Autor original: Graciela Baroni Selaimen
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Allan Cain é um canadense que conhece de perto o que significou a guerra civil de Angola - e suas consequências. Há 14 anos, durante um cessar-fogo, ele ajudou a construir a AngoNet – Rede Humanitária de Angola. O projeto forneceu os primeiros serviços Internet do país - a princípio, apenas contas de e-mail - e hoje apóia organizações humanitárias e da sociedade civil angolana na reconstrução do país no pós-guerra, principalmente, com relação às comunicações. Em Angola apenas 1.1% da população tem acesso direto aos meios de telecomunicações [a média em países desenvolvidos é de 40.1%].
Em março deste ano, Cain participou do I Seminário Internacional de Gerenciamento de Redes para o Desenvolvimento Comunitário, realizado em Maceió (AL). Em entrevista à Rets, ele contou como a organização trabalha para o fortalecimento e expansão do uso efetivo das Tecnologias de Informação e Comunicação para as ONGs angolanas, mesmo em áreas onde a infra-estrutura de telecomunicação é limitada. Allan ressalta a importância de se ampliar a partilha de experiências entre países lusófonos e também sobre o desafio de promover iniciativas de educação à distância na África. Ele expõe sua preocupação com a falta de conteúdos em português para os cursos e sobre como a educação à distância pode ser importante para capacitar profissionais de ONGs em Angola, evitando que essas pessoas – depois de 15 anos envolvidas no trabalho humanitário – deixem suas atividades nas zonas rurais e provinciais para dar continuidade aos seus estudos na capital. “Precisamos de cursos à distância apropriados e encontrar uma maneira de reconhecer os créditos dos cursos feitos para contarem em termos acadêmicos e profissionais. Enfim, temos muitos desafios pela frente.”
Rets - Quais as principais linhas de trabalho desenvolvidas pela AngoNet?
Allan Cain - A AngoNet foi criada em 1989. Foi a primeira rede eletrônica em Angola, o primeiro projeto a fornecer serviços de correio eletrônico. Foi o primeiro em Angola e na África Austral a introduzir as TICs para ONGs. O projeto é financiado pelo CCIC (Conselho Canadense para Cooperação Internacional), uma organização canadense. Ele foi lançado no período em que a sociedade civil angolana nascia. Angola sofreu uma guerra civil que durou 40 anos, mas houve uma pausa de 1990 a 1992. Durante esse cessar-fogo uma lei foi criada para permitir a criação de ONGs e a AngoNet nasceu para apoiá-las. Nossa equipe, por volta de 1995, criou um servidor ISP(Provedores Comerciais de Serviços de Internet), que hoje é o principal do país. Foi a nossa contribuição para as TICs em Angola. No final dos anos 90, a AngoNet passou a prover serviços tecnológicos e informação adaptada às necessidades da sociedade civil. Atualmente, a rede possui 400 membros.
Rets - Como vocês fazem a articulação das redes para o fortalecimento político e econômico no pós-guerra?
Allan Cain - A rede foi muito importante nos últimos anos da guerra para promover o debate e mesmo a criação de uma rede de paz. A AngoNet foi engajada nisso: no processo de promoção de paz e na reconciliação como um forte componente. No pós-guerra a importância do desenvolvimento sustentável ganha importância. Por isso, neste momento nosso projeto está na fase de ampliação da rede para as províncias mais afetadas pela guerra, onde não há muitas ONGs trabalhando agora. Nesses locais não há interesse de redes comerciais em se estabelecer e as organizações comunitárias que lá estão têm muito o que reconstruir. Isso vai levar tempo. O país foi dividido, há conflitos em torno de temas. As pessoas estão voltando para seus locais de origem e estamos discutindo os direitos dos deslocados e dos ocupantes. Neste processo de deslocamento e ocupação de espaços que foram deixados vazios durante a guerra, desenvolveram-se as musseke (o mesmo que as favelas, no Brasil). Essas habitações não foram regularizadas, ou seja, essas populações não têm direitos. Há uma rede organizada para defendê-las nas zonas urbanas e rurais.
