Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Artigos de opinião
Iara Pietricovsky*
A convocação feita pelo advogado Fábio Konder Comparato, em artigo publicado pelo jornal Folha de São Paulo, de 22 de fevereiro, intitulado “Organizar o contra-poder popular”, ainda repercute entre as organizações da sociedade civil brasileira. Diante do vácuo deixado pela ida do Partido dos Trabalhadores para o poder e da inoperância fisiológica dos partidos que agora tentam fazer uma oposição ao governo Lula – de poucos resultados, é verdade –, coloca-se a necessidade – e, mais do que isso, a urgência – da organização do sugerido “consórcio de organizações não-governamentais” para se contrapor ao establishment.
Esta breve introdução tem duas funções. A primeira é resgatar e apoiar a proposta de Comparato. A segunda, colocar alguns dos pré-requisitos para que as organizações da sociedade civil venham a “atuar como agentes desse contra-poder popular”. O primeiro deles, com certeza, é a credibilidade que essas organizações construíram ao longo de mais de duas décadas de ação política, fiscalizando as ações do governo, acompanhando gastos públicos, denunciando a malversação de recursos federais, propondo alternativas e buscando reorientar políticas públicas segundo a necessidade dos excluídos.
No ano em que completa 25 anos de fundação, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) deflagra uma ampla campanha que, mais do que comemorar as conquistas obtidas ao longo deste quarto de século, demonstra claramente o grau de amadurecimento da sociedade civil organizada brasileira. O consórcio ao qual se refere Comparato já se configura na Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong) e na Inter-Redes, articulações que desde o processo eleitoral vêm imprimindo um novo desenho nas relações com o governo federal. Interlocutores sem mandato, somos investidos pelo espírito de um “Exército Brancaleone”. Lutamos por ideais, numa batalha quase sempre desigual. Mas a nossa força reside justamente no nosso poder de argumentação, na certeza de estarmos buscando o bem comum e não simplesmente benefícios corporativos.
Olhando pelo retrovisor da história, nos identificamos com os manifestantes pró-Diretas Já, reprimidos pelo general Newton Cruz; como protagonistas das articulações que resultaram na Campanha de Combate à Fome e contra a Miséria e no Movimento pela Ética na Política; nos caras-pintadas; com o Brasil que, pela primeira vez em sua história, retirou do poder um presidente comprometido e conivente com a corrupção. Essa articulação ou consórcio, como prefere Comparato, vem sendo estruturada desde a democratização do país.
Não por acaso, foi criado o Fórum Social Mundial, um espaço de articulação da sociedade civil mundial, cujas três primeiras edições foram realizadas no Brasil. Temos uma sociedade pujante, engajada, curiosa e sensível para as necessidades dos excluídos. Temos a coragem de apoiar os que se autoproclamam defensores de mudanças estruturais e de criticá-los quando esses mesmos atores se escudam atrás de um discurso que não encontra eco na prática política.
Além de credibilidade para falar em nome de toda a sociedade brasileira, as organizações da sociedade civil, ou pelo menos aquelas com efetivo comprometimento social, buscam marcar suas ações com a responsabilidade que possa legitimar sua ação. Exercemos o controle social, que tanto incomoda aos governantes de plantão, com transparência, cientes da importância do papel que desempenhamos na capacitação de outras organizações e de como essa qualificação transforma, qualifica e “empodera” a cidadania de todos nós, brasileiros.
Essa tem sido uma batalha árdua. Não somos uma organização ligada a partidos políticos. Somos, sim, partidários do povo brasileiro na construção de um país mais justo, igualitário, inclusivo e democrático. Acreditamos que o pleno exercício de nossos direitos e cidadania passa pelo atendimento de antigas e reiteradas reivindicações, como a abertura do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) para toda a sociedade, de forma que nosso controle e análises sejam embasados em dados efetivos e não em relatórios de execução cumulativos que nem sempre trazem detalhes essenciais para a construção de produtos mais atualizados e que nos permitiriam otimizar a intervenção e o controle sobre as políticas públicas sociais. O contra-poder bate às portas do governo.
* Iara Pietricovsky é membro do Colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados. |
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