Autor original: Mariana Loiola
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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Até há pouco tempo, Eliete (Nenhty Porã), da nação indígena Xucuru-Kariri (Alagoas), não imaginava que o povo da sua aldeia poderia se comunicar com o mundo de uma forma bem mais simples do que estava habituada. "A gente estava esquecido aqui. Não sabia como entrar em contato com órgãos do governo para reivindicar os nossos direitos", diz. Com a chegada do projeto Índios On Line na aldeia, a dificuldade de acesso à informação e comunicação diminuirá. Pelo projeto, foram instalados uma antena satélite e um computador para fazer a conexão do seu povo à Internet. "Esse projeto está beneficiando muito a nossa aldeia. Sabendo os endereços e as pessoas que devemos procurar, podemos reivindicar saúde, educação, renda", diz.
Eliete foi uma dos 14 representantes de sete tribos indígenas que participaram de uma oficina de qualificação nas tecnologias de informação e comunicação, realizada por meio do projeto. O grupo, formado por homens e mulheres entre 15 e 35 anos de idade (que aprenderam ferramentas e a importância do uso dessas tecnologias), será responsável pela transmissão do conhecimento adquirido aos outros habitantes de suas aldeias.
O projeto Índos On Line, coordenado pela ONG Thydêwá, com incentivo do Governo do Estado da Bahia e apoio da Unesco, foi inaugurado no último dia 19 de abril, dia dos povos indígenas brasileiros. Desde esse dia, além da tribo de Eliete, mais seis nações indígenas do Nordeste estão agora conectadas à Internet: Tupinambá, Kiriri, Pataxó Hãhãhãe e Tumbalalá (Bahia), Kariri-Xocó (Alagoas) e Pankararu (Pernambuco).
O Índios On Line é um projeto piloto, com orçamento inicial para seis meses. Para dar continuidade à iniciativa e ampliá-la para outras comunidades do Nordeste e do Brasil, a ONG buscará novos recursos e parcerias. "Quanto maior a área de abrangência do projeto, maior será a diversidade de culturas", diz Sebastián Gerlic, presidente da ONG Thydêwá.
Este é um grande avanço para os indígenas, que enfrentam diversos obstáculos para terem acesso à informação e à comunicação, como a falta de telefones, as estradas ruins que dão acesso às aldeias e a falta de poder aquisitivo para comprar um jornal ou uma revista. "No mundo moderno, não dá para buscar direitos sem informação e comunicação", diz o presidente da Thydêwá.
Registro, divulgação e fortalecimento da cultura
Além de uma antena e um computador, cada aldeia recebeu uma máquina fotográfica digital para registrar a sua cultura no portal www.indiosonline.org.br. Este portal é um espaço aberto para reivindicações, onde poderão ser divulgadas petições e deve servir como um meio para pressionar órgãos do governo quanto a ações favoráveis às comunidades indígenas. No entanto, este não é o objetivo primordial do projeto, que tem foco no fortalecimento da cultura indígena, muito massacrada no Brasil, enfatiza Sebastián.
O conteúdo do portal é produzido pelos próprios indígenas, a exemplo de um outro projeto desenvolvido pela Thydêwá – o "Índios na visão dos índios" -, que, desde 2001, incentiva o registro da história dos índios por eles mesmos. "Eles têm total liberdade e autonomia na produção do conteúdo. Esse canal foi aberto para eles partilharem a sua história como quiserem - sem o padrão intelectual do homem branco - e não serem apenas objeto de estudo", afirma. As matérias publicadas ainda são pequenas e tímidas, mas Sebastián conta com o envolvimento cada vez maior dos indígenas ao projeto. "Espero que eles entendam que a Internet é uma ferramenta que deve ser utilizada para o bem, para que consigam ir atrás das necessidades do dia-a-dia, e para que sejam conhecidos por outras pessoas", diz.
Pelo portal, os indígenas interagem não apenas com diversas tribos, mas também com outras culturas. Dessa forma, poderão trocar experiências e socializar os seus conhecimentos e as tradições. "O portal promove a formação de uma rede de comunicação entre as comunidades indígenas, mas está também aberto a todas as culturas", ressalta o presidente da Thydêwá. Ele espera que esse diálogo intercultural ajude a reduzir o preconceito contra os índios e a promover o respeito pelas diferenças. O grupo que participou da capacitação visitou ainda escolas públicas e privadas de Salvador para falar sobre a sua cultura e divulgar o portal.
A novidade desperta a curiosidade principalmente dos jovens indígenas. "Os jovens se mostram bastante abertos às novas tecnologias, assim como acontece em outras sociedades", conta Sebastián. Na sala de bate-papo, índios de diferentes tribos se encontram e fazem novas amizades. Para o cacique Cícero Marinheiro, da aldeia Tumbalalá, localizada no norte da Bahia, o projeto leva otimismo para os jovens da sua tribo: "Nós conseguimos um computador e podemos conseguir muito mais. Com esse projeto, mostramos para os jovens que, se correrem atrás, eles podem conseguir o que quiserem".
Para os indígenas que já estão envolvidos com o projeto, a rede representa uma grande oportunidade de mudar a sua história de exclusão e sofrimento. "Acho que essa é a porta de entrada para a nossa felicidade", sonha Eliete.
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