Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
![]() AP | ![]() |
A imagem do governo federal não é das melhores perante as organizações não governamentais (ONGs). Elas reclamam da política econômica, da falta de diálogo e do tratamento dispensado pelo presidente e sua equipe às ONGs, que segundo elas, estariam sendo consideradas “parte” do Estado. Ainda assim, acreditam que boas idéias existem. As queixas foram feitas durante o seminário “Avaliação do governo Lula”, realizado no Rio de Janeiro nos dias 13 e 14 de abril pela Associação Brasileira de ONGs (Abong). O evento reuniu representantes de cerca de 100 filiadas.
Para os palestrantes e debatedores, a esperança que os contagiou com a vitória de Lula na eleição começou a se desfazer ainda antes da posse e, após um ano e três meses de mandato, o temor tem aumentado e a paciência, diminuído. Por isso, de acordo com os presentes, é hora de começar a pressionar Brasília por mudanças.
As principais críticas foram direcionadas para a participação da sociedade civil organizada nas decisões do governo, apesar de algumas ressalvas. Para Pedro Pontual, presidente do Conselho de Educação de Adultos da América Latina (Ceaal) e um dos debatedores da mesa sobre os processos de participação no governo federal, a criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e de diversos fóruns, além da abertura de consultas públicas sobre o Plano Plurianual, são boas iniciativas, mas ainda têm pequena visibilidade. O diretor do Instituto de Estudos Sócio-Econômicos (Inesc) José Antônio Moroni, que também esteve na mesa, concorda. “Esse governo tem uma compreensão diferente do papel da sociedade civil, pois esta participa de conferências e conselhos”. Mas a posição não é unânime: “para o governo, o movimento social é aquele verticalizado, mais próximo do modelo sindical. Os ambientalistas, por exemplo, não são levados em conta”, reclama Márcio Santilli, diretor do Instituto Socioambiental (ISA).
Por outro lado, eles acreditam que o entendimento pode ser melhorado. Moroni afirma que as ONGs não estão sendo vistas como sujeitos políticos e sim, sociais. Isso estaria levando a equipe governamental a considerá-las apenas um bom instrumento de divulgação de ações e também cria uma dificuldade de diálogo. “Somos vistos como difusos, sem uma central. Do jeito que as coisas vão, daqui a pouco vão perguntar quem é o presidente da sociedade civil”, ironiza. Para ele, a ausência de líderes centrais é uma característica positiva e inerente à organização da sociedade civil. Outra crítica feita pelo diretor do Inesc foi a forma de escolha de representantes nos espaços de discussão. Moroni afirma que é Brasília, e não os membros de fóruns de organizações, quem está decidindo os presentes em reuniões. “Essa é uma briga histórica nossa. Quem deve escolher somos nós. Está faltando autonomia e respeito”, reclama, para depois alertar sobre o perigo de cooptação que se apresenta às ONGs.
Este risco foi comentado por Mônica Oliveira, do Centro Nordestino de Animação Popular (Cenap) e da regional Nordeste da Abong. “ONGs estão sendo tratadas como quintal do governo, algumas chegam a funcionar como ‘laranjas’ e servem apenas como prestadoras de serviços”, comentou. Ivo Lesbaupin, do Iser/Assessoria, concorda: “Hoje há mais espaço do que na gestão Fernando Henrique, mas boa parte é jogo de cena”. Como exemplo citou a composição do Conselho de Desenvolvimento Social e Econômico, cuja maioria é composta por empresários.
Já Pontual pergunta “para qual concepção de participação esses processos apontam?”. Segundo ele, a legislação brasileira permite maior envolvimento da sociedade nos planejamentos governamentais, mas isso não está sendo levado adiante. Comentando as negociações em torno do Plano Plurianual, realizadas em agosto do ano passado, afirmou que até agora os acordos firmados pela Secretaria da Presidência não foram cumpridos. Entre eles estão a criação de um grupo de trabalho para discutir investimentos e dar mais acesso a informações sobre a execução orçamentária e detalhá-las em relação a divisão por gênero, raça e renda, por exemplo. “Se queremos interferir, é preciso que se consiga a participação da sociedade na elaboração do orçamento anual”. O caminho, segundo o presidente da Ceaal, seria o governo criar mecanismos que lhe dessem mais transparência e incentivasse programas de cidadania ativa.
