Autor original: Mariana Loiola
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
Se a sociedade civil organizada tem conquistado avanços significativos no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes, ainda há diversas lacunas a serem preenchidas nas ações para essa área. Para Junie Penna, é fundamental chamar a atenção sobre a necessidade de tratar o problema sob a ótica multidisciplinar, estimular políticas públicas e o envolvimento de diversos órgãos para acompanhar o pós-recolhimento das vítimas e oferecer outra fonte de renda que não seja a exploração. "Nós recolhemos a adolescente e depois ela não tem nenhum acompanhamento com assistente social ou psicólogo. Dias depois ela acaba voltando a ser explorada. Muitas vezes essas crianças não se sentem vítimas de crimes e encontram na prostituição uma estratégia de sobrevivência", diz.
A exploração sexual é considerada uma das piores forma de trabalho infantil, segundo Federico Marcon, perito do Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil (Ipec) da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Federico, responsável pela coordenação dos projetos do Ipec relacionados à exploração sexual, diz que o foco desses projetos é proporcionar a famílias e adolescentes oportunidades e alternativas de emprego e renda, por meio de apoio técnico a instituições que oferecem cursos de formação profissional e o encaminhamento a programas de geração de renda. A partir de julho, o Ipec vai implementar também, em sete municípios brasileiros apontados como rota de tráfico, um trabalho de capacitação de profissionais da rede de atendimento de proteção à criança, que inclui conselhos tutelares, policiais, professores, agentes de saúde, operadores da justiça etc.
Renato Roseno, coordenador nacional da Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Anced), acredita que há muito o que ser feito no sentido de conscientizar a sociedade em geral de que se trata de um crime grave e intolerável em relação aos direitos humanos. "Muitas vezes a menina explorada é revitimizada por um julgamento moral da sociedade. Mudar os padrões culturais é uma tarefa de longo prazo", diz.
A co-responsabilidade entre municípios, estados e União também é apontada pelo coordenador da Anced como essencial para garantir a implementação da rede de proteção às crianças, assim como a ampliação do orçamento destinado a políticas sociais de prevenção e de atendimento a vítimas.
Apesar de o atual governo ter assumido o tema como assunto prioritário no início do mandato, os valores no Plano Plurianual 2004/2007 propostos para as políticas de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes ainda estão muito aquém de atender a demanda existente para resolver o problema, segundo estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
No relatório elaborado em 1997, o Cecria denunciava um quadro de mudanças constantes nas estratégias, os programas e financiamentos, com descontinuidade na aplicação dos recursos, o que gerava ações isoladas, pontuais e imediatistas, tornando inexistente a possibilidade de garantir atendimento a todas as crianças e adolescentes vitimizados.
O Sentinela, criado 2000 como o principal programa governamental de atendimento às vítimas de violência sexual, ainda tem uma atuação pouco satisfatória com relação à exploração de crianças e adolescentes. Presente em 315 municípios brasileiros, o programa atendeu 15 mil casos em 2002. No entanto, apenas 4 mil eram referentes à esse tipo de crime. "O Sentinela deveria ser expandido pelo atual governo. A enorme burocracia atrapalha a continuidade do programa", comenta Lauro Monteiro.
Pouco se fala sobre o abuso sexual, lembra o presidente da Abrapia, considerado por ele a porta de entrada da exploração. O combate ao abuso requer ações nas escolas e junto a famílias em situação de risco. "As ações do governo são poucas, sazonais (concentradas neste mês de maio e no carnaval) e desordenadas", diz.
Lauro Monteiro acha que falta ainda uma maior articulação entre governo e organizações não-governamentais. Durante o período em que foi responsável pela operacionalização do disque-denúncia do Sistema Nacional de Combate à Exploração Sexual Infanto-Juvenil, a Abrapia realizou um trabalho intenso em parceria com a Embratur para divulgar o número 0800 990500, por meio de cartazes e folhetos, em todo o Brasil. O serviço, que registrou cinco mil ocorrências de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes ao longo de seis anos, tem funcionado precariamente desde que o governo federal cancelou o convênio com a Abrapia, em 2003. No Rio de Janeiro, por exemplo, o número está desativado.
Considerando todas essas lacunas, o governo terá que fazer muito mais do que o pacto pelo combate à violência sexual a ser assinado pelo presidente Lula, junto aos governadores, durante as manifestações pelo 18 de maio, em Brasília.
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