Autor original: Graciela Baroni Selaimen
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
![]() Ricardo Sá | ![]() |
“Desde que a Unctad foi fundada, há 40 anos, o cenário internacional mudou radicalmente, por conta da globalização, e os problemas que passaram a ser enfrentados pelos países em desenvolvimento, hoje, exigem abordagens mais inovadoras. A XI Conferência da Unctad [que acontece em São Paulo de 13 a 18 de junho] oferece a oportunidade para tratar desses problemas e determinar os tipos de medidas, em âmbito nacional e multilateral, necessárias para garantir que a integração à economia mundial traga reais vantagens para os países em desenvolvimento. A abertura dos mercados comerciais e financeiros, por si só, não é suficiente”. As palavras de Rubens Ricúpero, secretário-geral da Unctad pintam com tintas suaves uma realidade berrante: quando a Unctad foi criada, não havia OMC, FMI, Banco Mundial, Nafta, discussão sobre Alca, e o mundo não conhecia o estado de pobreza extrema que hoje assola os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos.
A Unctad é a instância da ONU que trata, de forma integrada, de comércio e desenvolvimento, assim como questões relativas a finanças, tecnologia, investimentos e desenvolvimento sustentável. O tema da Unctad XI será “Aprimorando a coerência entre estratégias de desenvolvimento nacional e processos econômicos globais rumo a crescimento econômico e desenvolvimento, particularmente dos países em desenvolvimento”. A conferência conta com quatro subtemas: estratégias de desenvolvimento, construindo capacidade produtiva, assegurando ganhos em desenvolvimento do comércio e parceria para o desenvolvimento. Além destes quatro subtemas, as discussões nesta Conferência se orientam por três eixos transversais: comércio e pobreza; comércio e gênero; comércio e indústrias da criatividade (música, cinema, comunicação, produção de software etc.). Participam da Conferência representantes de 192 países-membros, organizações da sociedade civil e representantes de instituições intergovernamentais, além de parlamentares, acadêmicos, empresários e mídia. Segundo Alex Jobim, assessor da área de relações institucionais da Fase [uma das entidades que acompanham de perto o processo preparatório para o evento], “a tomar pelo interesse que a conferência está despertando na sociedade civil brasileira, ela está bem consciente da importância da conferência e de seu tema principal”.
É fato que entre as organizações da sociedade civil a Unctad é foco de atenção. Paralelamente à Conferência acontece o Fórum da Sociedade Civil – e as entidades participantes iniciarão suas atividades dois dias antes da programação oficial, em 11 e 12 de junho, com o intuito de elaborar uma declaração da sociedade civil internacional para a XI Unctad. Durante os outros dias, de 13 a 18 de junho, o Fórum da Sociedade Civil continuará acontecendo de forma paralela e apresentará temáticas que dialogam e se relacionam com a pauta oficial do evento. As organizações responsáveis pela organização do Fórum da Sociedade Civil no Brasil são a Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais) e a Rebrip (Rede Brasileira pela Integração dos Povos). Alex Jobim explica que “a Abong foi procurada pela Unctad para organizar o Fórum da Sociedade Civil, idealizado pela organização oficial do evento. Então, a partir desta informação, podemos perceber a importância que a Unctad devota à participação da sociedade civil internacional na Conferência”. Para ele, isso é resultado de dois fatores: primeiramente, a linha seguida pela Unctad – “seu ponto de vista sobre comércio internacional e desenvolvimento tem mais afinidades com as preocupações e demandas da sociedade civil internacional”. Em segundo lugar, a sociedade civil organizada internacional tem demonstrado um alto grau de mobilização e interesse em relação aos temas referentes à governança econômica internacional. “Isso a torna um ator relevante e indispensável em qualquer fórum ou instância que tenha repercussão sobre o desenvolvimento internacional, tendo em vista que o espaço institucional formal para o controle social de instituições como FMI, Banco Mundial e OMC é inexistente, o que é um gravíssimo defeito do sistema de governança econômica internacional”, acrescenta.
Apesar da participação ativa da sociedade civil nesta XI Conferência e na Unctad, de maneira geral, a consciência acerca da centralidade dos debates levados nesta instância da ONU não se estende à sociedade como um todo. “Acho que um amplo espectro da sociedade brasileira não está consciente da importância deste evento. Alguns setores organizados (ONGs, sindicatos e movimentos sociais) vinculados ao debate comercial estão mais por dentro deste tema e deste evento das Nações Unidas”, afirma Iara Pietricovsky, do Inesc, que reafirma a relevância da Unctad: “Sua importância reside no fato de ser a única instituição internacional, entre as multilaterais existentes, que faz uma análise crítica do modelo hegemônico orquestrado pelos bancos multilaterais, FMI, OMC etc. O trabalho realizado pela Unctad é fundamental para os países em desenvolvimento porque os municia com argumentos e dados para mostrar os equívocos do sistema neoliberal reinante e da crença no livre mercado como solução para as desigualdades e a pobreza do mundo”.
O fato é que a Unctad perdeu relevância, nas últimas décadas. Em seus primeiros 20 anos de existência, ela esteve no centro das negociações e dos debates sobre comércio e desenvolvimento, com um mandato focado em pesquisa analítica sobre commodities, tendo ajudado a estabelecer e monitorar muitos acordos internacionais relacionados à questão. A partir da década de 80, a Unctad passou a expandir gradualmente sua capacidade analítica para lidar com outras questões, incluindo nesse âmbito: políticas de industrialização; moeda, finanças e desenvolvimento; sistema monetário internacional e dívida. Entretanto, com a crescente hegemonia da visão neoliberal, a instituição enfrenta uma crise de representatividade efetiva – o que se deve, em grande parte, à resistência e aos impedimentos que vêm dos países desenvolvidos e dos órgãos e instituições por eles instalados. Alex Jobim ressalta a importância do posicionamento dos governos nesta Conferência, para que ocorra alguma mudança. “Esperamos que esta perda de relevância se reverta, mas é algo que depende também dos governos”, afirma.
Especificamente sobre a atuação do governo brasileiro, Alex explica que “a expectativa é que o governo brasileiro entenda a importância dessa conferência para o futuro da Unctad e a oportunidade que ela oferece para somar pontos na luta por uma governança internacional mais justa e realmente voltada para as reais necessidades dos países em desenvolvimento”. O processo de interlocução entre as organizações da sociedade civil e o governo ainda está em seus primeiros momentos, e Jobim ressalta que “é muito importante que essa interlocução evolua para um consenso em termos de ação e objetivos durante a conferência”.
Para a representante do Inesc, que participa nesta semana da Reunião Preparatória para a XI Unctad, em Genebra, Suíça, o Brasil parece estar apostando suas fichas neste evento da Unctad, mas até agora não apresentou suas posições de maneira mais explícita. “Do ponto de vista da relação com as ONGs, a relação está sendo fluida, em especial com a missão brasileira em Genebra. A posição do Brasil em defender o amplo mandato da Unctad tal qual foi decidida em Bancoc nos parece acertada, pois a intenção dos países europeus, dos EUA e do Canadá é reduzir o mandato da Unctad e tranformá-la numa mera agência de cooperação técnica dos países pobres da África”.
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