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O futuro do lixo eletrônico

Autor original: Mariana Loiola

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O futuro do lixo eletrônico


Em passagem pelo Brasil para um período de estudos, o pesquisador alemão Ing Carsten Franke, do Instituto de Máquinas e Ferramentas e Gerenciamento de Fábrica da Universidade Técnica de Berlim, realizou em abril uma palestra no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo (SP), para explicar mecanismos de tratamento de resíduos de equipamentos eletro-eletrônicos (EEE) e o desenvolvimento de uma produção preocupada com o equilíbrio ambiental.

Em entrevista à Rets, o pesquisador – que é especialista em estudos sobre a relação entre os processos produtivos, o consumo e o ambiente –, falou sobre os principais temas abordados na sua palestra: os danos ao homem e ao meio-ambiente causados pelo despejo de resíduos tóxicos na atmosfera, a experiência da indústria alemã no tratamento de resíduos de EEE, os desafios e as oportunidades no Brasil.

Segundo Franke, apesar de não existir ainda um dispositivo para o controle apropriado dos descartes de resíduos sólidos, a legislação ambiental brasileira é uma das mais vigorosas e atualizadas do mundo. Com a formulação de uma política nacional de resíduos sólidos, acredita, será possível desenvolver um programa responsável de reaproveitamento, reciclagem e descarte de produtos.

Rets - Quando não tratados apropriadamente após a sua fase de uso, os EEE geram um grande impacto ecológico. Quais são os principais danos causados pelos EEE ao meio ambiente?

Carsten Franke - Em caso de disposição ambientalmente incorreta, podem contaminar o solo e recursos hídricos, pela presença de substâncias tóxicas. Mesmo quando dispostos em aterros industriais adequados, devido à sua grande quantidade, reduzem a vida útil do aterro.

Rets - E qual é o tratamento mais adequado para esses produtos?

Carsten Franke - Com tratamentos como a reutilização, remanufatura ou reciclagem, consegue-se aumentar a eficiência da utilização dos recursos e produzir mais bens com redução dos impactos ambientais, pois reduz-se a quantidade de recursos naturais extraídos.

Rets - No Brasil, além de reduzir os danos ao meio ambiente, que outros benefícios o tratamento adequado traria à população?

Carsten Franke - As atividades envolvidas na fase de pós-uso do produto gerariam novos negócios, dinamizando o crescimento econômico do país e a criação de empregos diretos e indiretos. Por exemplo, temos a coleta, a separação, o transporte, a desmontagem, a manutenção, a remanufatura, a reciclagem e a distribuição dos materiais, componentes ou produtos tratados a um preço menor que o dos produtos novos.

Rets - Essa questão já se tornou parte integral da sociedade e da legislação de alguns países. Você acredita que isso também será realidade no Brasil daqui a alguns anos?

Carsten Franke - Sim, assim como em toda a Comunidade Européia e no Japão. A Constituição Federal Brasileira trata de forma abrangente e moderna os assuntos relacionados à preservação do meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável da economia, reservando à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, a tarefa de proteger o meio ambiente e de controlar a poluição.

Mesmo a legislação ambiental brasileira sendo uma das mais vigorosas e atualizadas do mundo, ainda não existe um dispositivo para o controle apropriado dos descartes de resíduos sólidos. Por esse motivo, uma política nacional de resíduos sólidos vem sendo formulada para tornar possível um programa responsável de reaproveitamento, reciclagem e descarte de produtos ao final de seu ciclo de vida. Os resíduos provenientes de produtos eletro-eletrônicos fazem parte desta realidade e são mencionados detalhadamente no projeto de política nacional. Em alguns casos, por resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), a destinação final de certos resíduos já foi determinada. A resolução do Conama que trata das baterias e pilhas esgotadas determinou aos produtores a responsabilidade pelo gerenciamento da coleta, classificação e transporte dos produtos descartados, assim como o tratamento prévio deles. Com a definição de maior responsabilidade aos produtores e distribuidores sobre os produtos, é projetado para o futuro um gerenciamento mais efetivo e eficiente do tratamento de resíduos sólidos ao final de seu ciclo de vida, conseguindo promover as ações que dão precedência às soluções de recuperação da energia ou do material sobre as formas arbitrárias de disposição final. Nesse cenário, diversos projetos de lei tramitam pelo Congresso e pelo Senado Federal, cumprindo a missão de atualizar a legislação brasileira segundo os moldes de uma indústria ecologicamente sustentável. Segundo o relator da Política Nacional de Resíduos Sólidos, deputado Emerson Kapaz, as novas regras devem ser aprovadas até o final de junho na Comissão Especial da Câmara e, a partir disso, em regime de urgência, no plenário da casa, até o final do ano.