Além disso, há uma nova iniciativa do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) sendo lançada que inclui o debate sobre a redução da pobreza e formas de melhorar o impacto de programas, neste campo. A AngoNet vai montar agora, nos próximos três a seis meses, um debate nacional para colaborar com o governo para o melhoramento de estratégias de redução da pobreza. Pensamos num fórum eletrônico, uma nova experiência – em que qualquer pessoa, em qualquer lugar, possa participar.
Rets - Como você vê a articulação de redes sociais em países lusófonos? Há colaboração suficiente entre países como Brasil, Portugal, Timor Leste e os países da África lusófona?
Allan Cain - Houve tentativas como o projeto Acacia (Comunidades e a Sociedade de Informação em África) e outros programas, como o BellaNet para promover o debate e desenvolver uma base de dados sobre desminagem. Mas não tivemos número suficiente de organizações em Angola participando, neste tema específico. O projeto não avançou, seu desenvolvimento não teve grande sucesso. Queríamos promover mais intercâmbio entre os países lusófonos. Hoje, há mais uma troca de informações sobre aspectos técnicos e ainda não avançamos na discussão sobre troca de informação, conteúdo. Devemos, daqui para frente, trocar informações, promover debates sobre temas específicos para trocar experiências. Vim ao Brasil participar do I Seminário Internacional de Gerenciamento de Redes para o Desenvolvimento Comunitário para desenvolver esta idéia sobre como trocar informações, não só pela Internet. Discutimos como partilhar experiências brasileiras em Angola e Moçambique. Acho que algo vai surgir. Uma das idéias de nosso interesse é promover educação à distância, assunto em que o Brasil está muito mais avançado. Tivemos poucas experiências em Angola, mas não conseguimos identificar materiais suficientes para cursos em português. Este é nosso objetivo agora.
Rets - Quais são as principais necessidades para a aplicação da educação à distância, em Angola?
Allan Cain - Capacitar profissionais de ONGs. Oferecer educação continuada para melhorar as capacidades profissionais. Pode-se estender isso depois para funcionários públicos, administradores e políticos locais. Para isso, estamos buscando parcerias no Brasil com universidades, ONGs e estamos abertos a colaborar, usando os servidores da ArgoNet, criando salas de aulas virtuais em centros de informática de ONGs. Isto é importante para mantermos os profissionais que trabalham na área social nas zonas rurais e provinciais. Isso porque, todas as universidades estão na capital e se não oferecermos a possibilidade de as pessoas estudarem, e se manterem em seus locais de trabalho, a sociedade civil vai perder muito. Educação é um assunto muito crítico no pós-guerra. As pessoas envolvidas no trabalho humanitário passaram os últimos 15 anos sem estudar, pois os colégios foram destruídos e os equipamentos roubados. E a educação à distância é uma maneira de reforçar capacidades hoje em dia.
Rets - Quais seriam os temas dos cursos?
Allan Cain - Principalmente, desenvolvimento rural e urbano, meio ambiente, água e saneamento, energia e engenharia rural, sociologia, economia, microfinanças. Há muitas necessidades, mas queremos promover cursos práticos. A idéia é tentar criar grupos de cinco a dez pessoas para estudar, criar tempo de estudo. Fazer isso sozinho é mais difícil, é preciso muita disciplina e queremos fazer o acompanhamento desses grupos. Precisamos de cursos apropriados e uma maneira de reconhecer os créditos dos cursos feitos para contarem em termos acadêmicos e profissionais. Enfim, temos muitos desafios pela frente.
Nota: As entidades que quiserem entrar em contato com a AngoNet a respeito do tema educação à distância podem escrever para Jonathan Howard no endereço abrigo.dw@huambo.angonet.org
Graciela Selaimen
Colaborou Viviane Gomes
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