno vapor. Se funcionassem, elevariam muito o preço do megawatt no mercado. E ainda recebem subsídio do governo”, diz Dialetachi. Para o diretor do Greenpeace, a energia nuclear é atrasada e está sendo deixada de lado por vários países, inclusive a Alemanha, que forneceu tecnologia para as usinas brasileiras.
Apesar disso, as principais críticas dos ambientalistas são direcionadas ao modelo de produção. Segundo eles, falta incentivo à economia de energia, que pouparia muitos investimentos e a natureza. “A política energética ainda é baseada em um modelo concentrador e predatório. Não vi nenhuma força sendo feita para diminuir o desperdício. É um modelo suicida”, diz Vilmar Berna, editor do Jornal do Meio Ambiente. Para ele, o governo ainda considera as questões ambientais como um problema técnico, no qual as empresas levam em conta os custos para recuperar a fauna e a flora, além das indenizações de pessoas deslocadas por barragens, e os embutem nas tarifas.
“Ou seja, precisamos nos perguntar como produzimos energia, para quem e por quê”, alerta Dialetachi.
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