Programas Sociais
Eleito pela esperança da população de ver mudanças não só na política econômica mas também na área social, Lula não tem correspondido às expectativas, apesar da criação de iniciativas como o Fome Zero. Os programas sociais do governo não escaparam das críticas. Para Maria Betânia Ávila, da ONG SOS Corpo e uma das componentes da mesa sobre “políticas sociais universais”, as realizações não estariam gerando cidadania. “Os programas não contemplam o fim da pobreza, mas sim ações emergenciais. As bolsas criam ‘bolsistas eternos’ ao invés de cidadãos”, analisa. Ávila ainda questionou o alvo das políticas governamentais, segundo elas sempre voltadas para os pobres. “Onde estão impostos para os ricos?”, pergunta.
Para Francisco Menezes, do Ibase, os programas de transferência de renda foram atos de coragem, mas ainda estaríamos no começo de um longo caminho. Menezes sugeriu que o governo estabelecesse não só metas econômicas como também sociais, pois a busca pelo superávit primário seria exagerada, assim como os recursos empregados no pagamento de juros.
Já Lúcia Maria Xavier, da ONG Criola, aplaudiu algumas conquistas do movimento negro, que pela primeira vez fez parte, de forma organizada, do planejamento de ações públicas. Profissionais negros também estão em maior número no primeiro escalão de diversos ministérios e já ocupam uma cadeira no Supremo Tribunal Federal [o ministro José Barbosa foi indicado no fim do ano passado pelo presidente]. No entanto, faz ressalvas e uma sugestão: “a política de eqüidade é boa na teoria, mas na prática pouco se vê. Precisamos de mais ações afirmativas”.
Em relação à reforma urbana, Nelson Saule, do Instituto Pólis, afirmou haver dificuldades no Ministério das Cidades para dividir o poder, já que a equipe é composta por pessoas de diversas procedências. Como maiores problemas da pasta, apontou dificuldades de integração entre as áreas rural e urbana. Mas disse ter esperança no trabalho do Conselho das Cidades, espaço criado pelo governo para debater ações nas áreas metropolitanas, apesar de ainda ser necessário pressionar pela descentralização dos recursos.
Significado do governo
Para os participantes da mesa sobre desenvolvimento econômico, houve mudanças na política, mas os rumos precisam ser modificados, pois já preocupam. O professor do Instituto de Economia da UFRJ Fernando Cardim se declarou perplexo com o primeiro quarto de governo.e apontou algumas contradições. O economista afirma que há dois discursos em voga: o da conquista da credibilidade junto ao mercado e o do pedido de paciência nesse período de transição. Entretanto, para Cardim, eles são contraditórios. “A credibilidade junto ao mercado se refere à garantia de que o futuro não seja diferente”.
A "credibilidade" teria sido conquistada pela falta de posicionamento favorável às posturas históricas do Partido dos Trabalhadores em algumas questões, entre elas a ambiental. “Não houve preocupação em colocar diretrizes para o agronegócio, como o aproveitamento de áreas já desmatadas”, lembrou Márcio Santilli, cuja maior crítica foi direcionada à demora para homologar o Território Indígena de Raposa Serra do Sol, em Roraima. O ambientalista lembrou ainda que não tem havido preocupação com a sustentabilidade, mesmo com a senadora Marina Silva, conhecida por sua militância, estar ocupando o Ministério do Meio Ambiente. “O que preocupa é a ignorância do ‘núcleo duro’ em relação a esses temas”, declarou.
O diretor-geral da Abong, Jorge Eduardo Durão, foi mais veemente em suas críticas e deixou algumas perguntas no ar: “por que o Brasil cede às pressões internacionais quando outros países resistem? Não é possível continuar considerando a política econômica como reino dos iluminados. É preciso reciclar instrumentos intelectuais e práticos”. Durão criticou ainda a falta de ação da sociedade civil, mas lembrou que a Abong se manifestou contra algumas propostas de Lula durante a campanha.
Foi consenso entre os participantes que já é hora das ONGs aumentarem a pressão sobre o governo e exigirem mudanças tanto nos rumos da política econômica quanto no relacionamento com a sociedade civil. Em nota oficial [leia a íntegra ao lado], a Abong diz almejar “que o governo Lula cumpra os compromissos de mudança, assumidos com a população brasileira, garantindo, assim, a consolidação do processo democrático e a confiança popular na democracia”.
Segundo Nelson Saule, é preciso buscar novos aliados. A mesma opinião tem Pedro Pontual: “é importante que encontremos parceiros. Ainda há tempo e espaço para isso”. Mas Moroni alerta, ao afirmar que a o grande papel da sociedade civil hoje é criticar: “não podem ser afirmações para destruir projetos, mas também não podemos ficar quietos. Precisamos propor”. Durão, no entanto, afirma: "É momento de correr riscos".
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer