Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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Fazer as pessoas compreenderem as atitudes das outras, por mais que tenham sido agressivas e prejudicado alguém; resolver conflitos por meio do diálogo e não da violência; conhecer as motivações de cada atitude praticada e assim evitar sentimentos como raiva, angústia e depressão: essas são algumas das idéias contidas no conceito de comunicação não-violenta, elaborado por um psicólogo norte-americano e utilizado em diversos países, inclusive no Brasil, para melhorar as relações humanas.
A teoria da comunicação não-violenta foi formulada nos anos 60, por Marshall Rosemberg. Seus princípios são simples: “fortalecer nossa habilidade de inspirar compaixão de outros e responder da mesma forma aos outros e nós mesmos. A comunicação não-violenta nos guia a rever como nos expressamos e ouvimos, focando nossa consciência no que observamos, sentimos, necessitamos e pedimos”. Por isso também é chamada de 'linguagem do coração'.
Ela foi criada a partir da vivência do autor em uma das mais violentas cidades norte-americanas, Detroit. Depois de presenciar conflitos raciais no bairro em que vivia quando criança, Rosenberg escolheu estudar psicologia para entender o que estava acontecendo na cabeça das pessoas. Deparou-se com uma forma de lidar com esses conflitos que achou equivocada. Em vez de aprenderem a ver os indivíduos e suas relações com o mundo como causa dos problemas, os alunos eram orientados a tratar apenas dos sintomas. Além disso, ao categorizarem as pessoas, os psicólogos contribuíam para agravar ainda mais a situação, pois impunham opiniões ao classificarem o comportamento de seus pacientes como “bom” e “mau”.
Para o psicólogo, a raiz da violência era a forma como nos comunicamos e não uma patologia qualquer. “A violência é causada pela crença de que outras pessoas causam nossa dor e por isso merecem ser punidas. Mesmo que não consideremos o modo como falamos 'violento', nossas palavras muitas vezes levam a feridas e dores”, escreve em seu livro “Nonviolent communication: a language of life”. Rosenberg entende por violência não apenas agressões físicas, mas também a tentativa de convencer as pessoas a fazerem algo sob qualquer tipo de coação – o que inclui punições, premiação, culpa, vergonha etc. Com isso em mente, buscou durante anos desenvolver uma forma de comunicação que não envolvesse qualquer tipo de agressão. Em 1984 criou o Centro para Comunicação Não-Violenta (CNVC), entidade que dirige ainda hoje.
A organização serviu para disseminar o trabalho do psicólogo, hoje afastado da profissão. Atualmente há 130 profissionais autorizados pelo CNVC a transmitir os ensinamentos da comunicação não-violenta utilizando o nome da entidade. Todos passam por treinamento, que pode ser feito autonomamente, com auxílio de uma bibliografia específica. Na página da entidade [veja na área de Links desta página, à direita] há várias indicações de leitura.
Os instrutores são treinados para fazer observações livres de avaliações e especificar comportamentos e condições que afetam as relações entre as pessoas. Aprendem também a ouvir as necessidades mais profundas e expressar o que querem em um dado momento, em vez de julgarem os demais.
Uma dessas pessoas é o inglês Dominic Barter, morador do Rio de Janeiro desde 1992 e atualmente o único a espalhar as idéias da comunicação não violenta em português. “É estranho um estrangeiro ser o único a falar sobre esse assunto por aqui, mas há pessoas que compartilham o ideal e não sabem”, lembra. Barter conheceu a teoria de Rosenberg em meados dos anos 90, quando foi da Inglaterra para a Suíça de carona a fim de assistir a um encontro entre palestinos e israelenses que estavam discutindo formas não-violentas de desobediência civil no Oriente Médio.
Quando soube que um norte-americano faria uma palestra durante o encontro, decepcionou-se. “Tinha uma ‘alergia’ ao sotaque americano. Pensei logo: ‘que roubada!’, deve ser mais uma fala sobre auto-ajuda”, afirmou. Mas descobriu que não era bem assim. Ele, um pacifista de longa data prestes a ficar impaciente, já havia pensado em tomar medidas drásticas para protestar contra a política externa de seu país e dos EUA, motivo de sua implicância. Saiu do encontro com uma visão mais serena, querendo mudar os diálogos – segundo ele, causa da maioria das desavenças modernas. Definir a não-violência é difícil para Barter, por falta de palavras em português. “Não quer dizer a ausência de violência, mas a presença de algo, que [o líder pacifista indiano Mahatma] Ghandi definiu como ahimsa, que une solidariedade, parceria e compaixão, sem o sentido religioso”, tenta explicar.
De volta ao Brasil, começou a estudar o assunto. Em 2000, após presenciar o seqüestro do ônibus 174 [episódio ocorrido no Rio, resultou na morte do seqüestrador e de uma refém], viu-se diante de um dilema: ou saía do país com sua família ou fazia algo para mudar a situação. Optou por permanecer no Brasil. No ano seguinte, trouxe Marshall Rosenberg para ministrar algumas oficinas e novamente se surpreendeu – desta vez com o interesse em ouvir o norte-americano. Diretores de presídios cariocas compareceram a algumas oficinas, assim como representantes de algumas organizações sociais. “Todos bastante curiosos em saber mais”, lembra.
Com o fim da temporada de Rosenberg no Brasil, as atenções se voltaram para Barter. Em abril de 2001 ele formou o CNVBrasil e, a partir dos contatos feitos nas oficinas, começou a trabalhar. Há, segundo o inglês, duas formas de agir no Brasil. Uma é dar aulas que melhorem o trabalho de uma determinada entidade. Como exemplo cita as organizações de moradores, que não modificam seus projetos ao utilizar as técnicas de comunicação não-violenta, mas alteram a forma de negociá-los. A outra é repassar os conceitos para quem quiser, sendo a comunicação não-violenta o centro da proposta.
Ele ressalta a diferença das atividades no Brasil e no exterior. “Lá elas são voltadas mais para a família, enquanto aqui damos preferência a comunidades. Algumas pessoas conhecem o trabalho feito fora e acabam pensando que é só aquilo”. A vantagem da teoria da comunicação não-violenta, diz, é a possibilidade de adaptação para qualquer contexto.
Apesar de poder ser aprendida sem aulas, 21 pessoas estão tendo fazendo uma espécie de curso com Barter para aprender a repassar a noção. Elas vêm do Rio, Santos, São Paulo e Marília, mas há gente oriunda de outras cidades que o consulta periodicamente. O trabalho no Brasil está crescendo e em breve chegará à Internet.
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