Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
O dilema com que se debate hoje o presidente Lula – fazer um reajuste maior do salário mínimo ou realizar investimentos que propiciem o crescimento da economia – corrobora a avaliação dos primeiros meses do governo Lula que a Associação Brasileira de ONGs (Abong) acaba de realizar. O dilema do presidente reflete um conjunto de bloqueios que o governo está urgentemente desafiado a superar. O presidente não leva em conta a alternativa de realizar as duas coisas – aumento significativo do salário mínimo e realização dos investimentos –, porque não considera a hipótese de tocar nas cláusulas pétreas da atual política econômica: o elevado superávit primário e a busca de credibilidade junto aos credores da dívida pública. Ainda que tal política pudesse se justificar no momento da crítica transição do governo anterior para o atual, seu prolongamento indefinido representará a renúncia do Estado ao cumprimento de suas irrenunciáveis obrigações para com a efetivação dos direitos sociais da população brasileira.
A Abong questiona os rumos do governo a partir de princípios políticos que se contrapõem ao primado do mercado sobre a sociedade. Com base nesses princípios, as ONGs têm dialogado com o governo há um ano e quatro meses, sempre inspiradas pelo anseio de que o governo Lula fosse bem-sucedido na realização dos compromissos de mudanças em prol das maiorias excluídas da sociedade brasileira. A Abong avalia que, sob diversos aspectos, os rumos do governo Lula conflitam com esses princípios, que constituem os compromissos programáticos mínimos das ONGs: luta contra a exclusão e pela redução das desigualdades sociais – com ênfase na luta contra a desigualdade racial e de gênero –, promoção e defesa dos direitos humanos (com ênfase nos direitos econômicos, sociais e culturais), busca de um novo modelo de desenvolvimento que privilegie a geração de emprego e renda , socialmente justo e ambientalmente sustentável.
A avaliação que fazemos a partir desses parâmetros aponta um conjunto de elementos extremamente preocupantes: ·
As ONGs avaliam que no governo Lula tem havido, simultaneamente, uma significativa ampliação dos espaços e processos de participação e a persistência de um conjunto de restrições ao alcance desta participação, reduzindo-a, por vezes, a simples consultas ou a meros processos de escuta da sociedade, sem uma perspectiva mais ampla de fortalecimento da democracia participativa. A continuidade e o aprofundamento desse processo passa também pelo cumprimento dos acordos estabelecidos publicamente entre o governo e as organizações da sociedade civil, entre os quais aqueles relativos à continuidade do processo participativo relativo ao PPA .
Condição necessária para o avanço da democracia participativa será a superação da percepção limitada que o governo Lula parece ter da sociedade – privilegiando os setores empresariais e sindical, como ficou mais do que patente na composição do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) –, em detrimento da enorme diversidade de atores sociais e políticos, que expressam interesses difusos e defendem plataformas amplas como a dos Direitos Sociais e a da sustentabilidade ambiental.
Por fim, expressamos as nossas preocupações com o fato de o governo Lula não ter colocado na sua pauta política um projeto de reforma do Estado, que avançasse no sentido de superar a histórica apropriação privada do Estado e dos processos decisórios no Brasil. Essa lacuna incide negativamente nas relações entre o Estado (e o governo Lula) e as ONGs.
A Abong almeja que o governo Lula cumpra os compromissos de mudança, assumidos com a população brasileira, garantindo, assim, a consolidação do processo democrático e a confiança popular na democracia.
Rio de Janeiro, 15 de abril de 2004.
O Conselho Diretor da Abong
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