Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
A ABONG - Associação Brasileira de ONGs vem a público manifestar sua indignação em relação aos últimos episódios de violência ocorridos no Rio de Janeiro e seu repúdio às declarações das autoridades em relação aos mesmos. A explosão de violência ocorrida na Sexta-feira Santa envolvendo comunidades da Rocinha e do Vidigal poderia se considerada apenas mais uma ocorrência se não apresentasse dois componentes que a colocam em destaque na mídia. O primeiro, pelos confrontos ocorrerem em territórios nobres da cidade do Rio de Janeiro e afetarem diretamente as camadas média e alta cariocas. O segundo, pelos desastrosos posicionamentos das autoridades na urgência de encontrar uma pronta resposta - principalmente para aqueles que o poder público considera cidadãos - a um problema estrutural.
Guerras entre traficantes, violência policial nas favelas, ações desastrosas do Estado nas comunidades para reprimir a violência, chacina de jovens e famílias por grupos de extermínio têm sido cenas corriqueiras nas cidades da região metropolitana e na capital do Rio de Janeiro. O destaque nos meios de comunicação acontece quando essa violência extrapola os muros já existentes dessas comunidades e rebate nas elites. O cotidiano de violência ao qual os pobres na metrópole estão expostos é tão banal quanto contundente em seus números. Segundo o IBGE, em dados recentes, em cada grupo de 100 mil jovens (entre 14 e 25 anos, em sua maioria provavelmente negros e pobres), 181 morreram vítimas de armas de fogo em 2000.
Entidades filiadas à ABONG, assim como movimentos parceiros, sabem que a violência urbana cotidiana dentro das comunidades ou tendo seus moradores como vítimas, por vezes, parece ser assimilada como parte da vida metropolitana. Tanto assim, que o primeiro posicionamento público das nossas autoridades estaduais e municipais, apesar da troca de acusações, converge para um elemento comum e historicamente já conhecido: a criminalização da pobreza e o conseqüente enfrentamento desta com mais violência, opressão e segregação, procurando livrar aqueles que pagam impostos e formam opinião, da ameaça das "classes perigosas". Tanto a construção de muros em torno das favelas quanto a solução pela ocupação militar na cidade são medidas que, além de não resolverem estruturalmente o problema, ferem direitos civis e não contribuem para aprofundar o debate real sobre o problema da segurança pública no estado do Rio de Janeiro.
Ironicamente, essa última explosão de violência ocorre em uma comunidade considerada um "bairro", por ser uma das mais urbanizadas do estado. Além disso, a Rocinha é palco de diversas iniciativas de ações sociais e trabalhos comunitários sérios e de reconhecida importância. Seria tolice negar que a urbanização e a presença de iniciativas de trabalhos sociais como as que existem não são importantes em termos da melhoria da qualidade de vida. Mas estes, sem a presença real do Estado por meio de políticas públicas universalistas e redistributivas, não asseguram por si só a cidadania e a redução das desigualdades.
A ABONG, somando-se a iniciativas existentes, a redes e fóruns que defendem direitos humanos e a reforma urbana, vem concordar com a reflexão sobre equívocos profundos na forma pela qual o poder público enfrenta a questão social no Rio de Janeiro. Políticas sociais paliativas e pulverizadoras de recursos, cujos impactos sociais não são mensurados e que não asseguram direitos sociais efetivos; ações de urbanização parcial de favelas, que não permitem sustentabilidade aos investimentos públicos realizados - uma vez que não caminham articulados a políticas de geração de emprego, de aplicação de tarifas sociais e de acesso a lazer, cultura e educação - não garantem uma inclusão social cidadã das pessoas que habitam as comunidades de baixa renda. O conflito e a violência não são frutos da pobreza, mas sim da desigualdade social, da forma desigual de cidadania entre as pessoas e no trato que recebem do Estado. Aos pobres, muros e repressão. Às elites, o direito - que deveria ser universal - de ir e vir, de consumir e de viver a cidade.
As ONGs da ABONG acreditam que o papel da sociedade organizada, de associações de moradores, movimentos de favelas, sindicatos, grupos de jovens e demais segmentos, é o de debater urgentemente com os governos estadual e municipal, de forma crítica e honesta, um projeto de desenvolvimento para o estado do Rio de Janeiro, o qual prime pela inclusão social por meio de políticas públicas urbanas, de saúde, de educação, de emprego e de assistência social que enfrentem a desigualdade e a exclusão social. A humanização de uma política de segurança pública que dialogue inter-setorialmente é fundamental para o enfrentamento do problema e não atitudes voluntariosas e desastrosas das autoridades."
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