Rets - O que acontece na Alemanha que poderia ser aplicado no Brasil?

Carsten Franke - Na Alemanha, por volta de dois milhões de toneladas de sucata elétrica e eletrônica são acumuladas por ano. Devido ao progresso técnico, dispositivos tornam-se obsoletos a uma taxa crescente, vindo, portanto, a aumentar também os problemas de disposição final. Nos anos recentes, a administração de resíduos na Alemanha passou de um modo throw-away [jogar fora] e de gerenciamento por descartes para um novo modelo de ciclo integrado de produto (integrated substance cycle), no qual a prevenção de resíduos e sua recuperação são as principais prioridades. O "Closed Substance Cycle and Waste Management Act" (KrW-/AbfG), que entrou em vigor em 1996, estabeleceu a nova abordagem da responsabilidade de produto, na qual os fabricantes e comerciantes têm a obrigação de atender as metas acordadas na política de gerenciamento de resíduos. O ato atribui como meta principal atenuar a geração de resíduos. Se os resíduos não podem ser evitados, devem então ser transportados até as instalações de tratamento para reciclagem ou geração de energia. Apenas aqueles tipos de resíduos que não podem ser recuperados têm permissão para serem descartados definitivamente de uma maneira não agressiva ao meio ambiente.

Rets - Há outras sugestões de mecanismos e leis que você daria para o Brasil?

Carsten Franke - Sim, na Politica Nacional do Meio Ambiente, de 1981, há um inciso que indica a necessidade de mecanismos de incentivo a formas de produção ambientalmente adequadas. Portanto existe a possibilidade de se regulamentar este normativo visando ao ciclo de vida completo e adequado do produto.

Rets - Que papéis devem ter os governos, as empresas e a sociedade civil nesse processo?

Carsten Franke - O governo deve ser o grande promotor deste processo, colocando as regras que devem ser elaboradas em conjunto com a sociedade civil e as empresas. Este processo legitima e compromete estes atores a participar,

Rets - Os seus estudos servirão de subsídios para o Ministério do Meio Ambiente no estabelecimento de critérios para uma produção mais "limpa" em termos de equilíbrio ambiental. Já existe uma parceria para impulsionar esta iniciativa?

Carsten Franke - Atualmente, o Grupo de Adequação Ambiental em Manufatura (AMA), do Núcleo de Manufatura Avançada (Numa) da Escola Engenharia de São Carlos (EESC), em parceria com a Universidade Técnica de Berlim, trabalha na formação de uma rede de pesquisas que aborde a temática da engenharia de ciclo de vida, envolvendo diversas instituições de ensino e pesquisa no Brasil e exterior.

Rets - Você cita diversas iniciativas que avançam nessa questão, como o recolhimento de baterias de celulares, a remanufatura de cartuchos de toner, e o grande número de companhias que oferecem serviços de coleta, limpeza, recarga e leasing de unidades remanufaturadas. São iniciativas ainda muito isoladas? O que falta para que elas se expandam e sejam incorporadas pela sociedade em todo o país?

Carsten Franke - Sim. É necessária a integração dos diversos atores que podem atuar nesta questão, incentivada pelo poder público, pela legislação e fiscalização da responsabilidade do produtor com relação a todo o ciclo do produto. Além disso, pode-se estimular este processo por meio de incentivos econômicos por parte das instituições financeiras.

Mariana Loiola

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